30 mil armas entram ilegalmente no País todos os anos

30 mil armas entram
ilegalmente no País todos os anos

Sindireceita apresenta propostas de aperfeiçoamento na legislação para fiscalizar o contrabando de armas e munições
O crime organizado é um problema mundial, que ultrapassou todas as fronteiras. Conforme estudo do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC), ele movimenta cerca de US$ 2 trilhões por ano, entre 2% e 5% do produto Interno Bruto (PIB) mundial. Desse total, cerca de 20% é relativo ao tráfico internacional de armas.

No Brasil, dados da Secretaria da Receita Federal revelam que, de janeiro de 2000 a maio de 2006, foram apreendidas 9.829 armas de fogo no País, 12.737 armas de pressão (gás), 554.877 cartuchos e 11.106 armas brancas. “Acredito que a Receita Federal pode fazer muito mais para colaborar no combate ao crime de tráfico de armas. Estimativa do Ministério da Justiça diz que 30 mil armas entram ilegalmente no País todos os anos, ao longo dos 16 mil quilômetros de nossas fronteiras terrestres. Isso vai desde a Argentina até ao Suriname e Guianas”, destacou o presidente do Sindireceita, Paulo Antenor de Oliveira, durante audiência pública na CPI do Tráfico de Armas, no dia 6 de junho.

A Secretaria da Receita Federal como órgão responsável pelo controle do comércio exterior, pelo desembaraço aduaneiro, atua no combate aos ilícitos por meio do despacho aduaneiro e, depois, através de ação de repressão em conjunto com a Polícia Federal. As fraudes e a sonegação têm muitas fontes: planejamento tributário; utilização de empresas-laranja; vendas superfaturadas; importação com falsa declaração de conteúdo; exportação fictícia; contrabando ou descaminho.

Segundo pesquisa da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, que é um dos Estados mais problemáticos em matéria de armas, 42% das armas que entram em seu território são contrabandeadas, ou seja, passam pela Receita Federal, ou deveriam passar pela Receita Federal. “Ao longo da sua história, a Receita Federal conquistou inúmeros reconhecimentos, inclusive internacionais, pela vanguarda na tecnologia. Nós achamos que a atuação da Receita agora tem que ser voltada para outras áreas como: o combate ao contrabando, ao descaminho, à pirataria, à informalidade e também ao tráfico de armas. É necessário repensar a Receita Federal, inclusive recompondo o quadro funcional”, afirmou Paulo Antenor.

De acordo com o coordenador-geral de Administração Aduaneira da Secretaria da Receita Federal, Ronaldo Lázaro Medina, que também participou de audiência pública na CPI do Tráfico de Armas, realizada no dia 7 de junho, dentre as mercadorias que estão sujeitas a um controle especializado estão a importação ou a exportação de armas e munições, explosivos, entre outros. Medina informou que esse tipo de mercadoria, para entrar ou sair do Brasil, sofre um controle prévio do Ministério da Defesa, especialmente do Exército brasileiro, e a Receita Federal se atém ao controle tributário das mercadorias. O coordenador-geral de Administração Aduaneira disse ainda que o instrumento de combate ao ilícito no comércio exterior, utilizado pela Receita Federal, é a análise de risco, com base na verificação do operador do comércio exterior envolvido na operação, em especial o importador. “Cerca de 90% das ocorrências de fraude, de ilícitos no comércio exterior ocorrem por empresas de fachada. De acordo com esse conhecimento, a Receita Federal desde 2002 vem desenvolvendo uma sistemática de controle de operadores no comércio exterior”, afirmou Medina.

Precariedade na fiscalização de fronteiras, portos e aeroportos
O presidente Paulo Antenor acredita, no entanto, que é fundamental o aperfeiçoamento de mecanismos para aumentar o controle do comércio internacional, em especial o comércio ilegal de armas. Entre as medidas cabíveis, ele citou a assinatura de acordos de cooperação, principalmente com países do Mercosul; a estruturação da Divisão de Repressão da Receita Federal e da Divisão de Repressão de Tráfico de Armas da Polícia Federal, que embora já tenham sido criadas ainda não estão plenamente operacionais; a melhoria da fiscalização no controle aduaneiro, realizado nas unidades alfandegadas em todo o País; e o reforço da presença de servidores da Receita Federal e da Polícia Federal nas cidades fronteiriças, principalmente na Tríplice Fronteira - Argentina, Brasil e Paraguai – apontada como a principal rota de entrada de armas no País. “Existem dificuldades inerentes a um país continental como o nosso, mas a escassez de recursos humanos e tecnológicos, tem tornado a atividade desenvolvida pela Receita Federal muito mais difícil”.

Como exemplo de deficiência na fiscalização por falta de recursos, Paulo Antenor afirmou que, no ano passado, 1 milhão de contêineres passaram pelo Porto de Santos/SP, o maior da América Latina, e somente 1% das mercadorias importadas foram realmente verificadas. O presidente do Sindireceita também falou sobre a importância da utilização de scanners nos portos e pontos de fronteira para aumentar o controle aduaneiro. “A medida é uma orientação do Comitê de Segurança Marítima da Organização Marítima Internacional. Trata-se de verificação não-intrusiva que, em tese, traz resultados muito bons. Embora existam scanners da Receita Federal em alguns portos brasileiros, muitos estão desativados por estarem tecnologicamente superados, por falta de manutenção ou mesmo falta de pessoal”. Além disso, Antenor afirmou que há scanners que efetivamente não mostram o que tem dentro do conteúdo analisado e que existem problemas no treinamento de pessoal. “Hoje existem equipamentos mais modernos que efetivamente mostram o conteúdo, há tecnologias que, por exemplo, se consegue ver o que tem dentro de um bloco de concreto. São tecnologias que gostaríamos de ver sendo utilizadas aqui no Brasil”. De acordo com ele, houve treinamento de funcionários da Receita para utilização de scanners, mas em muitos casos, os equipamentos demoraram tanto a funcionar que os servidores já não ficavam mais na unidade.

Questionado sobre a problemática dos scanners brasileiros, o coordenador-geral Ronaldo Medina reconheceu que, nos últimos três anos, os equipamentos ficaram sem manutenção e que apenas no ano passado, com a melhoria do orçamento da Receita Federal, foi possível recuperá-los. “Nós compramos esses scanners no final dos anos 90, com a tecnologia e com os preços que eram disponíveis naquela época. Então, os equipamentos eram mais caros e não tinham a mesma tecnologia disponível que nós temos hoje”. Medina afirmou, entretanto, que a Secretaria da Receita Federal deve comprar, até o primeiro trimestre de 2007, um scanner específico para automóveis para ser instalado em Foz do Iguaçu/PR.

Para o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Francisco Carlos Garisto, há portos sem fiscalização, aeroportos clandestinos por todo o Brasil, fronteiras impossíveis de serem protegidas, estradas com policiamento insuficiente e aeroportos sem aparelho de Raio X no porão. “A maioria dos aeroportos não tem Raio X de porão. A fiscalização ocorre apenas na hora do embarque do passageiro. Aí o que vai acontecer? A mala vai estar recheada de arma e munição. Ela vai descer depois, num outro aeroporto, que o criminoso vai escolher, sabendo que também não tem Raio X, porque eles sabem tudo”, destacou Garisto. O deputado federal Neucimar Fraga (PL/ES) complementou a informação de Garisto afirmando que, segundo a Infraero, dos 66 aeroportos brasileiros, apenas 12 têm Raio X de porão, e quanto aos Raios X de maleta manual apenas 24 aeroportos possuem.

Medidas para aperfeiçoar o contrabando de armas e munições
O presidente Paulo Antenor entregou à CPI do Tráfico de Armas uma lista com propostas de aperfeiçoamento na legislação para fiscalizar o contrabando de armas e munições e os crimes contra a ordem tributária. Dentre elas estão:

1)Reestruturação da Receita Federal e da Carreira Auditoria da Receita Federal, mediante aperfeiçoamento da estrutura organiza-cional, recomposição do quadro funcional e melhor distribuição de recursos humanos.

2)Inserção da Receita Federal na abrangência do art. nº 144 da Constituição Federal, que trata da segurança pública, pois, além do combate ao contrabando e ao descaminho no âmbito da área aduaneira, essa previsão constitucional autorizará que o órgão tenha prerrogativas especiais para enfrentar o crime organizado, tráfico de armas, drogas e munições e a lavagem de dinheiro.

3)Tríplice Fronteira: instalação de moderna unidade alfandegada de fronteira, integrada com os demais órgãos de fiscalização do comércio exterior, capaz de fiscalizar, separadamente, cargas, ônibus de excursão, veículos e pedestres. Necessária a utilização de modernas tecnologias, como sensores, cancelas elétricas, câmeras de vigilância e scanners.

4)Estruturação da Fiscalização Aduaneira nos Portos e Pontos Alfandegados, capacitada com tecnologia de vigilância eletrônica e não invasiva (scanners, sensores, câmeras de vigilância, etc).

5)Aperfeiçoamento do serviço de inteligência da Receita Federal, com a criação de núcleos de inteligência em todas as Delegacias e Inspetorias da Receita Federal e núcleos especializados no combate às fraudes do comércio exterior e ao contrabando.

6)Aperfeiçoamento do serviço de inteligência financeira, por ser um dos principais instrumentos para o combate ao crime organizado, papel exercido majoritariamente pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão reconhecido pela comunidade internacional como a Unidade de Inteligência Financeira (FIU) do Brasil, mas sem estrutura própria.

7)A implementação de melhores mecanismos de cooperação, coordenação e controle entre as forças policiais, a Abin e a Receita Federal. A combinação de forças entre as inteligências pode desempenhar relevante papel para identificar as altas somas de dinheiro aplicadas pelas organizações criminosas e neutralizá-las em seu aspecto mais vulnerável: a transformação de seus recursos ilícitos em lícitos.

8)Incremento da atuação sob a forma de “força-tarefa”, já que cada órgão (de fiscalização, de inteligência financeira, de investigação, de persecução criminal, de julgamento etc.) detém apenas parcela do conhecimento necessário, havendo a necessidade do trabalho de equipe (força-tarefa institucionalizada), para desenvolvimento de trabalhos conjunto contra o crime organizado. As forças armadas podem participar da força-tarefa, mediante convênio, no apoio logístico às operações preventivas de vigilância e repressão ao contrabando e descaminho.

9)Modernização do modelo de controle aduaneiro, com a utilização de novas tecnologias (inclusive Inteligência Artificial e redes neurais), inteligência fiscal e pessoal suficiente para as ações voltadas para a fiscalização. Embora o foco na verificação de mercadorias esteja sendo substituído pela ênfase no controle interno do importador, é necessário combinar os modelos para manter um controle efetivo do ingresso das mercadorias, em especial das cargas consideradas “de risco”.

10)Revisão da legislação aduaneira, para atualização, simplificação e consolidação, uma vez que nossa matriz legal é basicamente anterior à Constituição de 1988, tendo como espinha dorsal o Decreto-lei nº 37, de 1966.

11)Revisão da legislação de crimes contra a ordem tributária, prevendo o agravamento da pena em caso de ilícitos tributários oriundos ou vinculados ao crime organizado.

12)Superação das restrições orçamentárias. Não se pode pensar em prevenção e muito menos em combate às atividades das organizações criminosas sem um investimento significativo em inteligência e na estruturação dos órgãos responsáveis diretamente pela repressão. É fundamental reservar maior dotação orçamentária para a estruturação e desenvolvimento dessas atividades.

A Portaria do Exército n° 239, de 12 de maio de 2006, autoriza “a aquisição, na indústria nacional, de uma arma de uso restrito, para uso próprio, no calibre 40 S&W, em qualquer modelo, por integrantes da Carreira Auditoria da Receita Federal, Auditores-Fiscais e Técnicos da Receita Federal, diretamente envolvidos no combate e repressão aos crimes de contrabando e descaminho”.