Valor Econômico - 15 de dezembro
Não bastou o ministro Guido Mantega, da Fazenda, telefonar para o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), minutos antes de começar a sessão na Câmara que votaria o projeto que reformula radicalmente o regime de previdência do setor público federal. A reunião da ministra Ideli Salvatti, de Relações Institucionais, com o próprio Maia, na Câmara, horas antes, também não resolveu. Cedendo a um "clima de fim de ano", segundo definiu ao Valor o deputado Sílvio Costa (PTB-PE), Maia abriu a sessão em plenário, ontem, com a informação de que os deputados só se posicionariam sobre o projeto que tranca a pauta de votações há 23 dias no retorno do recesso parlamentar, em fevereiro.
A decisão do presidente da Câmara desagradou o governo Dilma Rousseff, que deu caráter de urgência à tramitação do projeto ainda no início de outubro, e trabalhava com sua aprovação na Câmara ainda neste ano - de forma a deixar para 2012 apenas a votação no Senado.
O Projeto de Lei (PL) 1.992/07 é prioritário para Dilma, que espera fazer as cerca de 127 mil contratações de servidores federais do ano que vem, segundo estimativa do Ministério do Planejamento, já sob o novo regime previdenciário. "O governo está profundamente magoado com este recuo do presidente da Câmara" afirmou uma fonte do primeiro escalão do governo.
Outro integrante da força-tarefa ministerial envolvida na articulação política em torno do projeto fez um mea-culpa ontem, da atuação do próprio governo: "Não deveríamos ter deixado a votação para a última semana da Câmara, a negociação final poderia ter sido mais rápida, e agora ficamos reféns de aprovação no Congresso em ano eleitoral".
Ao adiar a votação do projeto para 2012, Maia evitou um desgaste com parlamentares da base aliada, como PDT e PC do B, que têm ligações com o movimento sindical (Força Sindical e CTB, respectivamente), e são contrários ao projeto. Maia observou que parlamentares do DEM, PSOL e PTB também são contrários ao projeto, e optou por não conduzir uma votação acirrada no fim de ano. "Estávamos prontos para uma votação quente, mas era preciso aprovar", disse uma fonte graduada do governo, "mas Maia preferiu não melindrar ninguém na Casa, e acabou chateando a presidente".
O governo conta com amplo apoio entre os deputados para aprovar o projeto - obteve apoio das bancadas do PT e do PMDB, além de uma adesão informal ao projeto por parte do PSDB, defensor da reforma na previdência.
Este apoio foi conquistado após os técnicos da equipe econômica terem cedido nos dois pontos principais do projeto. Segundo o relatório final do projeto, a que o Valor teve acesso, o governo aceitou o desmembramento do fundo de previdência complementar em três (um para cada Poder) e também a alíquota de 8,5%, referente à cobertura do Tesouro Nacional aos aportes dos servidores nos fundos.
O governo queria um fundo único, o Funpresp, para todos os servidores da União, e que a participação do Tesouro fosse de 7,5%. Mas aceitou ceder à pressão do Judiciário, encabeçada por Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal, quanto à divisão dos fundos pelos Poderes. Também cedeu quanto a participação do Tesouro, segundo os parlamentares do PT, liderados pelo deputado Ricardo Berzoini (SP), ex-ministro da Previdência e um dos relatores do projeto.
O projeto busca estancar um déficit que deve atingir R$ 57 bilhões neste ano, no regime de previdência dos servidores federais. A partir de sua sanção, os trabalhadores que ingressarem no serviço público terão seus benefícios previdenciários limitados pelo teto do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), hoje em R$ 3.691,79. Para receberem mais, os servidores terão de aplicar recursos no fundo de previdência complementar (Funpresp) relativo à seu Poder. Até o limite de 8,5% do salário que superar o teto do INSS, o Tesouro Nacional se compromete com uma injeção paritária de recursos. O modelo é semelhante ao adotado pelos demais trabalhadores brasileiros.