Negociação coletiva dos servidores públicos federais

Negociação coletiva dos servidores públicos federais

Para o secretário de RH, o governo está construindo uma cultura de negociação e a expectativa é a de que as greves diminuam
A Constituição Federal de 1988 assegurou aos servidores públicos civis instrumentos de defesa de interesses corporativos como o direito de sindicalização e o direito de greve. Ao garantir esses direitos reveladores da democracia, o legislador constituinte reconheceu a legitimidade dos conflitos nas relações de trabalho no setor público. No entanto, mesmo com a garantia da liberdade sindical e do direito de greve (que ainda necessita de regulamentação), observa-se que no Brasil não foram institucionalizados mecanismos próprios de negociação coletiva, que estão intrinsecamente vinculados a esses direitos. É neste contexto que, atualmente, busca-se preencher uma lacuna, com a criação de um sistema de negociação coletiva ou de solução de conflitos, democratizando assim as relações entre servidores públicos, sindicatos e governo.

O debate sobre a institucio-nalização da negociação coletiva no País ganhou força por meio da criação da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) da Administração Pública Federal, em 2003, e mais recentemente, com a criação do Grupo de Trabalho (GT), da Bancada Sindical dos servidores públicos federais. Durante seu funcionamento, a MNNP aprovou o documento “Sistema Democrático de Negociação Permanente – Sinp: uma concepção política – Bases conceituais para instituição do Sistema de Negociação Permanente na Administração Pública Federal”, de Douglas Gerson Braga (2003). Desde então, o Sinp vem sendo usado como apoio teórico para a formulação do modelo de negociação a ser implementado na administração pública federal.

Em entrevista à Revista TRIBUTU$, o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Duvanier Paiva Ferreira, que conduz a discussão sobre o tema, afirma que a não referência explícita à negociação coletiva trouxe um vazio jurídico que não tem interessado a ninguém. Ferreira confessa que o debate não tem sido fácil, mas diz que estão construindo uma cultura de negociação e que hoje nenhum sindicato que representa servidores federais precisa entrar em greve para negociar.

Para o secretário de RH, o instrumento de negociação também deve aumentar a transparência administrativa, criar mecanismos de controle social sobre a gestão pública, além de diminuir o número de greves. “Reconhecer o direito de que o conjunto da força de trabalho na Administração Pública tem de estar representada em um processo sistematizado e permanente de negociações sindicais, significa mais do que democratizar as relações de trabalho, significa reconhecer a negociação como instrumento de gestão e compartilhar decisões nos processos de trabalho, significa privilegiar o pensar e o fazer coletivos”, ressalta. Veja a seguir a íntegra da entrevista com o secretário de Recursos Humanos do MPOG.

TRIBUTU$ – Que análise o Sr. faz do atual processo de tentativa de institucionalização da negociação coletiva na Administração Pública Federal?

Duvanier – A institucionalização da negociação coletiva na Administração Pública Federal é uma meta importante. São quase 20 anos da promulgação da Constituição Brasileira, em que está definido o direito de greve e de organização sindical para servidores públicos. A não referência explícita à negociação trouxe um vazio jurídico que não tem interessado a ninguém. É preciso superá-lo. Estamos em uma etapa do trabalho com as entidades sindicais que nos permite avaliar que teremos êxito na construção negociada dos projetos. Definitivamente será um passo histórico para a democratização das relações de trabalho na Administração Pública.

Estamos em uma etapa do trabalho com as entidades sindicais que nos permite avaliar que teremos êxito na construção negociada dos projetos.
TRIBUTU$ – Quais os desafios para implementar o Sistema de Negociação Permanente Federal (SINP) e, por meio dele, alcançar a democratização das relações de trabalho no serviço público?

Duvanier – Nosso trabalho no momento é retomar a Mesa Nacional. Avaliar o funcionamento do sistema desde a sua implantação em 2003. Já temos vários consensos, as bases conceituais foram retomadas e rede-finidas, a estrutura do Sinp também será revista, definimos a abrangência do sistema e o que falta é a sistematização desses consensos.

TRIBUTU$ – O Sr. considera que a greve pode ser considerada, do ponto de vista dos interesses da Administração Pública e dos usuários, a exarcebação de um conflito mal gerenciado? A greve deve ser o último recurso a ser utilizado?

Duvanier – A greve é uma conquista histórica dos trabalhadores. A Constituição garante o direito de greve ao servidor público e exige sua regulamentação. Entendo que a regra deve ser no sentido de preservar o interesse público. Todos sabemos que a greve nos serviços públicos não pode resultar em risco de qualquer ordem para a sociedade. Portanto, temos de encontrar uma justa medida para conciliar o exercício do direito de greve com a preservação das atividades nos serviços públicos. Os sindicatos que representam os servidores já acumularam experiência neste sentido, compartilham do compromisso da preservação do interesse público e assim o debate tem sido, portanto, num ambiente de convergência de idéias. Em vários países, o direito de greve de trabalhadores do setor público é assegurado. No Brasil, cabe a nós, governo, sindicatos e centrais sindicais, aproveitar a oportunidade do nosso processo de negociação para cumprir a exigência constitucional e estabelecer em que condições o direito pode ser exercido.

TRIBUTU$ – O secretário é favorável à regulamentação do direito de greve? Por quê?

Duvanier – Vejo as atuais greves como resultado de um processo que precisa ser superado. Se durante muito tempo as greves se iniciavam para abrir negociações, hoje mesmo com espaço para o diálogo assegurado e negociações em andamento, elas permanecem, o que resulta em dificuldades no processo de negociação que passa a ter de responder às pressões próprias da greve. Pressões que considero legítimas, mas que não ajudam para a qualidade do processo de negociação, que busca construir propostas que resultem em acordos. Quanto à regulamentação, trata-se de uma exigência constitucional. Como disse na pergunta anterior. O que tenho defendido é que as regras para o exercício do direito de greve para o servidor público seja resultado da negociação e que leve em conta todos os projetos que estão em debate: no governo, entre os sindicatos e no Congresso Nacional.

O que tenho defendido é que as regras para o exercício do direito de greve para o servidor público seja resultado da negociação e que leve em conta todos os projetos que estão em debate.
TRIBUTU$ – O Sr. acredita que a efetividade da negociação coletiva dos servidores possa trazer mudanças em posturas culturais arraigadas e, assim, melhorar a qualidade dos serviços prestados à população?

Duvanier – Acredito que estamos construindo uma cultura de negociação. Tenho dito que hoje nenhum sindicato que representa servidores federais precisa entrar em greve para negociar.

Reconhecer o direito de que o conjunto da força de trabalho na Administração Pública tem de estar representada em um processo sistematizado e permanente de negociações sindicais, apresentando suas justas reivindicações e exercendo o direito constitucional da livre organização sindical, significa mais do que democratizar as relações de trabalho, significa reconhecer a negociação como instrumento de gestão e compartilhar decisões nos processos de trabalho, significa privilegiar o pensar e o fazer coletivos.

TRIBUTU$ – Quais os interesses da Administração Pública em institucionalizar a negociação coletiva dos servidores públicos? Soluções alternativas à greve são indispensáveis para a Administração Pública?

Duvanier – Em primeiro lugar, considero a institucionalização da negociação coletiva na Administração Pública uma imposição constitucional. Reconheço que há polêmica: no Judiciário, na sociedade e também no Congresso Nacional. O debate não é simples. A negociação coletiva e outros instrumentos de tratamento dos conflitos são importantes, são alternativas à greve e mais que isso, podemos recuperar uma lista de razões apresentadas por Douglas Gerson Braga, especialista sobre o tema e nosso colaborador: para ele a negociação coletiva na administração pública é instrumento de gerenciamento de conflitos que interferem na resolutividade e na qualidade dos serviços, é eixo para a formulação de uma política democrática de relações de trabalho e de pessoal, concretiza uma política conjugada de valorização dos servidores com a eficiência dos serviços, reforça a transparência administrativa e mecanismos de controle social sobre a gestão pública, aprofunda a legitimidade e a democratização do processo decisório interno, angariando maior comprometimento e resolutividade administrativa e contribui para a consolidação de uma concepção de Estado democrático, participativo, atuante, eficaz e eficiente na prestação dos serviços essenciais ao exercício da cidadania.

TRIBUTU$ – Então, o Sr. acredita que a adoção de instrumentos de negociação coletiva reforçam a transparência administrativa e cria mecanismos de controle social sobre a gestão pública, por meio da participação de trabalhadores na definição de políticas e nos processos decisórios da Administração Federal?

Duvanier – Sim, acredito.

TRIBUTU$ – A inexistência de regulação legal de suporte constitui um limitador do processo negocial no setor público?

Duvanier – O chamado vazio jurídico deixado pela Constituição, em não se referir expressamente em relação à negociação coletiva, tem definitivamente limitado o processo negocial no setor público. Quantos governos municipais e estaduais se obrigam a negociar formalmente com as entidades sindicais que representam servidores? Poucos! E por que não o fazem? Porque não há regras claras e impositivas que determinem a negociação.
TRIBUTU$ – A sociedade civil também deve participar das negociações? E quanto à abrangência desse instrumento aos estados e municípios?

Duvanier – A sociedade civil tem todo o interesse no processo e deve participar, pois a ela se destina os serviços públicos. Há registro de experiência de sistema de negociação no setor público, onde entidades da sociedade civil cumpriam funções consultivas e moderadoras.

TRIBUTU$ – Que métodos estão sendo usados para a implementação da negociação coletiva? Além de experiências anteriores de tentativa de institucionalizar a negociação coletiva no Brasil, há inspiração em modelos de outros países? Quais?

Duvanier – A institucionalização da negociação coletiva que buscamos será resultado do esforço compartilhado entre governo e sindicatos. Democratizar as relações de trabalho no setor público é parte importante da nossa missão e relaciona-se com a luta histórica pelo Estado democrático, socialmente justo, provedor de serviços públicos de qualidade, que preserve a vida.

Em diversos países, a negociação coletiva foi recepcionada em seus respectivos ordenamentos jurídicos como sinônimo de prática compatível com o princípio da boa administração pública. A institucionalização da negociação coletiva no serviço público se insere, portanto, não só no campo da liberdade sindical, mas também no dos direitos humanos e da melhoria dos serviços públicos prestados à população.

Não há propriamente inspiração em modelos, mas nos referenciamos nas experiências de vários países, como Portugal, Espanha, Itália, Argentina, Uruguai, entre outros.

TRIBUTU$ – A adoção de uma política institucionalizada de negociação diminui o número e a duração das greves?

Duvanier – Desde o primeiro mandato do Presidente Lula, a política de gestão de pessoas tem se pautado pela valorização do servidor público e a democratização das relações de trabalho, em busca da eficiência e qualidade do serviço público. A posição do Movimento Sindical é de reconhecimento, mas o processo ainda não se traduziu em confiança nos instrumento de tratamento dos conflitos, na composição das decisões. Estamos em uma etapa de construção, como discutimos anteriormente, a expectativa é a de que as greves diminuam.

Sistema Democrático de Negociação Permanente | Sinp
O Sinp propõe lidar com o conflito de maneira organizada, por meio da implementação de mecanismos que assegurem uma interlocução institucional dos representantes do governo e dos servidores públicos federais. Entre os pressupostos que devem presidir todo e qualquer processo sério de negociação estão:
  • o reconhecimento da legitimidade dos interesses e dos conflitos;
  • a garantia de amplo espaço de liberdade e de autonomia das partes para a explicitação dos conflitos;
  • a normatização de procedimentos para a defesa de pleitos e debates de propostas;
  • o caráter permanente e a eficácia do processo;
  • a instituição de mecanismos, tais como a organização nos locais de trabalho e a mediação, para promover maior equilíbrio ao processo de correlação de forças;
  • a participação dos diversos protagonistas que interagem na cena administrativa: governante, sociedade e funcionalismo, assegurando a imprescindível legitimidade de representação dos interessados.

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