VALOR ECONÔMICO -SP – 25 de julho
Editorial
O setor público brasileiro não corre mais risco de insolvência e não há quem coloque em dúvida a sustentabilidade das contas públicas no curto, médio ou longo prazo. A trajetória da dívida líquida voltou a ser cadente e é possível que ela fique perto de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) ao fim do mandato da presidente Dilma Rousseff. Há questões não resolvidas, como as regras do sistema previdenciário, que precisam ser aperfeiçoadas para que não se tornem um problema fiscal no futuro; ou o sistema tributário, que penaliza a produção e o investimento. Mas essas questões não devem obscurecer o fato de que o quadro fiscal brasileiro não preocupa, principalmente se comparado com a situação vivida pelas economias desenvolvidas.
A questão é que a política fiscal brasileira não pode mais ser analisada sob a ótica de um setor público em crise financeira. No início da década passada, a obtenção do superávit primário estabelecido como meta era indispensável para demonstrar a capacidade do governo de honrar os seus compromissos, o que permitia acalmar os investidores e os mercados, com a consequente redução do custo dos financiamentos ao Brasil. Felizmente, esse não é mais o caso presente. Depois de uma década de AJUSTE FISCAL, que coincidiu com a acumulação de uma grande reserva em divisas internacionais, não há mais risco de default.
A política fiscal brasileira pode, agora, ser analisada e implementada pelo governo tendo em vista os seus efeitos sobre a demanda agregada, como ocorre em qualquer país com estabilidade macroeconômica. E, desta forma, ela precisa estar articulada com a política monetária executada pelo Banco Central (BC). Desse ponto de vista, pode-se dizer que o Brasil deixou a sala de emergência e voltou a viver a normalidade de uma economia de mercado com instituições democráticas.
O Banco Central brasileiro enfrenta uma inflação renitente e adotou uma estratégia para trazer a inflação para o centro da meta ainda em 2012. O relatório Focus, com as previsões de mercado, porém, já estima uma inflação de 5,2% para o próximo ano, indicando que os principais analistas não acreditam mais ser possível alcançar o objetivo a que o BC se propôs.
Ao mesmo tempo, o quadro externo inspira muito cuidado, embora o último pacote de ajuda à Grécia, anunciado na semana passada pelos líderes europeus, tenha reduzido as tensões e dado fundadas esperanças de que os problemas daquele e de outros países europeus possam ser equacionados de forma organizada. O mais provável, no entanto, é que essas questões se arrastem ainda por um bom tempo.
Em um cenário complexo como o atual, cabe ao governo brasileiro agir com prudência. Nesse sentido, o melhor caminho a trilhar é coordenar ainda mais a políticas fiscal e monetária e, desta forma, evitar uma maior carga dos juros. Há espaço fiscal para isso, sem maior sacrifício, pois a arrecadação federal bateu recorde no primeiro semestre, com um crescimento real de 12,7% sobre igual período do ano passado.
No relatório de avaliação de receitas e despesas do terceiro bimestre, o governo informa que vai arrecadar este ano R$ 3,87 bilhões a mais do que previa em maio último. Com essa receita "extra", o governo anunciou o seu propósito de elevar algumas despesas obrigatórias e o pagamento de restos a pagar de créditos extraordinários. O aumento dos gastos obrigatórios será com a educação, em uma complementação da União ao Fundeb, o que é muito meritório, e com benefícios previdenciários. Mas é importante ter em mente que a receita "extra" decorreu de uma antecipação do pagamento de parcelas do chamado "Refis da crise" por parte de grandes empresas. É, portanto, uma receita que os economistas chamam de "once for all" e não pode financiar gastos permanentes.
É muito provável que a arrecadação federal continue com um crescimento expressivo até o fim do ano, mesmo porque os sinais de desaquecimento da economia ainda são tênues, o que pode ser facilmente constatado pelo grande número de empregos formais que está sendo criado. Esse "excesso" de receita deveria ser poupado, não com o objetivo de demonstrar a sustentabilidade das contas públicas brasileiras, mas para ajudar a controlar a demanda agregada e, desta forma, a inflação.