Corrupção na Receita Federal é favorecida pelas regras na importação

 Correio Braziliense - 29 de Agosto

Especialistas afirmam que os esquemas de corrupção envolvendo a Receita  Federal são antigos e favorecidos pelo excesso de regras na importação,  muitas delas pouco claras. Com isso, os fiscais costumam cobrar propina  para agilizar o despacho de determinado carregamento, já que o  desembaraço aduaneiro é crucial para setores que requerem rapidez nas  entregas, como os de eletrônicos, os farmacêuticos e os que dependem de  refrigeração. Se não houver agilidade, lotes inteiros de produtos podem  se perder. Fontes ligadas ao segmento de eletrônicos confirmam que os  fiscais corruptos contrariam até o fato de muitas empresas disporem  legalmente de canais expressos do Sistema Integrado de Comércio Exterior  (Siscomex), criado justamente para facilitar os processos de  desembaraço nas aduanas.

“A ausência de procedimentos ágeis nas  alfândegas, somada à tributação elevada, abre grande espaço para a  corrupção”, resume o economista Frederico Turolla, sócio da Pezco  Pesquisa & Consultoria. No seu entender, o Brasil ainda não está  preparado para distribuir produtos importados destinados a uma cadeia  logística complexa, situação agravada pela necessidade de investimentos  em infraestrutura, um dos obstáculos ao desenvolvimento nacional.

Apesar  dos evidentes sinais de corrupção, a Receita Federal opta pelo silêncio  ao ser questionada sobre tantas denúncias. O mesmo faz a diretoria do  Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Unafisco Sindical).  Tal postura não impede a Receita e o sindicato de pedirem mais  servidores para reforçar as alfândegas do país. Nos argumentos  apresentados ao governo, alegam que a escassez de mão de obra deixa a  maior parte das mercadorias importadas ou trazidas por brasileiros em  viagem ao exterior sem qualquer fiscalização. Na média, a liberação de  importados, segundo a Receita, leva 27 horas, quase o dobro das 14 horas  para o desembaraço das exportações.

Peneira
Atualmente,  4 mil servidores do Fisco, de um total de 7 mil fiscais aduaneiros, são  responsáveis pela fiscalização e pelo controle da entrada e da saída de  mercadorias do país. Para as entidades empresariais esse contingente é  mais do que suficiente para fazer o serviço de forma honesta. O problema  da corrupção está na complexidade de procedimentos para a tramitação de  documentos e licenças em 126 aduanas, 164 portos e instalações  portuárias, 33 pontos de fronteiras, 37 aeroportos, 67 portos secos e 23  recintos de remessas postais.

“Corrupção e burocracia andam de  mãos dadas. Quanto mais complexo o sistema, mais ele facilita  irregularidade”, afirma o diretor de Competitividade da Federação das  Indústrias de São Paulo (Fiesp), José Ricardo Roriz Coelho. A entidade  estima em R$ 51 bilhões o total de perdas sofridas pelo país com a  corrupção em órgãos públicos, conforme modelo matemático usado em vários  países. As propinas pagas a fiscais da Receita, da Justiça, de órgãos  ambientais (Ibama) e outros órgãos fiscalizadores, como o Incra, estão  incluídas nessa conta, que se equipara à redução de gastos anunciados  pelo governo no Orçamento federal de 2011. “É uma coincidência o número.  Se o país fosse menos corrupto, esse corte talvez não fosse  necessário”, completa.

Diante desse quadro tão escabroso, Jorge  Hage, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), informa, por  meio de sua assessoria, que poucos casos comprovados de corrupção de  funcionários públicos federais envolvendo importações foram apurados  diretamente por sua equipe. Ele diz que a maioria das denúncias e dos  indícios que resultaram em expulsões de servidores foi conduzida pela  corregedoria da própria Receita Federal. Uma ação direta do órgão de  controle interno da União seria apropriada somente em desvios de grupos  organizados ou por funcionários do Fisco de elevado nível hierárquico.

Controle digital
Para  aperfeiçoar o trabalho de fiscalização em suas aduanas, os  países-membros do Mercosul — Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai —  estão implantando um documento único para a internalização e o  desembaraço de mercadorias. Detalhes do projeto de adequação da  infraestrutura alfandegária tocado pela Receita foram definidos este  mês. O formulário eletrônico conterá especificações comuns aos  integrantes do bloco e, nele, importadores, exportadores e agentes de  comércio terão de fornecer dados com antecedência às alfândegas dos  quatro países.