Valor Econômico-SP - 29 de julho
O governo voltou suas baterias para o mercado de câmbio com o objetivo de esfriar as cotações do real, que chegou ao patamar mais elevado em 12 anos nesta semana. O mercado de câmbio reagiu imediatamente e o dólar subiu. Mas ainda é cedo para saber se as medidas serão efetivas ou terão impacto apenas temporário e, principalmente, para dimensionar seus efeitos colaterais.
Alguns tiros foram logo disparados, mas provavelmente o principal ponto do pacote foi o governo revelar que está armado para muito mais. Como disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega: "Fizemos uma coisa mais completa, temos agora um arsenal maior". Para montar o pacote foram necessários uma medida provisória (539) e um decreto (7.536).
Desde o fim do ano passado, o governo vem tomando medidas para conter a apreciação cambial, que afeta a competitividade das exportações de vários setores. Além de estar atuando ativamente na compra de dólar nos mercados à vista, a termo e na venda de swaps reversos, criou um compulsório pesado (60%) sobre as operações vendidas no mercado à vista de câmbio que excedessem certos parâmetros.
A postura mais acomodatícia do governo em relação à inflação, evidenciada na posição da presidente Dilma e na ata do Comitê de Política Monetária (Copom), ontem divulgada, abriu espaço para medidas que vão elevar o real.
O alvo das novas medidas foi o mercado futuro de câmbio, que movimenta US$ 15 bilhões diariamente e pode determinar as cotações das moedas nas operações à vista, que giram apenas US$ 2 bilhões. Nos últimos dias, as apostas na valorização do real chegaram a US$ 23 bilhões, sendo US$ 18,7 bilhões no mercado futuro.
O governo acredita que as apostas sejam, em boa parte, especulação de investidores estrangeiros. "Vamos retirar parte da rentabilidade da especulação", disse Mantega, que assim dá razão às suspeitas levantadas até pelo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, de que parte do dinheiro que entra no Brasil é especulativo.
Foi então para inibir esses negócios que o governo instituiu o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 1% sobre a variação das posições vendidas a descoberto. A taxação, que pode chegar a 25%, anunciada com grande pompa para começar ontem mesmo, esbarrou em dificuldades operacionais para apuração e cobrança do tributo. Não restou outra saída para a Fazenda senão adiar para 5 de outubro o recolhimento do IOF, embora a aplicação da alíquota já esteja em vigor.
Além disso, o governo deu ao Conselho Monetário Nacional (CMN) amplos poderes de regular os derivativos, que, surpreendentemente, nem o Banco Central (BC) nem a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) possuíam.
Em outra medida, o governo fechou uma brecha que havia para a especulação com empréstimos em moeda estrangeira. Em março deste ano foi instituído o IOF de 6% sobre os empréstimos em moeda estrangeira e emissão de títulos no exterior com prazo até 360 dias; em abril, a medida foi estendida às operações com até 720 dias de prazo. Mas o mercado financeiro encontrou uma brecha ao fazer a captação ou o empréstimo no prazo mínimo para evitar o imposto e, depois, liquidar antecipadamente a operação. Agora, operações liquidadas antes do prazo de 720 dias também pagarão o IOF.
Nada surpreendentes foram as críticas ao pacote por parte do setor financeiro, que teme o esvaziamento do mercado local de hedge e a provável transferência dos negócios para o exterior. Realmente, um dos efeitos colaterais das novas medidas é a elevação do custo do hedge, o que vai afetar exportadores, importadores, empresas que captam recursos externos e multinacionais que precisam proteger o capital.
Há ainda quem lembre acertadamente que a tendência de queda do dólar é generalizada e reflexo do desempenho econômico ruim dos Estados Unidos. Mas o mercado brasileiro não podia ficar à mercê dessa situação, que pode piorar mais caso o governo americano não consiga elevar o teto do endividamento - hipótese remota, mas não totalmente descartável.
O outro lado desse espelho é o sucesso do Brasil - e de outros emergentes - em sair rápido da crise internacional, o que explica a atração de US$ 68,8 bilhões em investimentos estrangeiros diretos nos últimos 12 meses.
Mas o Brasil têm o direito de em momentos delicados coibir ainda mais os especuladores. Um sinal de que podem ter realmente sentido o golpe e começado a buscar outros mercados é a alta do dólar australiano e da lira turca depois do pacote brasileiro.