Administração Pública: muito se caminhou até aqui mas muito ainda há de se caminhar
Rui Magalhães Piscitelli
Procurador Federal, Professor Universitário, Membro de diversos Comitês Editoriais e de Bancas de Concursos, Especialista em Processo Civil, Mestre em Direitos Fundamentais.
A Administração Pública brasileira já evoluiu muito em termos de seu desenvolvimento; contudo, muito ainda há a ser feito.
Tema a mim muito caro no âmbito do Direito Administrativo é o estudo das Escolas da Administração Pública. Isso porque, com o seu real entendimento, “viajamos” pelos mais variados momentos históricos, nos quais identificamos características que, muitas vezes, julgamos já pertencer somente ao passado...
Poderia sintetizar a evolução da Administração Pública em 3 estágios: o patrimonialista, o burocrático e o gerencial.
No seu viés patrimonialista, remontamos à época do próprio nascimento do Estado, ente este ao qual a Administração Pública deve servir. E, aqui, repiso, deve servir ao Estado, não ao Governo!
Pois então, nesse estágio, o Estado, figura forte, posto necessitar assim o ser em vista da necessidade de sua consolidação (lembremos que o Estado, no mundo, tem seu nascimento na Idade Moderna), não tem mecanismos que o proteja da figura de seus governantes. Isto é, a figura do Estado é pessoalizada em face de seu titular, pessoa física.
Nessa fase, a qual temos como ponto culminante a famosa frase de Luís XVI (“O Estado sou eu !”), o governante utilizava a máquina pública como sua própria continuidade. O “bolso” do Estado era o mesmo do seu titular. Não fazia sentido termos uma função de controle, sob pena de os seus operadores perderem o pescoço... Os funcionários do Estado dedicavam-se à materialização de funções que, na verdade, visavam a satisfazer os interesses do Chefe do Estado. A sociedade poderia esperar...
Pois bem, evoluímos. O Estado passou por seu desmonte, com a Revolução Francesa. A “mão invisível” tomava conta de tudo e de todos. A Administração Pública ficou, então, reduzida à manutenção de funções mínimas de segurança e cobrança de tributos. A sociedade o exigiu, e o Estado deixou a cena social. E, com ele, a Administração Pública foi reduzida à manutenção dessas mínimas funções.
Todavia, com a “evolução” da sociedade liberal, os homens voltaram a ser lobos dos próprios homens. As condições de trabalho eram extremamente destruidoras do ser humano. O que importava, verdadeiramente, era a consolidação dos resultados da Revolução Industrial e a acumulação privada de capitais.
Essa situação foi denunciada pelo Papa Leão XII, na sua Encíclica Rerum Novarum (na qual vemos a certidão de nascimento do Direito laboral em todo o mundo). Era preciso que o Estado voltasse a ter atuação na vida social, para regular os excessos a que se havia chegado.
Não nos esqueçamos dos movimentos sociais dos emigrantes europeus e do nascimento das ideias socialistas, que muito, também, ajudaram a criar condições para uma nova fase social, a se seguir. As Constituições do México e de Weimar, respectivamente, de 1917 e 1919 marcam esse novel desenho de Estado. Nele, direitos sociais e a regulação da Economia vem se estruturar. “Todavia, com a ‘evolução’ da sociedade liberal, os homens voltaram a ser lobos dos próprios homens. As condições de trabalho eram extremamente destruidoras do ser humano”
Novamente, então, o Estado vai buscar na Administração Pública a força necessária à consolidação desse novo formato estatal. A Administração Pública burocratiza-se, torna-se mais organizada para poder garantir a impessoalidade entre os cidadãos. Evoluímos...
No Brasil, com a Era Vargas, temos a criação do Departamento de Administração do Serviço Público, o DASP, o qual mostrava características da Administração Pública burocrática, quais sejam, a profissionalização do pessoal de carreira, a centralização administrativa, os procedimentos de controle excessivos, e, mesmo, de regra, praticados a priori (o que, futuramente, temos como dificultador para a implementação das políticas públicas, visto retardar muito a execução pública).
Mas, aqui, vai um aviso: se hoje ligamos o Estado burocrático a uma forma retrógrada, não nos esqueçamos de que ele rompeu com o modelo patrimonialista de Administração Pública. E isso foi um ganho social muito grande, na medida em que segregou o patrimônio do governante do pertencente ao Estado. Mas, claro, hoje vemos que ainda uma nova fase precisava ser conhecida...
Temos, então, no Brasil, o DL 200/67, o qual veio trazer novos princípios para a Administração Pública, sobretudo a descentralização e a delegação de competência. O próprio controle (que na época burocrática precisava ser a priori, para dar maior segurança, bem como ser feito a qualquer custo) agora passou a ser, de regra, a posteriori. Ou seja, com o crescimento do tamanho do Estado, a criar condições de atendimento às demandas sociais cada vez maiores (e, aqui, remetemos à pirâmide de necessidades de Maslow), a Administração Pública precisou ser mais ágil. O controle, além de a posteriori, foi destinado a procedimentos em que a relação custo x benefício fosse vantajosa à economicidade.
A Emenda Constitucional nº 19/98, da Reforma Administrativa, encarregou-se de consolidar a Administração Pública gerencial. Agora, não bastava mais o aparelho do Estado fazer o correto (mas, também fazer de forma eficiente). Além disso, passou a ser necessário fazer mais e melhor com cada vez menos recursos. Tenha-se que o controle, agora, precisa atentar não só à legalidade, mas, também, à legitimidade e à economicidade.¹
E, nesse cenário, temos a edição do Decreto nº 6.932, de 11 de agosto passado. Nele, chamamos a atenção de seu art. 12, o qual criou a todos os órgãos e entidades públicas federais a obrigação de criar mecanismo de avaliação da qualidade de seus serviços prestados por parte de seus usuários. E, nesse ponto, vemos as Ouvidoras, trazidas sobretudo pela EC nº 19/98, como vetores para a operacionalização desse instrumento, de índole gerencial, o qual traz a obrigação do resultado à prestação dos serviços pela Administração Pública. Evoluímos...
Ao final deste pequeno artigo, queremos deixar, aqui, uma pergunta, a qual fazemos a nossos alunos de Direito Administrativo: “Senhores, após tudo isso, pergunto-lhes, em que estágio de Administração Pública vivemos atualmente em nosso País ? Será que só um deles ?”
Evoluímos... mas precisamos continuar...
Um forte abraço a todos, e um bom caminho a percorrer... $
¹ Vide o art. 71 da Constituição vigente.