O Estado de S. Paulo - 28/06/2011
Em 8 de junho a presidente Dilma Rousseff anunciou um pacote de medidas para ampliar o controle e a vigilância nas fronteiras terrestres do País. O projeto visa a neutralizar o crime organizado, reduzir os índices de criminalidade, coordenar e planejar a execução de operações militares e policiais e intensificar a presença das Forças Armadas na faixa de fronteira.
O que chamou a atenção no Plano Estratégico de Fronteiras foi a ausência da Receita Federal, que evidencia uma situação que o Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita) vem denunciando nos últimos anos: a distância entre as ações da administração central da Receita Federal e as políticas prioritárias do governo.
Cabe destacar que a Receita Federal, de acordo com a legislação, tem precedência sobre os demais órgãos no controle aduaneiro. É, portanto, no mínimo, estranha essa situação, já que prioritariamente o órgão e seus servidores são os responsáveis por controlar a entrada, a permanência, a movimentação e a saída de pessoas, veículos e mercadorias de portos, aeroportos, pontos de fronteira e recintos alfandegados, ou embarque e desembarque de viajantes, procedentes do exterior ou a ele destinados.
A segurança das fronteiras terrestres do Brasil definitivamente entrou na pauta do governo, que agora adota medidas efetivas para cobrir uma extensão de quase 17 mil quilômetros de divisas com dez países. As ações serão executadas em 11 Estados e 710 municípios, que abrangem uma população de 10,9 milhões de brasileiros. É nesse contexto que se faz necessário questionar o que tem feito a administração da Receita Federal no que diz respeito ao controle aduaneiro. Todas as ações serão executadas sem a participação do órgão, que é o único que mantém presença, ainda que deficitária, na maioria dos 31 pontos de passagem terrestre ao longo da faixa do território que vai do Oiapoque (RR) ao Chuí (RS). A Receita Federal não apenas se omite, mas atua em sentido contrário, ao reduzir a presença de servidores nesses postos de fiscalização.
O Sindireceita já denunciou no livro Fronteiras Abertas - Um Retrato do Abandono da Aduana Brasileira, lançado em dezembro de 2010, a precariedade dessas unidades. Por meio de medidas administrativas a Receita vem reduzindo o efetivo de servidores que atuam nos postos de fronteira. Uma dessas medidas, que segue em sentido contrário ao esforço feito pelo governo federal, foi a edição do Decreto n.º 7.213/2010, que prevê que as atividades de fiscalização de tributos em operações de comércio exterior serão supervisionadas e executadas apenas por auditor fiscal.
Na prática, a mudança no Regulamento Aduaneiro retira os analistas tributários das atividades de fiscalização, controle e combate ao contrabando, tráfico de armas, drogas, munições e outros crimes. A própria direção do órgão parece não se importar com o fato de que em muitos pontos da fronteira a presença do Estado brasileiro é exercida apenas por analistas tributários, que são os responsáveis pelas ações de vistoria veículos, bagagens e demais atividades de controle aduaneiro, que estão deixando de ser executadas. Essa medida é mais um exemplo das contradições internas da Receita Federal, que ao tomar decisões dessa natureza fragiliza ainda mais o já comprometido trabalho de fiscalização nas fronteiras e, ao invés de melhorar a atuação do Estado, age na contramão da solução desse grave problema.
Relatos de servidores chegam de todas as partes do País dando conta de que a situação denunciada no livro do Sindireceita se torna pior a cada dia. Um dos principais problemas está na redução do efetivo em unidades importantes, como a Inspetoria de Tabatinga, no Amazonas. Em 2010, quando visitada pela equipe do Sindireceita, o efetivo da Inspetoria era de apenas dois servidores - um auditor e um analista tributário. Hoje a unidade conta apenas com um servidor, que é responsável pelo controle aduaneiro nessa região da tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru. No começo da semana passada a direção nacional do Sindireceita recebeu a comunicação de que a Superintendência da Receita Federal da 2.ª Região Fiscal, que compreende os Estados da Região Norte, pretende retirar 11 analistas tributários das alfândegas do Porto de Belém e do Aeroporto Internacional da mesma cidade, transferindo esses servidores das áreas de fiscalização para atividades-meio do órgão.
Num momento em que o País está atento ao debate sobre a necessidade de mais investimentos em segurança, é preciso chamar a atenção de todos para o quadro dramático da aduana brasileira. Cabe mais uma vez lembrar que o controle aduaneiro está diretamente ligado ao combate ao flagelo da insegurança pública. O Brasil não conseguirá superar esse obstáculo se não retomar o efetivo controle de suas fronteiras, o que envolve o combate incessante ao tráfico de drogas, armas e munições, ao contrabando e à pirataria. Sem mais servidores e investimentos em infraestrutura, aquisição e manutenção de veículos adaptados a cada região, o Estado brasileiro seguirá travando uma batalha desigual contra o crime organizado, que conhece e explora todas essas deficiências.
Em meio a tantas denúncias, é ainda mais constrangedor perceber que, em reforço à visão tosca que a administração central tem sobre a área aduaneira, parte das soluções para os problemas emperra no corporativismo exacerbado de gestores que fazem a opção por defender privilégios de uma categoria de servidores, tendo a oportunidade de decidir em favor da sociedade e do País.
Neste momento em que a fragilidade da aduana brasileira está exposta, é preciso também ficar atento a atitudes oportunistas de grupos interessados muito mais em manter a situação atual do que realmente agir em favor da sociedade.