Governo quer aprovar Reforma Tributária até o fim do ano
Ampliação dos gastos públicos e necessidade de redução da carga tributária colocam empresários e governadores de lados apostos.
   
Apontada como fundamental para que o País retome o caminho do crescimento econômico a Reforma Tributária deve ser concluída no Congresso Nacional no fim da primeira quinzena de dezembro. Pelo menos essa é a expectativa do governo, que pretende aprovar a reforma ainda esse ano, mesmo de forma parcial, para que já em 2004 as novas regras da política tributária possam entrar em vigor.
Nos últimos meses, o texto original passou por várias mudanças. Da proposta votada pela Câmara dos Deputados, o Senado aproveitou 75% dos dispositivos, como previu o então relator da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) senador Romero Jucá (PMDB/RR). Entre as mudanças, efetuadas no Senado, surgiu a Lei de Responsabilidade Tributária, mecanismo que pode reduzir a carga de impostos, sempre que houver melhora na relação dívida com o Produto Interno Bruto (PIB).
Outras modificações, no entanto, fizeram os governadores reagir. Consenso mesmo entre os 27 Estados surgiu apenas nos pedidos de mais verbas. O maior desafio é conciliar os pedidos de mais recursos dos governadores e prefeitos, com a necessidade de redução da carga tributária. Do outro lado das discussões, o empresariado teme que a pressão política dos governadores em torno da reforma e as necessidades financeiras do Governo Federal eliminem o ponto principal da Reforma, que é a redução da carga tributária sobre o setor produtivo.
O presidente da Confederação Nacional da Industria (CNI), Armando de Queiroz Monteiro Neto,  defende a correção das distorções que permitem o aumento da carga tributária.
Para o Técnico da Receita Federal, lotado na “Força-tarefa” do Aeroporto Internacional de Guarulhos-SP Eduardo de Moraes Sabbag, o sistema tributário nacional é ilógico, antiquado e altamente prejudicial ao contribuinte. Na opinião de Eduardo Sabbag - autor do livro  “Elementos do Direito Tributário”, 2003 - é preciso corrigir as inúmeras distorções do sistema tributário. Em sua avaliação, a reforma tributária, proposta pelo Governo, é restrita e contida, e está longe de ser a ideal. Em entrevista à TRIBUTUS, Sabbag faz uma análise do sistema tributário nacional e dos avanços e problemas contidos na proposta de Reforma Tributária defendida pelo Governo Lula.
TRIBUTUS – O senhor acredita que é realmente necessário fazer no País uma Reforma Tributária?
E.S - É imperioso enaltecer que, no Brasil, coexistem mais de três mil normas em matéria tributária, das quais surge um desanimador rol de, aproximadamente, 100 obrigações acessórias para o contribuinte, que pretende assimilá-las. Exigem-se mais de 60 tributos em nossa seara tributária. Com relação ao Imposto de Renda, existem mais de 200 instrumentos normativos, entre medidas provisórias, leis e decretos-leis. No mesmo rumo, o ICMS, uma das principais bandeiras da Reforma, não fica para trás, representando um tributo com 27 legislações diferentes e 44 alíquotas. Ressalte-se que a Lei do ICMS de São Paulo tem, aproximadamente, mil páginas, enquanto a lei respectiva, no Chile, não se estende além de 80 páginas. Para quê tanto tributo? Afora o aspecto numérico que, por si só, é suficiente para causar espanto e surpresa, nossa tributação apresenta-se confusa quanto a alguns tributos. Vejamos: não é estranho haver dois tributos distintos para a transmissão de bens imóveis? Sabe-se que se estivermos diante de uma transmissão “inter vivos” de bens imóveis, recolher-se-á o gravame para o Município (ITBI) por sua vez, se estivermos diante de uma transmissão “causa mortis”, quem abocanhará o tributo é o Estado (ITCMD).
No campo dos impostos aduaneiros, o contribuinte se vê obrigado a conhecer duas complexas legislações de impostos (Imposto de Importação e Imposto de Exportação) para efetuar seu trabalho de exportação e importação. E o IPTU e o ITR? Ambos têm como fato gerador a propriedade de bem imóvel.
TRIBUTUS – Algumas alterações na legislação tributária do País foram feitas no Governo passado, houve algum avanço depois da aprovação dessas medidas?
E.S. – O que se fez nos últimos anos foi a adoção de medidas que levaram ao aumento da arrecadação, mantendo a essência do modelo atual ou, na mesma esteira, o nosso sistema tributário é eficiente, merecendo apenas ajustes. Aqui se arrecada muito, porém se arrecada mal, à medida que nossa máquina arrecadadora onera em demasia o setor produtivo, desestimulando as exportações. Por derradeiro, no mesmo diapasão: “tudo é culpa do sonegador...ele é a causa de tudo!” Não é assim...a sonegação não é causa, mas conseqüência de uma sobretaxação do contribuinte. Enquanto não se buscar promover uma adequação na carga tributária, tornando-a palatável ao contribuinte, não há como dissuadi-lo do ânimo sonegador. É evidente a necessidade de uma reforma tributária no Brasil, sem a retórica vazia das “pseudo-reformas” propaladas nos Governos anteriores, mas uma “reforma de fato”, que venha ao encontro dos anseios da sociedade.
TRIBUTUS – Quais devem ser os objetivos primordiais de uma reforma, na sua opinião?
  E.S. - A reforma deve buscar, de modo certeiro, corrigir os problemas que vêm contaminando, há décadas, nosso sistema tributário nacional. Em princípio, deve-se buscar eliminar a cumulatividade dos tributos que incidem “em cascata” (COFINS, PIS, CPMF), que oneram a produção, prejudicando as exportações. Com isso, nosso produto, perante o mercado internacional, ganha competitividade, gerando fonte de renda ao mercado interno. Esse, uma vez aquecido, provoca a geração de empregos. É um salutar círculo vicioso.
Outrossim, nossa legislação do ICMS é literalmente intragável, ao se materializar em um plexo de normas confusas e demasiado intrincadas para o operador do Direito, ainda mais para o homem comum da sociedade. Como disse, são 27 legislações, isto é, trocando em miúdos, são “27 ICMS” no País. Portanto, é preciso unificar a legislação do ICMS, transformando-o no IVA (Imposto sobre Valor Agregado), a fim de que adotemos a mesma “linguagem comercial” de mais de 100 países espalhados pelo mundo, que já o adotam...e há muito tempo! A União Européia, criada em 1992, com Países Signatários que exibem contas incrivelmente equilibradas (Ex.: Dinamarca, Suécia, Áustria e outros) exige o IVA, como “linguagem” uniforme nas transações do grupo. Como nós, Brasil, competiremos no mercado externo, se dispormos de um sistema tributário cumulativo, que não permite “enxugar” o produto na exportação, a ponto de exportá-lo sem tributos? Portanto, somos uma Nação que exporta tributo! Não se compete, assim...
Todavia, não podemos nos esquecer de que, quando fabricamos um bem, pagamos IPI. Se ele segue ao comércio, pagaremos ICMS. Como é natural que se fature com a venda, incidirão mais dois tributos: PIS e COFINS. Até agora, são quatro tributos.
Voltando à exportação, quando se exporta, desonera-se o bem do ICMS, porém não o faz com relação aos demais gravames supracitados, o que nos remete a uma esdrúxula “exportação de tributos”. À guisa de exemplificação, quando exportamos um veículo, segue o bem, “turbinado” (com PIS e COFINS) - uma carga tributária que varia entre 12% a 18 %  do custo do produto final. Significa dizer que esse produto poderia ser exportado por um preço até 18% inferior ao que tem atualmente, se não fosse a incidência dessas contribuições.  Por fim, uma tributação eficaz passa por um Fisco moderno, que labora na sistematização do processamento das obrigações acessórias e na simplificação da Legislação Tributária.
TRIBUTUS - As propostas discutidas até agora no Congresso contemplam mudanças que o senhor acredita que são necessárias para o desenvolvimento econômico do País? Quais são os principais avanços?
E.S. - O Governo Federal mandou a viga-mestra ao Congresso, a fim de que esse Órgão as aprofunde. O que se nota é uma timidez na aprovação dos pontos de apoio do projeto, o que não é de todo ruim, uma vez que a contenção inicial é ingrediente para a aprovação “de fato”. Em momento posterior, procurar-se-á amplificar o mister reformista. Temos acompanhado a vitória na unificação da legislação do ICMS, com alíquotas escalonadas em cinco faixas, o que é salutar no processo de simplificação de um tributo que representa mais de 80% da arrecadação de tributos estaduais e que tem atingido, aproximadamente, o percentual de 20% dos tributos em geral. Paralelamente, vamos fazer coro para que se adote, mesmo que paulatinamente, o sistema de tributação calcado no “destino”, e não na origem. Como o ICMS é tributo a ser recolhido com a circulação de mercadorias, o Estado-membro que fabrica muito, prefere a arrecadação na origem por sua vez, os Estados que consomem muito ou nada fabricam, preferem a arrecadação no “destino”. Qual é o sistema ideal para um país? No caso do Brasil, em que grassam a desigualdade e o desequilíbrio socioeconômico entre as diferentes regiões do País, é natural que se deva proceder à tributação no “destino”, a fim de tornar mais polpudo  o caixa do Estado menos privilegiado. É o começo da Justiça Fiscal em um País de latas (amplas) extensões, como o Brasil.
Quanto à famigerada CPMF, tudo indica que caminharemos para a consagração de sua  perpetuidade. Nada de mais, para um tributo que nasceu em 1996 e se estendeu, com prorrogações de constitucionalidade duvidosas, até os dias de hoje.
Sem intenção de elogiar tão antipopular exação, é notório que a CPMF, ao atingir o sonegador, em face da universalidade das operações bancárias em nosso País, possibilita identificar o contribuinte omisso, transformando-se em poderoso instrumento de fiscalização. O ideal seria a viabilidade de uma compensação da CPMF com outros tributos federais, como forma de reconhecer os “bons pagadores”, tornando-se, assim, menos intragável para o povo brasileiro.
TRIBUTUS - O senhor acredita que a reforma, como o governo defende, será capaz de eliminar a guerra fiscal e reduzir a carga tributária?
E.S. - Comecemos pela “guerra fiscal”. Os impostos devem ser presididos pelos princípios da universalidade e da generalidade, ou seja, todos os bens, serviços e rendas devem ser gravados. Ademais, todas as pessoas devem pagar, ressalvadas as hipóteses de imunidade outorgadas em função do Regime Federativo e dos direitos e garantias fundamentais. Ressalte-se que desoneração de um implica oneração de outro. A base da “guerra fiscal” está na concessão indiscriminada de incentivos fiscais, que atentam contra os princípios da isonomia, da transparência e da justiça fiscal. Os incentivos fiscais só se legitimam se vierem ao encontro da promoção do equilíbrio socioeconômico entre as diferentes regiões do País, em abono do art. 151, I, da CF.
A Constituição Federal estabeleceu que os Estados somente poderiam conceder benefícios fiscais relativos ao ICMS por meio de convênios, de cuja celebração participassem todos os Estados. Aparentemente desconhecendo esse ditame constitucional, diversos Estados começaram a conceder, indiscriminadamente, benefícios fiscais em relação ao ICMS, na busca por atrair empresas para que se estabelecessem em seu território. Nome do “jogo”: guerra fiscal. Por que “jogo”? Porque muitos dos demais Estados, sendo gravemente vitimados pela sistemática, foram obrigados a adotar também uma agressiva política fiscal, em uma nítida atitude fratricida (assassino de irmão), na tentativa de manter as empresas instaladas em seus territórios e os empregos por elas gerados.
O que se nota, no entanto, é que alguns Governadores não querem o fim da guerra fiscal, porque não vão poder mais adotar a nociva política de renúncia fiscal. Tal postura egoísta revela interesses subnacionais que contrariam o verdadeiro propósito do Chefe de Governo, como representante do povo, que deve lutar pelos interesses e anseios do próprio povo. Não vivemos em uma ilha hoje nossos competidores são competidores globalizados e, se não tivermos um sistema tributário coordenado e compatível com os sistemas tributários adotados no resto do mundo, veremos, inarredavelmente, nossa sociedade sendo penalizada e empobrecida por um sistema tributário injusto e distorcido.
Por outro lado, não podemos deixar de falar de nossa “carga tributária”, uma das mais altas do mundo, só perdendo para países, como Alemanha e Suécia, apesar de mantermos um serviço público de “Uganda”, sem menosprezo com o respeitável povo daquele País. Atualmente, nossa carga tributária representa, aproximadamente, 36% do PIB, um patamar escorchante de valores retirados do bolso do contribuinte para o custeio do “nada”...
As estatísticas mostram que em 1988, à época da promulgação da Constituição, a carga tributária representava 20% do PIB. Passados 10 anos, em 1998, nossa carga tributária já atingia patamares expressivos de 33 % do PIB. Hoje, infelizmente, estamos batendo à porta da casa dos 36 % do PIB! Nosso sistema tributário beira a crueldade, pois o Estado se apropria de 36 % de tudo o que a sociedade produz, dificultando o crescimento, distorcendo o sistema de preços, privilegiando as importações, enquanto onera as exportações. Sem contar que o sistema tributário em comento está lastreado em tributos de péssima qualidade, haja vista nossa tributação se concentrar sobre a cadeia produtiva, que suporta mais de 76 % do total da carga tributária. Diante desse desanimador quadro, reitero que há esperanças. Quanto à guerra fiscal, não é demasiado frisar que seu fim é vital para a Justiça Fiscal, não se justificando esse fratricídio consentido em nossa Federação. Por sua vez, quanto à carga tributária brasileira, um possível caminho seria o da fixação de metas gradualmente descendentes para o atual patamar, visando alcançar, no futuro, o nível, digamos, de 25 % do PIB, como era em 1994. Ter-se-ia um valor digerível...
Ademais, há que se mudar a forma de tributar...o problema é que os contribuintes que pagam impostos pagam demais, muito mais do que sua cota teórica de 36 % de sua renda, ao passo que muitos pagam menos do que poderiam, e outros ainda pagam quase nada proporcionalmente à sua capacidade contributiva.
TRIBUTUS - O senhor acredita que essa reforma conseguirá eliminar distorções como a cobrança em cascata de impostos?
E.S. - Os tributos cumulativos em nosso sistema tributário (COFINS, CIDE, CPMF, PIS) são perversos para a consecução de uma tributação equânime. Representam, aproximadamente, 6 % do PIB nacional, materializando em fortes redutores de competitividade. “Ad argumentandum”, um produto vendido em três fases por R$ 600,00, R$ 800,00 e R$ 1.000,00 teria, aproximadamente, ao  final  das etapas um montante de R$ 80,00, ou seja, 8% do valor do produto final, referindo-se a tais tributos cumulativos. Enquanto não se resolver a questão da cumulatividade de tais exações, não teremos uma exportação a contento, nem uma cadeia produtiva sustentável.
Como se expôs, exportar mais significa produzir mais, tendo em vista o ingresso de recursos em nosso território. Por sua vez, produzir mais ocasiona menos desemprego. Além disso, há que se deslocar a tributação para impostos que incidem sobre a renda, desonerando a produção. Essa preponderância da tributação sobre o setor produtivo é nefasta, pois se caminha para lugar diametralmete oposto ao dos países desenvolvidos, que têm tributação centrada sobre a renda. No Brasil, os chamados tributos diretos (IR, IPVA e IPTU) absorvem tão somente 11 % da renda dos mais ricos e 2 % da renda dos mais pobres. Por sua vez, os tributos indiretos (ICMS, PIS e COFINS) absorvem 27 % da renda das classes mais baixas e apenas 7 % do topo da pirâmide social. Isso se explica, porque tais pessoas menos privilegiadas gastam seus recursos com o consumo (Ex.: comida, etc.). Daí afirmarmos que as famílias que vivem com menos de dois salários mínimos pagam, proporcionalmente, quase o dobro de impostos daquelas que recebem mais de 30 salários mínimos.       
Com a reforma, pretende-se conferir progressividade ao ITBI, ITCMD e ao ITR, na tentativa de deslocar uma imposição tributária mais gravosa para tributos pessoais. Além disso, pretende-se retirar a cumulatividade das contribuições comentadas, uma vez que serão substituídas pelo IVA – Imposto sobre o Valor Agregado, que significa um amplo tributo sobre o consumo, cobrindo todas as etapas de produção, desde o início, da aquisição das matérias-primas, passando pela distribuição até o consumo final. Dessa forma, a técnica de tributação pelo valor agregado se projeta na tributação do valor que se agrega em cada uma das etapas da operação, permitindo ao contribuinte ter plena ciência de quanto daquele preço equivale a tributos.
TRIBUTUS – Em sua avaliação, as propostas analisadas pelo Congresso Nacional, até agora, criam as bases para a economia do País volte a crescer e permitem a criação de um cenário de desenvolvimento prolongado?
E.S. - Sou bastante otimista com a reforma que está sendo examinada. Não obstante serem demasiadas as críticas e previsões catastróficas, com relação à PEC 41, penso não podermos abrir mão do ânimo reformista que estamos vivendo. Não se pode esperar mais. Perdemos competitividade dia-a-dia, prospera a sonegação no País e cresce a desigualdade tributária. Como não considerar necessária uma reforma tributária? Todavia, não nos iludamos: nenhuma reforma estrutural feita pelo mundo afora veio para “agradar”, mas para “resolver”, ainda que “desagradando”. É assim também uma reforma tributária em qualquer nação do mundo. Há interesses conflitantes que se chocam e que tendem a um resultado, cujos efeitos torcemos para que sejam os melhores possíveis para a nação, sem que venham desnaturar os balizamentos vitais insertos na PEC 41.
Por derradeiro, quero enfatizar que não há “reforma”, sem “reformas”. É necessário aliar à Reforma Tributária, uma “reforma administrativa”, a fim de que o Estado assuma o seu verdadeiro papel, na busca da eficiência, combatendo o desperdício e, principalmente, atendendo os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência do serviço público. Logo, uma reforma para tapar buracos não se justifica.