Pelo fim dos balanços
Raunísio dos Anjos
Decididamente, a Contabilidade não precisa de Balanços. Precisa, isto sim, de Demonstrações. Os Balanços nada mais são do que demonstrações fechadas e de difícil entendimento. Balanço vem de balança e pressupõe equilíbrio. Para tanto, precisam ser fechados, equilibrados. Para fechá-los, alocamos os resultados obtidos nos grupos ou colunas de natureza diversa da deles. Vejamos, por exemplo, o caso do Balanço Patrimonial. Caso os valores do Ativo (natureza devedora) sejam maiores do que os do Passivo Exigível (natureza credora) temos o que se chama de Patrimônio Líquido Positivo, de natureza originalmente devedora, já que sobram elementos no grupo do Ativo.
Para fechar o Balanço, temos de alocá-lo ao lado do Passivo, mudando-lhe a natureza original, de devedora para credora. Nessa condição, os defensores do Balanço não tiveram outra saída a não ser chamá-lo de Passivo Não-Exigível. Ora, não existe obrigação não-exigível. Toda obrigação é exigível, seja no curto, médio ou longo prazos. Na forma de demonstração essa inadequação desaparece. As Demonstrações são abertas e possuem estrutura vertical dedutiva, de fácil entendimento. Por exemplo, o Balanço Patrimonial, na forma de Demonstração seria: Ativo – Passivo Exigível – Resultados de Exercícios Futuros (se houver) = Patrimônio Líquido (que pode ser positivo, negativo ou nulo). Outro exemplo de fácil entendimento ocorre com a Demonstração do Fluxo de Caixa – DFC: Saldo Anterior + Ingressos – Saídas = Saldo Atual. Nem é preciso ter conhecimento de contabilidade para saber que o que eu tenho agora (saldo atual), em espécie, corresponde ao que eu tinha antes (saldo anterior) mais o que ingressou (entradas) menos o que saiu (saídas/vazamentos).
Na Contabilidade Pública, essa Demonstração tomou a forma de Balanço Financeiro e, para tanto, o legislador passou as saídas para o outro lado da igualdade. A equação tomou a forma de Balanço, ou seja: Ingressos + Saldo Anterior = Saídas + Saldo Atual. Fica evidente a dificuldade de entendimento dessa estrutura em forma de Balanço. A Demonstração do Resultado do Exercício – DRE é um excelente exemplo de como as demonstrações são auto-explicativas e de fácil entendimento. Os Balanços até poderiam ser elaborados, principalmente o Patrimonial, mas de forma complementar e apenas depois de elaboradas as Demonstrações.
No entanto, os Balanços - principalmente o Patrimonial - possuem algo inques-tionavelmente positivo: por meio deles, o método das partidas dobradas é facilmente visualizado e inteiramente respaldado. Fora deles, o método das partidas não encontra amparo. A alocação, no Balanço Patrimonial, do Patrimônio Líquido Positivo como sendo de natureza credora (contrária à original) traz outras conseqüências: para aumentá-lo, as receitas têm de ser credoras (de mesma natureza da dele) e, para diminuí-lo, as despesas têm que ser devedoras (de natureza contrária à da dele). Mas, a lógica nos faz pensar que as receitas, embora não sejam contas patrimoniais – são contas de resultado -, mais se parecem com bens ou direitos do que com obrigações. Ou seja, deveriam ser devedoras. O mesmo raciocínio vale para as despesas: - a lógica nos leva a crer que são obrigações, embora não sejam contas patrimoniais, mas a natureza devedora, adotada para provocar reduções na Situação Líquida Patrimonial, faz com que se assemelhem a bens ou direitos. O mesmo ocorre com as reservas (de lucros, de capital e de reavaliação) que assumem natureza credora para provocar acréscimos no Patrimônio Líquido. Mas, reservas, como o próprio nome está a indicar, nada mais são do que aquilo que se guarda, porque está sobrando, para utilização posterior. Logo, assemelham-se a direitos (natureza devedora) e não deveriam possuir natureza credora.
Certa feita, um aluno me perguntou se as reservas poderiam ser aplicadas no mercado financeiro. Expliquei-lhe que não, por não serem disponibilidades, mas "obrigações não exigíveis", de natureza credora. Disse-lhe, contudo, que o seu raciocínio estava correto, pelas razões que ora exponho. E, tudo isso, por conta da mudança da natureza original do patrimônio líquido positivo, de forma a possibilitar o fechamento do Balanço Patrimonial.
Na Contabilidade Pública, todos os demonstrativos têm a forma de Balanço. Até mesmo a Demonstração das Variações Patrimoniais toma a forma de Balanço ao ter o resultado patrimonial positivo alocado na coluna das Variações Passivas e o resultado patrimonial negativo alocado na coluna das Variações Ativas. No entanto, todos eles poderiam ser elaborados na forma de demonstrações. Repita-se: a adoção da estrutura de Balanços na elaboração das peças contábeis dificulta, e muito, a leitura e o entendimento das informações nelas contidas. A forma de Demonstrações (abertas e de fácil entendimento) é a que deveria ser adotada e o Balanço seria uma informação adicional. Todos os Balanços podem ser abertos e virarem Demonstrações: para o bem do usuário das informações e para facilitar o estudo e o aprendizado da Contabilidade. $
Nota: O autor é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Bahia e Bacharel em Ciências Contábeis pela Fundação Visconde de Cairu – Salvador (BA). Exerce, atualmente, o cargo de Analista-Tributário da RFB e é professor de diversas disciplinas em cursos preparatórios para concursos públicos.