Proposta que proíbe assédio moral
pode ser votada
Deputado Mauro Passos (PT/SC), autor do PL 2369/03, defende a criação de programas de prevenção em todas as empresas e orgãos estatais
A Câmara dos Deputados poderá votar em agosto, o Projeto de Lei que proíbe o assédio moral nas relações de trabalho. De autoria do deputado federal Mauro Passos (PT/SC), o PL 2369/03 não transforma o assédio moral em crime, mas em ilícito trabalhista, que pode gerar o direito à indenização. A pena indenizatória, conforme o texto, terá o valor mínimo equivalente a dez vezes a remuneração do empregado, sendo calculada em dobro em caso de reincidência. “É necessário combater o assédio moral, que tem conseqüências devastadoras para a saúde física e psíquica do trabalhador, afeta a sua vida familiar, social e profissional, resultando em ausências ao trabalho”, afirma o deputado. A proposta tramita em conjunto com outras oito que tratam do tema e foram apensadas ao PL 2369/03.
De acordo com o deputado Mauro Passos (PT-SC), o projeto define esse assédio como o constrangimento causado por atos repetitivos que degradam as relações de trabalho, praticado tanto por superiores hierárquicos quanto por colegas. Para configurar assédio moral, no entanto, essas ações devem atentar contra a dignidade do funcionário ou afetar sua saúde física e mental, comprometendo sua carreira profissional. O PL garante indenização ao empregado assediado, que deve ser paga pelo empregador, ficando-lhe assegurado o direito de regresso contra o assediador. O valor mínimo da indenização proposta é de dez vezes o valor da remuneração do empregado, incluindo não apenas o salário, mas todas as verbas pagas ao trabalhador. Além dessa indenização, o projeto assegura ao funcionário assediado o ressarcimento de todas as despesas médicas que houverem sido feitas para tratar problemas de saúde acarretados pelo assédio moral.
A proposta foi relatada pelo deputado federal Vicentinho (PT-SP), que apoia a iniciativa. “A prática deve ser proibida, mas, antes de tudo, devem ser adotadas medidas preventivas, educacionais e disciplinadoras, a fim de alterar a cultura dentro das empresas”, disse. O projeto, além da previsão de indenização ao trabalhador assediado, sujeita o empregador ao pagamento de multa caso não adote medidas preventivas. O relator sugere uma alteração nessa parte do texto. “Julgamos conveniente vincular a multa à decisão judicial. Assim, o juiz verifica a existência de assédio moral e a não-adoção de medidas preventivas. O Ministério do Trabalho é, então, informado sobre a infração e deve aplicar a multa administrativa”, explica.
Vicentinho propõe ainda outras emendas ao projeto. A primeira dispõe sobre o reajuste da multa, “que pode vir a perder o seu valor com o decorrer dos anos”. A segunda inverte o ônus da prova, ou seja, o empregador é que deverá provar que não ocorreu o assédio, e permite a substituição processual. “É óbvio que a prova dificilmente será produzida por um empregado que trabalhe em um ambiente onde a prática de assédio seja constante. Deve, sim, ser ônus do empregador, em virtude de sua maior facilidade em produzir a prova”, argumenta o relator. Sobre a substituição processual, que permite que o sindicato da categoria represente o funcionário no processo, o deputado explica que “muitas vezes é penoso demais para um trabalhador individualmente enfrentar a situação”, acrescenta.
No Brasil, não existe uma legislação nacional que tipifique o crime de assédio moral, atitude normalmente tomada por superiores que humilham repetidamente seus subordinados, levando-os muitas vezes a pedir demissão por não suportar mais a exposição constante ao ridículo. Para o deputado é preciso criar mecanismos legais que permitam ao trabalhador se defender e que sirvam também de orientação para empresas, e para a própria Justiça Trabalhista. Segundo Passos, uma ampla frente de mobilização está sendo formada no País e a intenção é pressionar o Congresso Nacional para que aprove, o quanto antes, a proposta.
A intenção, afirma Passos, é encaminhar à presidência do Congresso uma lista com assinaturas de trabalhadores de todo o País pedindo a aprovação urgente do projeto.
Ele acredita que com a previsão em lei os casos de assédio moral deverão ficar mais evidentes. De acordo com o texto, todas as empresas públicas, privadas, órgãos públicos e autarquias terão de criar programas específicos de prevenção a essas práticas. Mauro Passos destaca ainda que é preciso ficar claro que o responsável pelo ambiente de trabalho é justamente o profissional que coordena essas relações. Mais do que um problema limitado à esfera das relações trabalhistas, Passos acrescenta que esse é um problema de ordem social.
O assédio moral é apontado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como uma das principais violências nas relações de trabalho. Segundo a organização, esse é um fenômeno internacional. De acordo com uma pesquisa da OIT, em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as próximas duas décadas serão representadas pelo “mal-estar da globalização”, no qual haverá mais casos de depressão, angústia e outros danos psíquicos relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho.
Aumenta o número de casos de assédio moral na Justiça do País
Apesar de ser um tema novo a Justiça do Trabalho vem, nos últimos anos, aumentando o número de condenações de empresas por prática de assédio moral no Brasil. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já julgou 12 processos dessa natureza e nas instâncias inferiores o volume de ações não pára de crescer. Somente em São Paulo, o volume de ações dessa natureza cresceu mais de 5% em 2005.
Maria Cristina Peduzzi, ministra do TST, explica que ainda não há um entendimento pacificado nas instâncias superiores, mas os tribunais regionais começam a consolidar sua jurisprudência sobre o tema. Entre os entendimentos pacificados está o de que o empregador é responsável pela manutenção do ambiente e das condições de trabalho e que o desrespeito a tais condições pode gerar indenizações por danos morais.
Em decisão recente, o TST condenou uma empresa a pagar indenização de R$ 50 mil a um trabalhador pela violência psicológica sofrida no ambiente de trabalho. Após ingressar com uma reclamação na Justiça do Trabalho, esse trabalhador passou a ser discriminado na empresa. O juiz entendeu que as medidas causaram impactos morais e psicológicos e tinham por finalidade pressionar o trabalhador a pedir demissão. Nessa ação, o TST manteve a decisão do Tribunal Regional, mas reduziu o valor da indenização de R$ 100 mil para R$ 50 mil.
Em outro caso, foi concedida indenização ao funcionário de uma empresa que, depois de discordar da chefia, passou a ser perseguido. O trabalhador foi transferido para uma nova função, de menor complexidade, e foi sobrecarregado de tarefas inúteis. A Justiça também reconheceu a reclamação de funcionários que ingressaram com ações depois de terem sido ofendidos repetidamente pelo superior hierárquico.
O assédio moral é caracterizado pela violência psicológica à qual uma pessoa é submetida por um chefe ou mesmo por um colega de trabalho. A ministra, Maria Cristina Peduzzi, explica que a maioria dos casos é de reclamações de subordinados contra chefes, mas podem ocorrer situações em que as humilhações são promovidas por colegas. Apesar de não se tratar de fato comum, também é considerado assédio o descumprimento sistemático de ordens de um superior com intenção de prejudicá-lo.
Como esse é um debate recente não apenas no Brasil, toda fundamentação dessas ações no País se faz com base em artigos da Constituição Federal, explica a ministra. Peduzzi destaca que as ações são fundamentadas principalmente no artigo 1º, inciso III, que garante o direito à dignidade humana. Também costumam ser aplicados os artigos 5º, Inciso 10º, que garante o direito à honra, e 6º, que garante o direito à preservação da saúde mental. “Claramente essas ações de assédio moral são uma afronta à dignidade humana”, disse.
A ministra do TST acredita que com a ampliação dos debates sobre o tema, o volume de ações poderá crescer. Ela acredita, ainda, que a aprovação de uma legislação específica pelo Congresso Nacional poderá não apenas auxiliar a Justiça do Trabalho como também as próprias empresas, que passarão a ter uma referência concreta sobre o assunto.
O assédio moral também tem gerado reações no Ministério Público do Trabalho (MPT). Recentemente, o MPT propôs uma Ação Civil Pública (ACP) contra uma empresa do setor de bebidas, condenada a pagar R$ 1 milhão por dano moral coletivo. A ação foi proposta depois que funcionários passaram a ser humilhados por não cumprir as cotas de vendas, pois aqueles que não conseguissem atingir as metas eram excluídos de reuniões, obrigados a dançar entre os colegas e a usar nomes ofensivos em suas camisas.
A procuradora regional do Trabalho, Adriane Reis de Araújo, explica que, sempre que há uma reclamação, o MPT verifica se são procedentes as queixas e se a prática é recorrente. Constatado o assédio, o MPT pode propor a adoção de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e ainda aplicar multas, que são revertidas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).