Receita Federal busca autonomia nas operações de repressão
De janeiro a setembro de 2006 foram realizadas 1025 operações em todo o País e a expectativa é que se chegue em 1500 até o final do ano
Em nove meses, as apreensões de mercadorias ilegais no País já superam os resultados alcançados em todo o ano passado. Entre janeiro e setembro deste ano, a Receita Federal apreendeu mercadorias avaliadas em R$ 602 milhões. No ano passado, as operações de repressão resultaram em apreensão de mercadorias contrabandeadas e pirateadas que equivalem a, aproximadamente, R$ 596 milhões. Além de apreensões de eletroeletrônicos e produtos de informática, o trabalho da Receita retirou de circulação quase 600 armas de fogo, 18 mil munições de vários calibres, cerca de 3 milhões e 500 mil unidades de medicamentos e mais de 84 milhões de maços de cigarros e similares. Além disso, apenas na “Operação Fronteira Blindada”, realizada de janeiro a julho de 2006, em Foz do Iguaçu, na Fronteira com o Paraguai, foram apreendidas 3,4 toneladas de drogas, a maior parte, 3,2 toneladas, de maconha.
Esses resultados são fruto de investimentos em modernização da Receita Federal e na capacitação de seus servidores. Em 2005, foi criada a Divisão de Repressão aos Crimes de Contrabando, Descaminho e Pirataria (Direp), composta por servidores treinados para coordenar, planejar e executar operações de repressão em tempo integral. “Hoje, com a criação da Direp, temos condições de fazer operações-surpresa em todo o território nacional. Não há operações apenas em situações previstas, mas também fora de hora, 24 horas. Existem operações começando 2h, 3h da madrugada”, afirma o chefe da Direp, Mauro de Brito.
As operações de vigilância e repressão também contam com investimentos pesados na aquisição de equipamentos modernos e potentes, como scanners de última geração, viaturas, lanchas e dois helicópteros que serão entregues até abril de 2007. Somado a isso, a legislação já prevê o uso de arma especial para servidores da Carreira de Auditoria da Receita Federal para defesa pessoal, uma vez que a atividade é considerada de alto risco.
Atualmente, a maioria das operações da Receita Federal em portos, aeroportos e pontos de fronteira conta com o apoio policial. Para o chefe da Direp, no entanto, a Instituição iniciou um processo que futuramente dará maior autonomia a essas operações. Para ele, não são todas as operações da Receita Federal que necessitam de colaboração das polícias Federal e Rodoviária Federal, mas ainda há dependência desse apoio e, com investimentos em segurança, a tendência é a Instituição buscar maior autonomia. “Precisamos de segurança institucional para as nossas operações, e portanto precisamos melhorar essa auto-segurança para que possamos ter maior autonomia. A conquista por meio da legislação do uso de arma é apenas o começo. Temos de buscar autonomia e é esse processo que está se desencadeando dentro da Receita Federal. Autonomia completa”, destaca Brito. Confira a seguir a íntegra da entrevista com o chefe da Direp, Mauro de Brito.
TRIBUTU$ - Fale sobre o objetivo da Direp e sua atuação desde que foi criada.
Mauro de Brito - A Direp foi criada com o objetivo de estruturar as regiões fiscais, dotá-las com equipamentos e com equipes de servidores devidamente treinados para coordenar, planejar e executar operações de repressão aos crimes de contrabando, descaminho e pirataria. As 10 regiões fiscais já contam com a Direp instalada nas Superintendências e há quatro Núcleos Especiais de Repressão (Nurep) em locais estratégicos: Santos/SP, Uberaba/MG, Manaus/AM e Vitória/ES.
A atuação da Direp se dá em todo o território nacional, nos portos, aeroportos e pontos de fronteira, mas, principalmente, na zona secundária, em rotas e locais de venda e consumo de produtos ilícitos como nos comércios, feiras, depósitos, transportadoras, correios, shoppings e centros de distribuição.
As operações de repressão e vigilância têm aumentado constantemente. De janeiro a setembro de 2006, foram realizadas 1.025 operações, sendo que, na 7ª Região Fiscal, os dados foram atualizados até o mês de junho. No ano passado, realizamos, em todo o País, 1.300 operações e este ano a previsão é que se chegue a 1.500. São muitos os exemplos de operações bem sucedidas, como a Dilúvio, a Fronteira Blindada, a Atlântida, a Conexão Miami, a Firewall. Os principais produtos apreendidos ainda são os de informática e eletroeletrônicos. Mas, até setembro, apreendemos quase 600 armas de fogo, 18 mil munições de vários calibres, cerca de 3 milhões e 500 mil unidades de medicamentos, mais de 84 milhões de maços de cigarros e similares, 5.688 veículos, 1.817 máquinas de jogos de azar, além de brinquedos, bebidas, calçados, óculos de sol e inseticidas.
TRIBUTU$ - Como era o planejamento das operações de repressão e como é atualmente?
Mauro de Brito - Antes da criação da Direp, para realizar uma operação em Foz do Iguaçu, por exemplo, tínhamos de buscar 40, 50 pessoas de outros setores da Receita Federal. Hoje, com a criação da Direp temos condições de fazer operações-surpresa em todo o território nacional. Não há operações apenas em situações previstas, mas também fora de hora, 24 horas. Existem operações começando 2h, 3h da madrugada. Isso faz com que peguemos o crime de surpresa porque o criminoso acompanha a nossa movimentação.
TRIBUTU$ - Os projetos dos Núcleos Especiais (Nurep), como o curso de treinamento de habilitação em helicópteros e o treinamento de cães farejadores estão ligados à Direp?
Mauro de Brito - Isso tudo está ligado à Direp, que faz parte do plano de modernização da Receita Federal. A idéia do curso de habilitação em helicópteros nasceu a partir de um grupo de colegas, ex-combatentes da aeronáutica. Eles criaram um projeto-piloto há sete anos e agora se achou por bem implementar o projeto. Esse mesmo grupo foi destacado para coordenar esses trabalhos. Eles estão concluindo recentemente, na Marinha do Brasil, um treinamento específico com os pilotos que darão início ao núcleo de aviação da Receita Federal. O trabalho está sendo feito na 7ª Região Fiscal, no Rio de Janeiro, e a previsão é de que, em abril de 2007, cheguem os primeiros dois helicópteros. Vamos contar com mais esse instrumento moderno de combate à atividade criminosa, pois os servidores da Receita exercem uma atividade de alto risco.
Vitória/ES também foi pioneira, na criação do primeiro núcleo de cães farejadores do Brasil. Eles pretendem, dentro de um planejamento feito pelas Direp, transformar-se em unidade escola que possa atender o resto do país através de treinamento e por meio de fornecimento de matrizes de animais. É um projeto importantíssimo, chamado K9, e tem sido muito bem conduzido pela 7ª RF.
TRIBUTU$ - E quanto ao porte de arma para os servidores da Receita Federal. O que ainda falta para regulamentação?
Mauro de Brito - O porte de arma para os servidores da Carreira Auditoria da Receita Federal já é uma realidade. Estamos trabalhando na regulamentação interna, mas a legislação já prevê o uso da arma especial para Técnicos e Auditores. A calibre 380 está totalmente liberada. O Exército baixou portarias e autorizou a aquisição pessoal e individual da ponto 40, que precisa de solicitação especial do interessado à Receita Federal. A Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas (Cogep) também já anunciou que o processo da carteira funcional está em andamento, devemos tê-lo em pouco tempo. Mas, isso ainda não é a solução para a Receita Federal. A Divisão e a Coordenação Aduaneira estão trabalhando com a possibilidade de avançar para a arma institucional.
TRIBUTU$ - Na verdade, os servidores da Receita Federal que atuam nas fronteiras, portos e aeroportos sempre fizeram trabalho de polícia, o que se percebe é que estavam totalmente despreparados para essa atividade.
Mauro de Brito - Isso é um processo, temos de conduzir dessa forma, não é uma atividade que vai se instrumentar de uma hora para outra. Hoje, os servidores da Receita Federal podem requisitar apoio policial e nós não abrimos mão dessa requisição. Em determinado momento, sentimos que ainda dependemos muito da companhia das polícias, mesmo que todo o planejamento das operações seja da Receita Federal. Precisamos de segurança institucional para as nossas operações, portanto, precisamos melhorar essa auto-segurança para que possamos ter uma autonomia maior. A conquista, por meio de legislação do uso de arma é apenas o começo. Temos de buscar autonomia e é esse processo que está se desencadeando dentro da Receita Federal. Autonomia completa. Mas, os colegas devem ter paciência para esperar que esse processo aconteça de forma natural, até porque a mudança é muito radical. Preparar a Instituição para que ela possa comportar o uso de arma de forma ostensiva é um longo processo. Primeiro, temos que preparar os nossos dirigentes, as estruturas e os funcionários.
TRIBUTU$ - Como estão sendo realizados os treinamentos?
Mauro de Brito - A Direp Nacional está iniciando uma discussão com a Escola de Administração Fazendária (Esaf) para realizar os cursos-padrão. Hoje, todas as regiões já fizeram treinamento vinculado à questão do uso de arma para defesa pessoal. O que se quer para o próximo ano é sistematizar e acompanhar esses treinamentos. A partir do início do ano que vem, vamos definir um modelo para que todos os colegas que forem trabalhar na atividade de vigilância e repressão obrigatoriamente passem por treinamentos básicos.
TRIBUTU$ - A Receita Federal destinou muitos recursos às Direp para estruturação e compra de equipamentos?
Mauro de Brito - No ano de 2005 e em 2006, todas as divisões foram contempladas com viaturas, veículos modernos e potentes. Estamos na fase final da compra de equipamentos para a comunicação e os uniformes estão sendo adquiridos pelas regiões fiscais. Foi aprovada a aquisição de 26 lanchas, algumas delas já entregues. Há também os helicópteros e, até o final do ano, serão concluídos os processos de licitação para compra de scanners.
Atualmente, temos uma dificuldade muito grande na fiscalização porque, muitas vezes, a mercadoria passa escondida em fundo falso de veículos ou misturada com outras cargas. Como exemplo, podemos citar cargas de milho ou farinha, vindas da Argentina, com produtos eletrônicos, ou soja, vinda do Paraguai. Estamos adquirindo esses scanners justamente para aparelhar melhor as Direp. Realmente foi feito um grande investimento, que ainda não está completo, ele não se maturou dentro da atividade.
TRIBUTU$ - Como será o uniforme?
Mauro de Brito - Já existe uma previsão. O uniforme será com as cores e o símbolo da Receita Federal. Não está prevista a diferenciação de uniforme entre as categorias. O que pode acontecer, como nas diversas Instituições que conhecemos, é futuramente aperfeiçoarmos o uniforme para que contemple a informação da categoria. A Direp trabalha com equipes, por issp preservamos muito a criação de grupos que são compostos de Técnicos, Auditores e de outras carreiras auxiliares. De forma alguma entendemos que deve haver essa diferenciação, até porque, dentro do grupo, é que as coisas acontecem.
TRIBUTU$ - O Sr. acredita que a nova aduana da Ponte da Amizade reduzirá a entrada de produtos ilícitos no Brasil, uma vez que a região é considerada a principal rota de contrabando, pirataria e descaminho?
Mauro de Brito - Nós vamos melhorar muito. A previsão da nova estrutura traz consigo uma nova filosofia de controle. Trabalharemos com novos sistemas, que controlarão a bagagem de cada cidadão que passar naquele local. Naturalmente que só isso não resolve o problema. Temos hoje dificuldade de pessoal para atender todas as atividades da Ponte. Também não podemos esquecer, que se o controle é intensificado naquela região, há uma migração do fluxo de mercadoria para outras fronteiras.
Mas, nós apostamos muito no trabalho integrado entre as polícias e com o Conselho Nacional de Combate à Pirataria. Acredito também no aparelhamento das divisões de repressão e defendo que a estruturação daquele ponto de fronteira deve se estender para os demais.
Outra solução é trabalhar intensivamente nos centros de outros países, acabando com a estrutura dos criminosos, ou seja, fazer trabalhos de inteligência agregado aos de repressão. Isso já está sendo feito com as divisões de repressão juntamente com a Polícia Federal e o Ministério Público, o que colabora com a identificação das redes criminosas. Também estamos iniciando um processo de troca de informação com os países do Mercosul, justamente com o intuito de tentar impedir que essa mercadoria chegue ao mercado consumidor brasileiro.
Sabe-se que grandes empresas têm usado países como o Paraguai, Uruguai e Bolívia apenas como passagem, sendo que o destino da mercadoria é o Brasil e a Argentina. O Brasil tem hoje 200 milhões de habitantes e a Argentina tem outros 45 milhões. Os dois países totalizam 80% do mercado consumidor do Mercosul. A estimativa é de que, em 2006, o Paraguai exporte 400 milhões de CDs e DVDs virgens, a principal matéria-prima da pirataria. O Paraguai tem um consumo de 5 milhões, quando muito, então, 395 milhões ou vem para o Brasil ou vão para o mercado consumidor da Argentina.
Outro trabalho importantíssimo que o Sindireceita tem feito com o Conselho Nacional de Combate à Pirataria é o trabalho de educação, de conscientização da população brasileira, pois, ao aceitar o contrabando, o descaminho e a pirataria, na verdade estamos dando um “tiro no pé”, estamos gerando emprego lá fora ao invés de gerar emprego aqui. A sociedade ainda não compreendeu bem isso. Mas, à medida que os trabalhos vão sendo feitos, o nível de consciência vai se elevando.
TRIBUTU$ - Qual a política de escolha dos servidores que atuam ou querem atuar na Direp?
Mauro de Brito - Como é uma atividade especial, defendemos que o perfil das pessoas que venham a trabalhar conosco também seja adequado. A Receita Federal é muito grande, ela pode adaptar os servidores em uma atividade na qual possa render melhor. No caso da Direp, o primeiro passo é o voluntarismo, pessoas que acreditam no trabalho e gostam dele. Posteriormente, vamos analisar, na prática, se o servidor realmente tem condições de trabalhar ou não. Queremos, no futuro, fazer seleções especiais e que a segunda etapa do curso de formação tenha matérias específicas dessa área.
A previsão é de que a atividade chegue a contar, a médio e longo prazos, com aproximadamente 1.200 servidores. Começamos no ano passado com menos de 100 servidores. Em 2006, vamos fechar com 250. Pretendemos também dobrar o quantitativo de pessoas qualificadas e com dedicação exclusiva para essa atividade especial em 2007.
TRIBUTU$ - Há previsão de novos concursos para a Receita Federal?
Mauro de Brito - A Receita está na expectativa de renovação constante. Assim como as polícias estão conseguindo fazer concursos todos os anos, acho que nós temos de adotar essa política também. Temos, no entanto, um processo anterior a isso, de integração da Receita Federal à Receita Previdenciária. Assim, teremos um incremento de pessoas e precisaremos adequar esses dois grupos de trabalho. Se a unificação das Instituições não acontecer, acredito que a Receita Federal deve pleitear novos concursos, até porque, mesmo com a entrada dos servidores do último concurso, ainda nos deparamos com insuficiência para atender a demanda de certos locais.
TRIBUTU$ - Na sua opinião, quais outros métodos incrementariam o controle?
Mauro de Brito - O Brasil está melhorando os seus procedimentos de análise de risco usando sistemas modernos. Um exemplo disso é o Harphia que está sendo desenvolvido em São Paulo e deve ser agregado aos instrumentos de análise de risco até o final do ano. O Harphia é um sistema de análise de risco que busca a interação de bancos de dados, por meio do uso de inteligência artificial. Os bancos de dados, ao serem cruzados uns com os outros, conseguem definir melhor os indícios de irregularidades.