Crônica
Laranjas de ontem e de hoje
Quando era criança e ia de trem para o interior do antigo Estado do Rio, ao passar por Nova Iguaçu, logo na saída do ex-Distrito Federal, sentia o cheiro das laranjas que, de um lado e de outro da via férrea, invadia os vagões que perdiam o cheiro de fumaça das velhas locomotivas e ganhavam aquele perfume de sumo, de fruta fresca e encantada, dos imensos laranjais que nos acompanhavam por algum tempo.
Era um cheiro bom, e além do cheiro, também era bom ver as laranjeiras verdes e pejadas de frutos cor de ouro. Tínhamos a impressão de que os laranjais nunca terminavam, eram imensos e eram eternos.
Passou-se o tempo e, por ironia, temos hoje outro tipo de laranjas que nos acompanham, que estão em toda a parte, no governo e fora dele, no empresariado, na economia, na política, nos esportes, quase que na vida diária e pessoal de cada um de nós. É uma invasão de laranjas, mas laranjas mal cheirosas, de péssimo aspecto, que transformam a realidade num truque de mágica, gente que é o que não é e gente que não é e passa a ser para efeito de lei e moralidade pessoal e pública.
Tudo e todos parecem ser laranjas uns dos outros. Onde há dinheiro grosso, ou poder grossíssimo, há concentração de laranjas que espionam e são espionados, gravam-se fitas e vídeos, aparecem documentos que são e não são legais. O emaranhado que se cria entre o laranja e o seu produtor, ou seja, aquele que o contrata e o paga, é difícil de ser avaliado e dificílimo de ser punido.
Qualquer jogada de peso no mercado cria um imenso laranjal que, ao contrário das laranjas da antiga Nova Iguaçu não perfumam o trem em que viajamos. Pelo contrário. Nos enojam com o cheiro de sua podridão.
Carlos Heitor Cony