O Estado de S. Paulo/SP – 11/07/2011
As previsões são do governo: em 2011 o déficit previdenciário de 950 mil funcionários públicos vai somar R$ 50 bilhões e o de 28 milhões de trabalhadores privados, R$ 40 bilhões. Ou seja, para zerar os dois déficits, 190 milhões de brasileiros já começaram a pagar, este ano, em média, R$ 4.386,00 por mês para cada funcionário aposentado ou pensionista e R$ 120,00 por mês para cada trabalhador privado segurado do INSS.
Diante de uma realidade tão desigual e injusta, anunciar mudanças de regras para reduzir o déficit do INSS e ignorar solenemente o desequilíbrio dos servidores públicos é não resolver o problema e zombar da população que sustenta os dois déficits pagando impostos. É claro que o rombo do INSS precisa ser equacionado, mas o outro, além de maior, é concentrador de renda, porque beneficia um conjunto de pessoas 30 vezes menor e que desfruta de um benefício pra lá de bom. Tanto que, no INSS, dos 28 milhões de segurados, cerca de 16 milhões recebem um salário mínimo, enquanto entre os servidores não há uma só aposentadoria neste valor.
O ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho, anunciou que enviará ao Congresso um projeto que reduziria o déficit do INSS, de janeiro e maio deste ano, de R$ 17,8 bilhões para R$ 8,9 bilhões. Como? Devolvendo a cada ministério setorial as isenções previdenciárias que concederam a empresas e entidades filantrópicas por décadas. A proposta do ministro só tira o peso das costas do INSS, transferindo-o para cada ministério (Educação, Saúde, Desenvolvimento Social e até Fazenda), mas não acrescenta um centavo à receita tributária, porque não elimina as isenções.
Quando ministro da Previdência de FHC, Reinhold Stephanes tentou acabar com essas isenções e obrigar muitas das entidades beneficiadas - que ele chamava de "pilantrópicas" - a pagar a contribuição previdenciária. Não conseguiu. Foi derrotado pelo poder de lobby político dos beneficiados em Brasília. São clubes de futebol, unidades educacionais, instituições de caridade de fachada e, recentemente, até empresas exportadoras do agronegócio.
Essa é a reforma da Previdência do governo Dilma. Não acrescenta um centavo à receita do INSS e ignora completamente o déficit da Previdência pública, que só no governo Lula aumentou de R$ 29,6 bilhões para R$ 47 bilhões. Velho conhecedor das tramoias políticas vividas em Brasília, o economista Raul Velloso diz que ali o poder corporativo-lobista aborta qualquer iniciativa de eliminar privilégios de seus representados. Por isso é cético quanto à possibilidade de saírem do Congresso decisões que contrariem interesses do funcionalismo. Em 2003 Lula experimentou a força desse poder, ao tentar unificar as Previdências - pública e privada - com uma reforma em que os novos funcionários públicos que ingressassem no trabalho teriam os mesmos direitos e deveres dos aposentados privados do INSS. Não conseguiu e logo desistiu.
No Brasil as regras previdenciárias são antigas, de quando a população vivia, em média, pouco mais de 50 anos. Por isso são incompatíveis com o avanço da longevidade nas últimas décadas, que elevou para 73 anos a expectativa de vida dos brasileiros. O mundo todo vive esse dilema. Na Europa há greves e rebeliões nas ruas contra o aumento da idade mínima para aposentadoria. A reação política é inescapável, ninguém gosta de perder direitos e vantagens.
Mas é, também, imprescindível adequar a receita que o trabalhador acumulou com suas contribuições previdenciárias na vida ativa à despesa com o pagamento de seus proventos quando ele se aposentar. Sem esse equilíbrio financeiro, o pagamento de aposentadorias - para trabalhadores públicos e privados - a cada ano vai devorar mais e mais dinheiro público e o governo terá de desviar recursos da saúde, educação, investimentos, programas sociais, etc., para suprir a Previdência. Entre nós, isso já ocorre há algumas décadas. Em 2002 os dois déficits previdenciários (trabalhadores públicos e privados) somavam R$ 45,5 bilhões, em 2011 o valor dobrou para R$ 90 bilhões. Quanto será daqui a dez anos, se as regras não mudarem?
JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO