Houve um grande alvoroço, no fim do ano passado, quando os parlamentares da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional elevaram a previsão de receita da União para 2011 em R$ 22,8 bilhões. Muitos consideraram a estimativa irrealista e destinada unicamente a acomodar o aumento de gastos que deputados e senadores fizeram no Orçamento. Esta semana, o governo surpreendeu o próprio Congresso ao informar que sua nova previsão para a receita da União é superior àquela que está na lei orçamentária em R$ 6,9 bilhões.
O "exagero" cometido pelos parlamentares na reestimativa da receita foi um dos argumentos utilizados pelo governo para fazer um corte de R$ 50,1 bilhões nas despesas orçamentárias e, dessa forma, garantir a obtenção da meta de superávit primário deste ano. O decreto 7.445, de março, que sacramentou o contingenciamento, reduziu a previsão da receita que está no Orçamento, de R$ 990,5 bilhões para R$ 971,4 bilhões - um corte de R$ 19,1 bilhões.
Outra razão para o corte de R$ 50,1 bilhões foi que, na proposta orçamentária que encaminhou ao Congresso, o governo tinha descontado os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da meta de superávit primário, no montante de R$ 32 bilhões. Ou seja, a proposta orçamentária para 2011 foi elaborada prevendo um superávit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) de apenas R$ 49,8 bilhões e não de R$ 81,8 bilhões, que é a "meta cheia" para o ano, sem os desconto do PAC.
Como a inflação deu uma acelerada no início deste ano, o governo decidiu fazer um esforço fiscal maior do que aquele que tinha programado inicialmente e perseguir a "meta cheia". Com isso, o governo esperava que a política fiscal desse uma ajuda ao Banco Central na redução da demanda, o que contribuiria para um menor ritmo de elevação dos preços. Ajustar as contas públicas a uma menor receita e à "meta cheia" foram as razões para o corte de R$ 50,1 bilhões.
O relatório de avaliação de receitas e despesas do quarto bimestre, encaminhado pelo governo ao Congresso na segunda-feira passada, apresentou números surpreendentes para a arrecadação este ano. O governo anunciou que sua previsão para a receita da União em 2011 foi elevada em R$ 25 bilhões, em relação à estimativa que consta do relatório do terceiro bimestre. Ou seja, em dois meses, a previsão oficial aumentou 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB).
O governo trabalha agora com uma estimativa de R$ 997,4 bilhões para a receita primária total, o que é R$ 6,9 bilhões a mais do que a previsão que consta da lei orçamentária e R$ 26 bilhões a mais do que a estimativa que consta do decreto de março, de contingenciamento.
Dessa receita excepcional, o governo utilizou R$ 10 bilhões para aumentar a meta de superávit primário deste ano, que agora será de R$ 91,8 bilhões. Esse foi o esforço adicional anunciado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, no início deste mês. Mas isso ainda é apenas uma intenção, pois falta o governo formalizar esse compromisso com o envio de um projeto de lei ao Congresso, alterando a meta fiscal definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Outros R$ 14,6 bilhões do aumento da receita foram utilizados pelo governo para elevar as despesas deste ano, principalmente aquelas relacionadas com os benefícios previdenciários e com o seguro desemprego e abono salarial. O R$ 1,4 bilhão restante é a parte que cabe aos Estados e municípios pelo aumento da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Essa elevação da despesa significa que o corte não é mais de R$ 50,1 bilhões ou de R$ 50,6 bilhões, como passou a ser tratado a partir do relatório de avaliação do primeiro bimestre, divulgado no fim de março. O corte é agora de R$ 36 bilhões (R$ 50,6 bilhões menos R$ 14,6 bilhões).
Em 2010, o governo só conseguiu atingir a meta de superávit primário de 2,15% do PIB por causa da operação de capitalização da Petrobras, com a venda de petróleo do pré-sal para a empresa, que terminou com um saldo de R$ 31,9 bilhões nos cofres do Tesouro. Foi com esse dinheiro que o governo conseguiu cumprir a meta fiscal de 2010. Por isso, havia muita descrença entre os analistas sobre a capacidade do governo de obter o superávit primário deste ano, uma vez que não seria possível repetir uma operação parecida com a da capitalização da Petrobras.
O aspecto interessante é que a própria Secretaria da RECEITA FEDERAL do Brasil (RFB) já sabia que haveria "surpresas" na arrecadação deste ano. Tanto é assim que, na proposta orçamentária para 2011, enviada ao Congresso em agosto de 2010, a RFB informou que esperava R$ 31 bilhões em receitas "atípicas" - ou seja, de receitas extras, decorrentes de eventos tais como decisões judiciais, parcelamento de dívidas etc. No relatório de avaliação do primeiro bimestre, o governo reduziu a estimativa de receitas atípicas para R$ 12,5 bilhões. Agora, sabemos que a RFB estava com a razão desde o início.
* Ribamar Oliveira é repórter especial em Brasília e escreve às quintas-feiras