Crimes eleitorais

Crimes eleitorais

Mais de mil prefeitos e vice-prefeitos foram cassados desde as eleições de 2000

A Justiça Eleitoral brasileira promoveu, desde as eleições de 2000, quando começou a vigorar a Lei n° 9.840, a cassação de 623 mandatos por meio de processos nos quais se apuravam alegações de corrupção eleitoral. Os cargos políticos que lideram o número de cassações são os de prefeito e vice-prefeito, somando 508 mandatos perdidos.

Os dados são de uma pesquisa realizada em outubro de 2007 pelo juiz Márlon Reis, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe) e integrante do comitê nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

Todas as cassações estão relacionadas ao uso de bens ou vantagens de origem pública ou privada para alterar a vontade dos eleitores ou fortalecer campanhas de forma ilícita. A cassação dos titulares desses mandatos alcança automaticamente os companheiros de chapa, portanto, na contagem foram incluídos os vice-prefeitos, vice-governadores e os suplentes de senadores cassados. A pesquisa foi feita a partir de dados processuais de cada caso, com base em informações disponíveis nos sites dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No Brasil ainda não existe um sistema de acompanhamento estatístico no âmbito da Justiça Federal. Atualmente, o número de cassados é bem maior do que foi identificado nessa pesquisa. O TSE divulgou recentemente uma lista de 250 prefeitos (acrescente-se a esse número o de 250 vice-prefeitos) cassados desde as eleições de 2004. Só aí são mais 500 mandatos perdidos.

O presidente da Abramppe destaca que apesar de o País ter evoluído em diversos aspectos na administração das eleições, o acesso a dados e informações de conteúdo geral como o que seria propiciado por um acompanhamento estatístico ainda representa um desafio a ser superado. “Informações dessa magnitude poderiam auxiliar muito o processo de modernização administrativa da própria Justiça Eleitoral”, destaca.

O juiz Márlon Reis elabora uma tese de doutorado sobre o tema para a Universidade de Zaragoza, Espanha. De acordo com ele, com base na Lei 9.840, pode-se afirmar que não há semana em que não haja cassações. A Lei 9.840 foi criada em 1999 para combater a compra de votos e o uso da máquina administrativa durante o período eleitoral. Trata-se da primeira lei de iniciativa popular da história do País.

Em suas pesquisas, Reis afirma que pode perceber, mesmo considerando que o tema merece reflexões mais aprofundadas, que a corrupção eleitoral não está circunscrita a certas regiões ou “rincões” do País. “De Norte a Sul, vimos casos graves de distorção do processo eleitoral por meio de ofertas de bens ou vantagens a eleitores ou de desvios do aparato administrativo para fins eleitorais”.

O presidente da Abramppe acredita que a corrupção da vontade do eleitor, juntamente com o acesso facilitado de pessoas envolvidas com processos criminais, continuam sendo as maiores mazelas da democracia brasileira. “Certamente aqueles que lucram com a desmobilização da sociedade esforçam-se para manter o quadro de carência material e cultural que alimenta a corrupção”, salienta.

Como forma de melhorar a fiscalização e a punição a esse crime, Reis sugere uma aproximação mais efetiva da Justiça Eleitoral com a sociedade, além de um maior envolvimento da comunidade com a matéria. “A corrupção eleitoral subsiste porque a sociedade a ela não se opõe de maneira organizada. Há certa ‘aceitação’, uma omissão que favorece o fluxo de bens e favores que alimentam a compra do voto e os desvios administrativos para fins eleitorais. Em oposição a isso, apresentamos a criação de comitês populares contra a corrupção eleitoral, ou Comitês 9840. Qualquer um pode constituir um comitê como esse, seguindo orientações que podem ser encontradas na página www.lei9840.org.br. Este ano também se espera um envolvimento maior dos juízes eleitorais com o esclarecimento da comunidade e abertura de canais facilitados para a apresentação de denúncias de crimes e infrações eleitorais”.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) lançou um novo projeto de lei de iniciativa popular que visa impedir a candidatura de pessoas com antecedentes criminais e candidaturas dos que renunciaram ao mandato para escapar de punições legais. O projeto conta com o apoio de 35 entidades que compõem o comitê nacional do MCCE e já foi encaminhado ao Congresso Nacional e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo colégio dos presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Segundo Reis, o projeto pretende impedir as candidaturas daqueles que respondem a crimes cuja gravidade aconselha seu afastamento temporário da vida política. “Não se trata de considerá-los antecipadamente culpados, mas de lançar mão do princípio da prevenção, enunciado no parágrafo 9° do art. 14 da Constituição. O princípio da presunção da inocência só se aplica ao processo penal. O próprio Supremo Tribunal Federal já o afirmou mais de uma vez, impedindo o ingresso na política de pessoas que ostentavam ações penais em suas certidões criminais. Quanto aos que renunciam para não responder a processos que possam implicar perda do mandato, também é prudente que se afastem da política por certo tempo. Propomos para isso oito anos de inelegibilidade”, explica.

Henrique Moraes Ziller, presidente do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), criado para desenvolver o projeto “Adote um Município”, também afirma que a corrupção eleitoral não tem fronteiras. “O coronelismo existe não só no Nordeste, mas no País todo”, ressalta.

O projeto “Adote um Município”, funciona desde 2004 e busca incentivar a criação de pequenas ONG’s nos municípios, formadas por pessoas da comunidade que queiram fiscalizar os gastos da Prefeitura. Funcionários públicos da área de controle de finanças dos municípios interessados em atuar contra a corrupção também auxiliam no trabalho de fiscalização ao “adotar” uma dessas ONGs. Atualmente, existem 92 ONGs associadas ao projeto. Por meio desse trabalho, o cidadão começa a exercer o controle das verbas públicas e isso traz conseqüências benéficas para o município. Entretanto, Ziller comenta que o trabalho é difícil, pois há pressões muito fortes contra a fiscalização. “Não existem muitos elementos para combater os constrangimentos, as ameaças às ONGs”.

CargoCassados
Governador e vice4
Senador e suplente6
Deputado Federal8
Deputado Estadual/Distrital13
Prefeitos e vices508
Vereadores84
Total623
Ziller concorda que o desafio atual é a criação de um centro de estudos sobre a corrupção. Na sua opinião, quase não há informação para mensurar o tamanho da corrupção no Brasil. Em visitas aos municípios por meio da caravana “Todos Contra a Corrupção”, evento que faz parte do projeto “Adote um Município” e que visa apoiar o trabalho das ONGs, Ziller afirma que em sua percepção os prefeitos buscam desviar todo o dinheiro que for possível. “Ele (prefeito) vê o caixa como um pote de ouro”, alerta.

O IFC já realizou mais de 40 caravanas em diversos municípios para chamar a atenção popular para a importância do combate à corrupção. Nesses encontros, a população e os vereadores participam das discussões sobre corrupção e conhecem o trabalho que a ONG local está desenvolvendo para resolver o problema. São ministradas palestras, reuniões com as lideranças populares e políticas e análise dos maiores problemas do município. O presidente do IFC afirma que as visitas são muito importantes e que diversas ONGs conseguem resultados concretos. Entre elas, ele cita as que atuam em Rio Bonito/RJ e também a de Januária/MG, que conseguiu afastar quatro prefeitos. Ziller também cita a importância do aperfeiçoamento das ONGs por meio de assessoria jurídica e treinamentos. “No ano passado foram realizados treinamentos sobre o funcionamento do sistema de saúde para possibilitar uma melhor fiscalização”.

Em relação à punição dos corruptos, Ziller afirma que infelizmente no Brasil não existe política de punição. “Falta maior vontade dos órgãos de fiscalização para combater a corrupção”. O presidente do IFC destaca que existem duas forças: de um lado, a mobilização de organizações sociais para combater a corrupção; de outro, a especialização daqueles que assumem o poder no sentido de desenvolver esquemas cada vez mais sofisticados para assaltar os cofres públicos. Ele citou o cartão corporativo como exemplo de nova forma de corrupção.

Campanhas contra a corrupção
A poucos meses das eleições municipais de outubro, surgem campanhas com o objetivo de orientar os eleitores brasileiros para o voto consciente e ético.

No mês de abril deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Senado Federal lançaram em conjunto o Guia do Eleitor Cidadão. Com cerca de 50 páginas em linguagem acessível, o Guia dá dicas de escolha de bons candidatos e alerta para os cuidados com falsas promessas. Além disso, o Guia lembra aos eleitores que a participação no processo político deve continuar mesmo após as eleições, por meio da cobrança das promessas de campanha e da fiscalização do trabalho dos eleitos. A publicação também fala sobre os partidos políticos, as coligações e as convenções, a fidelidade partidária e as normas referentes à propaganda eleitoral.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) também lançou, em março deste ano, a campanha “O que você tem a ver com a corrupção?”, de iniciativa do Ministério Público e do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais. Uma das ações da campanha é envolver os agentes públicos de todo o País na conscientização da população. Atualmente, o promotor de justiça de cada estado visita as escolas distribuindo cartilhas sobre o que é corrupção e os males que causa à sociedade.”A corrupção é uma deformação social e prejudica, principalmente, as classes C, D e E. Por isso, temos de usar a educação para combatê-la”, afirma o presidente da Conamp, José Carlos Cosenzo.

O projeto teve como inspiração as idéias da filósofa alemã Hannah Arendt que propõe à sociedade uma formação de consciência e de responsabilidade. “Esse projeto parte do princípio de três responsabilidades: responsabilidade individual, com os próprios atos; responsabilidade coletiva e responsabilidade para com as gerações futuras”, conta o presidente da Conamp. Ele lembra que cada um tem a responsabilidade de combater a corrupção. “Não posso achar que estou livre da corrupção porque sou honesto se sei que existe corrupção na sociedade. Temos de ter o compromisso de fiscalizar”, ressalta Consenzo.

De acordo com dados da Associação, o Brasil chega a perder 5% do seu PIB por causa de atos de corrupção praticados nas instâncias públicas. Segundo Cosenzo, é fundamental que haja um aparelhamento melhor do Estado brasileiro para combater essas práticas em todos os seus níveis. “Só se combate a organização criminosa se houver um serviço de inteligência sofisticado porque os atos de improbidade são extremamente complexos, são crimes de raciocínio, crimes de inteligência. Hoje não há mais lugar para amadorismo, só se combate a sofisticação de quadrilhas com a informação”.

Consenzo destaca que um dos grandes problemas do Ministério Público é que o órgão não defende apenas direitos da sociedade, mas também ataca interesses. “Sofremos retaliações no Congresso Nacional, de grandes bancadas de parlamentares que têm inúmeros processos por ato de improbidade, processos criminais, crimes de responsabilidade. Eles buscam legislar em causa própria e vetar o trabalho do Ministério Público por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal. Além disso, no Congresso Nacional há hoje inúmeros deputados e senadores que querem continuar sendo reeleitos apenas para manter o foro privilegiado”, revela.

Na concepção do presidente da Conamp, a única ferramenta que a sociedade dispõe hoje para combater a corrupção é o processo e o Ministério Público precisa ser ágil para punir os corruptos. Consenzo lembra, porém, que a tramitação de um processo é morosa e o Judiciário está assoberbado. “Um dos maiores problemas da corrupção é a certeza da impunidade. O Estado de Alagoas, por exemplo, tem a impunidade como marca. Você teve ali Fernando Collor, Renan Calheiros. Você teve todos aqueles ex-governadores que “meteram a mão” no cofre público.