Gazeta do Povo
25/11
Dez temas de alta relevância para o Brasil. Foi o que apresentou o advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso na palestra de encerramento da 21.ª Conferência Nacional dos Advogados, ontem, em Curitiba. Partindo do tema “Democracia, Desenvolvimento e Dignidade Humana: Uma Agenda para os Próximos Dez Anos”, Barroso elencou audaciosas propostas para o Judiciário, o Executivo e a sociedade brasileira.
Em primeiro lugar, o jurista propôs que o país faça um exercício de pensamento que ajude a definir seu lugar no mundo. Para tanto, sugeriu a realização de um concurso multidisciplinar sob o tema “Uma nova narrativa para o Brasil”, para promover a pesquisa sistemática e o pensamento original que contribuam para a autocompreensão do país, sua gente e seu lugar no mundo.
A segunda proposta coincide com o que chamou de “grande consenso nacional”, que é a necessidade de uma ampla e urgente reforma política. Só assim, alerta Barroso, seria possível produzir um arranjo institucional que diminua o custo das campanhas, que dê autenticidade aos partidos, que seja capaz de absorver crises e ajude na formação de maiorias políticas estáveis no Parlamento.
O senador Demóstenes Torres falou da importância da luta contra o racismo: “Isso deve ser banido da ordem individual e coletiva”
Propostas
Veja quais são os 10 temas de alta relevância para o Brasil:
1 Construir uma nova narrativa para a autocompreensão do país.
2 Realizar uma reforma política ampla e urgente.
3 Investir em saneamento básico como política de saúde preventiva.
4 Reformular o sistema penal brasileiro.
5 Ter um projeto educacional ambicioso, com ênfase no professor e no ensino médio.
6 Ampliar as ações de trânsito de modo a reduzir as mortes.
7 Avançar na garantia de direitos humanos e sociais.
8 Proteger as minorias, especialmente pobres e negros.
9 Tornar o orçamento público mais transparente.
10 Promover mudanças no ambiente jurídico, marcado pela alta litigiosidade.
Sistema de cotas
Pelo fim das disparidades sociais no Brasil
Rodrigo Batista, especial para a Gazeta do Povo
O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) participaram do debate “Cotas Raciais e Sociais”, na Conferência Nacional dos Advogados. Bastos defendeu a política de cotas raciais a fim de integrar a população afrodescendente aos serviços básicos. Já Torres manifestou-se a favor de cotas apenas sociais para favorecer toda a população de baixa renda.
Apesar de posições contrárias, os dois concordaram em alguns pontos. “Precisamos diminuir as disparidades sociais”, afirmou o senador. Depois, defenderam o uso da ação afirmativa. Bastos falou que as cotas “não podem existir eternamente, como patrimônio e reserva de mercado. Elas devem ser feitas para se contrapor a essa crescente desigualdade de acesso aos bens essenciais”.
Além disso, o ex-ministro e Torres concordaram sobre a importância de lutar contra o racismo. “Isso deve ser banido da ordem individual e coletiva”, afirmou o senador. Bastos, na defesa das cotas raciais, disse que no Brasil ainda existe um racismo velado que pode ser encontrado na posição dos negros no trabalho. Segundo ele, as disparidades trabalhistas entre negros e brancos aumentou entre 1996 e 2007. “Isso só diminui com igualdade mediante a justiça distributiva”, disse, defendendo o acesso aos bens sociais.
Saneamento básico foi sua terceira proposta, tida como “a principal política pública de saúde preventiva” e a quarta sugestão foi a busca de um sistema punitivo que cumpra adequadamente as funções da pena criminal, uma vez que o atual não previne, não ressocializa e gera a sensação de impunidade. Um projeto educacional ambicioso foi a quinta proposta apresentada na conferência, com ênfase em programas nacionais de capacitação de professores, uso amplo dos recursos tecnológicos para educação a distância e com o ensino médio elevado à condição de prioridade máxima.
Trânsito
A sexta medida seria retirar “o glamour da velocidade irresponsável e o clima de festa da embriaguez”, apontando as mortes no trânsito como outro grave problema brasileiro. Na palestra, o constitucionalista disse que, em 2010, os acidentes de trânsito causaram mais de 40 mil mortes, sendo necessárias conscientização, fiscalização e repressão para reduzir a estatística. Mais avanços em termos de direitos humanos foi a sétima proposta, com foco também no tocante aos direitos sociais. Como desdobramento da discussão acerca desses direitos, a proteção das minorias foi sua oitava sugestão, com um Estado capaz de assegurar a descriminalização do aborto, ações afirmativas para pobres e negros, e direitos aos homossexuais. A penúltima proposta teve como foco a transparência em relação ao orçamento público, ainda considerado uma “caixa preta, desconhecida e inacessível”.
Por fim, a décima proposta de Barroso abrange imediatas transformações no mundo jurídico, marcado pela alta litigiosidade. Entre as principais sugestões, estão o incentivo à cultura das soluções consensuais, a instituição de um Exame Nacional de Magistratura como requisito para inscrição nos concursos para juiz e o aprimoramento do mecanismo da repercussão geral no Supremo Tribunal Federal.
Documento
Evento lança a Carta de Curitiba
A leitura da Carta de Curitiba encerrou oficialmente a conferência. Alguns dos principais pontos do documento foram a crença em uma imprensa livre, sujeita apenas aos controles sociais; rejeição aos abusos do Estado policial; defesa da autonomia dos indivíduos nas suas escolhas existenciais, da liberdade de religião à liberdade de orientação sexual; condenação dos modelos políticos que favorecem o benefício privado e uma reiteração da luta para preservar a qualidade do ensino jurídico no Brasil.
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, agradeceu a participação de todos. “Aqui em Curitiba, concluímos que a advocacia continua exatamente onde deveria estar: na vanguarda das lutas em prol do fortalecimento do nosso país”. Para o presidente da seção Paraná da OAB, José Lúcio Glomb, esta foi a mais completa conferência já realizada.