Crônica
Escrevo, logo existo
O hábito de escrever voltou com força total e devemos isso em grande parte à Internet e ao e-mail.Tem gente que não consegue passar um dia sequer sem checar a caixa postal. Outros, mais enfronhados no hábito, o fazem dezenas de vezes ao dia, às vezes de cinco em cinco minutos. Não são poucos os que passam horas escrevendo para os amigos. Não devemos nos recriminar com essa quase compulsão em ler e mandar mensagens de e-mail. Precisamos ter em mente uma nuança especial da natureza humana: somos uma espécie narrativa.
Um artigo que li na revista Time há pouco tempo abordava essa nossa característica humana tão notável, evocando o caso daquele submarino russo, o Kursk, que explodiu não se sabe ainda por que motivo. O artigo citou a revelação da mensagem final do capitão Dimitri Kolesnikov, endereçada à sua esposa, como um típico exemplo dessa obsessão humana por escrever. O oficial nunca saberia se um dia a patroa iria ler, mas, mesmo no escuro e à beira da morte, arranjou um jeito de relatar o que se passava e como estava se sentindo.
Nós existimos pelo fato de contarmos histórias, de escrevermos relatos de nossas situações e talvez, no futuro, nossos descendentes só poderão ter uma idéia de como vivemos hoje se tivermos competência em contar nossas histórias atuais. O que Dimitri fez no momento de sufoco, muitos outros já fizeram no passado em situações similares. Quando um jato da Japan Airlines caiu, em 1985, muitos passageiros usaram seus últimos minutos, em que a aeronave descia na espiral da morte anunciada, para escrever cartas para seus entes queridos. Do mesmo modo, quando os últimos ocupantes do Gueto de Varsóvia viram suas famílias e companheiros morrendo doentes e com fome, ou levados em caminhões para os campos de extermínio, sem que houvesse qualquer dúvida de que seus próprios destinos seriam iguais, mesmo assim eles escrevinharam seus pensamentos, fragmentos de suas vidas e enfiando os rolinhos nas ranhuras entre os tijolos do gueto. Escreveram simplesmente porque TINHAM que escrever, era quase um impulso, um fato biológico.
Seja um e-mail, uma carta ou um papelote que vá virar rolinho, escrever tem a ver com o sentido de liberdade. Você escreve uma frase e nunca sabe direito até aonde ela o levará. A aventura de quem escreve se iguala à de quem lê. É essa liberdade, compartilhada entre quem envia e quem recebe o e-mail, que constitui a verdadeira conexão entre as pessoas, remontando ao contato entre o marujo e sua esposa. Na hora em que tudo estava se acabando, Kolesnikov escreveu: "Estou escrevendo às cegas". E quem não está?
Carlos Alberto Teixeira é consultor de sistemas e escreve para o caderno "INFORMÁTICAetc" do jornal "O Globo". Foi colunista da revista "Guia da Internet.br", da Ediouro - Rio de Janeiro, onde foi publicada a Crônica acima.