Fonte: Correio Braziliense – 06 de dezembro
Um benefício que o governo federal criou com o objetivo de premiar os funcionários que mais produzem terá de ser pago também a servidores aposentados e pensionistas. Os inativos cobram na Justiça o direito de receber a gratificação por desempenho. Diante das sucessivas vitórias judiciais que vêm obtendo, a Advocacia-Geral da União (AGU) decidiu partir para um acordo de conciliação. Pelo acerto, a União terá uma despesa extra de R$ 600 milhões. Ainda não há data para o pagamento, mas sabe-se que a fatura envolve 200 mil processos individuais e coletivos. Como há 565 mil servidores inativos, há o risco de a conta aumentar e chegar a R$ 5 bilhões. É o que mais teme o Palácio do Planalto. Pesquisa mostra que, nos últimos 20 anos, o aumento real dos salários do setor público no DF superou em quase oito vezes o da iniciativa privada.
AGU acerta o ressarcimento a servidores inativos de benefícios por desempenho pagos ao pessoal da ativa
O governo federal terá uma despesa extra de pelo menos R$ 600 milhões para ressarcir servidores e aposentados e pensionistas que cobram na Justiça a gratificação dadas a funcionários da ativa. Segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), essa fatura envolve 200 mil processos em que o pagamento é considerado líquido e certo.
A conta, já sacramentada por meio da conciliação conduzida pela AGU, preocupa a equipe econômica, que vem alardeando para os riscos do aumento das despesas públicas em meio à crise que assola a Europa e ameaça a estabilidade do mundo, inclusive a do Brasil. No Ministério do Planejamento, estima-se que a fatura total cobrada pelos inativos referentes às gratificações de desempenho — criadas para aumentar os salários e premiar quem produz — pode chegar a R$ 5 bilhões.
“Uma vez que o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, reconheceu o direito dos inativos em normativos internos, já é certo que o governo abrirá os cofres para atender a esses 200 mil processo, ainda sem data para serem concluídos”, disse um técnico do Planejamento.
José Roberto da Cunha Peixoto, diretor do Departamento de Estudos Jurídicos e Contencioso Eleitoral da PGU, afirmou que, do total de ações, 120 mil dizem respeito à gratificação de desempenho de atividade técnico-administrativa. “São processos tanto individuais quanto coletivos. Em alguns casos, por exemplo, há 2 mil servidores envolvidos. Não é fácil mensurar o total de pessoas beneficiadas”, afirmou o advogado. A demanda é tamanha que, ao longo desta semana, o análise dos pedidos chegou a integrar a Semana Nacional de Conciliação, organizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A corrida à Justiça deve-se à lentidão do Ministério do Planejamento e do Palácio do Planalto, que deixaram esse tipo de benefício sem regulamentação por até 12 anos. A brecha criou uma série de problemas e inundou o Judiciário de processos. Ao todo, entre 1998 e 2008, foram criadas 64 gratificações no Executivo, todas dando direito ao recebimento da eventual diferença. Os trabalhadores que podem receber a parcela estão espalhados por 92 órgãos da administração direta, de fundações e autarquias — são 570 mil ativos e 565 mil aposentados e pensionistas.
Enxurrada
Conforme as leis que instituíram a remuneração variável por produtividade, os aposentados e pensionistas tinham direito a receber entre 30% e 50% do valor da gratificação, enquanto os ativos faziam jus a 80%, pelo menos até a regulamentação. Sem uma decisão, os inativos buscam essa diferença na Justiça. “O erro da União foi não ter feito uma regulamentação mais precisa para que, de fato, apenas quem produzisse mais fosse beneficiado”, criticou o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. Procurado, o Ministério do Planejamento informou que o responsável pelo tema estava em viagem ao exterior.
A enxurrada de demandas começou porque o governo demorou para definir o modelo de avaliação dos funcionários. Somente em março do ano passado, o Executivo publicou decreto com as regras para a avaliação individual dos servidores de 48 gratificações. Antes disso, nove delas tiveram as normas definidas entre 2007 e 2009. Outras oito estão na fila. Os valores variam de R$ 80 a R$ 400 por mês, de acordo com o nível e o padrão do servidor. Todos que se aposentaram nas mesmas funções que hoje têm o diferencial podem recorrer à Justiça. Contudo, só é possível obter as parcelas não repassadas nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.
Na avaliação de Marlos Lima, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e diretor da Cenários Prospectivos Consultoria, a concessão dos benefícios aumentará o deficit da previdência do setor público, que já acumula rombos da ordem de R$ 52 bilhões por ano, e causará impacto no resultado fiscal do país. “O governo precisará captar mais recursos, o que pressionará a taxa básica de juros (Selic) para cima. Juros mais altos, menos investimento, menos consumo, menos emprego. Em uma época em que lutamos para escapar dos efeitos da crise internacional, esse não é um cenário promissor”, analisou. (Colaborou Ana d”Angelo)
Ponto pacífico
O direito dos aposentados e pensionistas está pacificado em todas as instâncias. Tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal já reconheceram que eles têm o direito ao valor recebido pelo pessoal da ativa até que, efetivamente, haja a avaliação por desempenho. Em abril de 2010, a Advocacia-Geral da União emitiu súmula no mesmo sentido e orientou sua equipe a não recorrer das sentenças.
Dinheiro à vista
Governo quer encerrar logo processos que pedem diferenças de gratificações por desempenho
Quem está na lista da AGU?
Servidores públicos aposentados ou pensionistas que moveram ações individuais ou coletivas exigindo o recebimento dos valores pagos aos servidores ativos da mesma carreira, a título de gratificação por desempenho, já com ganho de causa pelo menos na primeira instância.
Qual o motivo das demandas?
Desde 1998, o governo federal vem criando gratificação por desempenho que atingem 90% dos servidores ativos. Aos inativos, as medidas provisórias e leis que criaram a remuneração variável estabeleceram o repasse de um índice entre 30% e 50% do pago aos ativos. Os aposentados e pensionistas foram então à Justiça pleitear a totalidade paga aos que estão na atividade.
O que o Judiciário decidiu?
Por falta de regulamentação da avaliação individual dos funcionários que trabalham, o Judiciário estendeu a gratificação integral para os inativos, alegando ser de caráter genérico, portanto, extensível também aos inativos na mesma proporção. Somente em 2009, o governo começou a regulamentar a avaliação dos servidores ativos.