O Globo – 11/07/2011
Governo já admite, nos bastidores, que concessão não será solução para Copa de 2014. "Puxadinhos" podem ser a saída
Geralda Doca
Uma série de entraves econômicos e técnicos vai atrasar o maior programa de infraestrutura com a digital da presidente Dilma Rousseff: a privatização dos grandes aeroportos. É praticamente impossível que o governo cumpra a promessa de conceder os terminais de Guarulhos, Brasília e Viracopos em dezembro. Nos bastidores, o governo já admite que a concessão não será, inclusive, uma solução para a Copa de 2014, que terá de ser atendida com paliativos, como os "puxadinhos" (módulos que servem de área de embarque e desembarque).
Os terminais de passageiros capazes de atender à demanda de Guarulhos e de Brasília levam cinco anos para ficar prontos, disse uma fonte envolvida nas discussões. Numa previsão mais realista, o leilão de privatização somente deverá ocorrer entre março e abril de 2012 - ainda assim se as equipes responsáveis pelos estudos conseguirem fechar a modelagem no fim deste ano.
Uso compartilhado com a Aeronáutica é complicador
Os principais obstáculos vão da falta de interesse dos grandes investidores à participação da Infraero nos consórcios, principalmente aos vetos a serem concedidos à estatal, passando por outros itens que representam riscos ao negócio, como a administração do espaço aéreo - equipamentos e controladores, nas mãos da Aeronáutica - e o compartilhamento das bases aéreas. Aviões militares e o presidencial usam as mesmas pistas e o mesmo sistema de radiocomunicação, mas não pagam por isso.
- A capacidade de um aeroporto depende da capacidade do espaço aéreo. O uso compartilhado das bases aéreas é outro risco para o negócio. Essas questões precisam ser bem equacionadas para que não haja uma desvalorização dos ativos - disse uma fonte que participa das discussões.
Outra questão que intriga o setor privado é o fato de a Infraero investir no projeto do terceiro terminal de passageiros, que já está pronto, se Guarulhos será concedido.
- A concessão é a solução à falta de capacidade da Infraero de realizar os investimentos. Não adianta buscar um concessionário se ele já estiver amarrado ao projeto da Infraero - afirmou uma fonte do setor.
Existem ainda entraves relacionados à absorção dos trabalhadores, aos contratos comerciais e operacionais em vigor e às peculiaridades da Infraero, que é uma estatal e participará do consórcio privado. O tempo de análise do Tribunal de Contas da União (TCU), suas recomendações ao edital e o prazo necessário para que os investidores elaborem as suas propostas (de 45 a 60 dias) são outras incógnitas.
A Infraero também não paga tributos como IPTU, taxa de lixo e de iluminação pública e não recolhe os pesados ICMS e ISS - o que não ocorre com o setor privado. O próprio adicional tarifário (chamado de ataero), que equivale a 50% das tarifas pagas pelos passageiros e empresas e que é destinado à Infraero, à Aeronáutica e a um fundo de desenvolvimento da aviação, terá que ser discutido.
Segundos técnicos envolvidos nos trabalhos, pouca coisa avançou desde o anúncio da concessão. Nem o primeiro passo, o decreto de inclusão dos três aeroportos no Plano Nacional de Desestatização (PND), previsto para este mês.
- O prazo (dezembro) é muito apertado. É um assunto muito complexo e o governo terá de gastar uns meses a mais para fazer uma modelagem bem feita, senão pode limitar o número de participantes no leilão - disse o sócio da consultoria Bain Company, André Castellini, acrescentando que a Infraero deverá participar apenas como holding financeira e ficar de fora da operação:
- Os investidores estrangeiros, grandes operadores estrangeiros, não veem com bons olhos a presença da Infraero como agente operador.
Para Elton Fernandes, professor da Coppe/UFRJ, o histórico brasileiro de ações dessa natureza reforça o posicionamento dos especialistas:
- É uma operação muito complexa e difícil de ser gerenciada. A chance de haver atraso no processo é grande.
Um executivo ligado a uma grande companhia aérea com interesses nas licitações por vir concorda com o professor:
- O prazo é absolutamente irreal.
Concessionários e funcionários sem resposta
A concessão do primeiro aeroporto do país, o de São Gonçalo do Amarante (RN) - um projeto mais simples porque o terminal ainda será construído e explorado pelo setor privado - reforça o discurso dos especialistas. O edital levou três anos para sair do papel, a partir da inclusão no PND.
Ainda assim, o leilão, inicialmente previsto para o dia 19 de julho, acabou de ser adiado para 22 de agosto, diante de inúmeras dúvidas do setor privado sobre o processo. Entre as fases de audiência pública e lançamento do edital, foram encaminhados à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) 206 questionamentos.
Apesar do aprendizado com a licitação do novo aeroporto, é consenso no governo que as novas concessões são mais complicadas porque já existe uma estrutura pronta.
Edson Cavalcante, presidente da Associação Nacional dos Empregados da Infraero (Anei), reclama que existem muitas questões em aberto e que são preocupantes do ponto de vista dos funcionários e concessionários.
- Isso precisa ser discutido com respeito e transparência - disse Cavalcante.
Em princípio, a estrutura da Infraero será mantida e os trabalhadores podem ser aproveitados, mas o presidente da Anei questiona o que acontecerá se o investidor preferir trazer seus próprios funcionários e com a estabilidade no emprego de quem for absorvido pelo novo administrador. Cavalcante se preocupa ainda em como vai ficar o fundo de pensão dos trabalhadores.
Os 965 concessionários que têm contratos para explorar aéreas comerciais e operacionais nos três aeroportos também estão apreensivos. A vigência dos contratos é de 120 meses e de 300 meses, nos casos em que foram feitos investimentos.
Segundo um interlocutor, o governo está atento a todas as preocupações do mercado. A gestão, segundo essa fonte, será totalmente privada e o papel da Infraero será "de coadjuvante e conselheiro". A finalidade de sua participação nas Sociedades de Propósito Específico (até 49%) é que a estatal tenha uma fonte de receitas para manter o restante da rede.
A ideia é repassar ao novo administrador a relação dos concessionários e o prazo de duração dos contratos. A tendência é que eles sejam respeitados até o fim da vigência. Também está prevista uma negociação com o sindicato sobre o destino dos trabalhadores