Agência Carta Maior
Antonio Lassance
21/12
Perspectivas políticas e uma crise econômica no meio do caminho. Que venha 2012, um ano que bem poderia entrar para a história como aquele que encerrou uma década de transição da eterna agenda de estabilização para uma nova agenda de mudanças e desenvolvimento.
O que será do ano de 2012?
Reverter os impactos da crise internacional que têm feito a economia empacar será a questão número um da agenda de 2012. Os riscos advindos dessa crise abrem uma oportunidade para a atual presidência: há condições objetivas para uma transição da eterna agenda de estabilização para uma nova agenda de mudanças e desenvolvimento.
No Congresso, debates e decisões importantes podem levar o Brasil a um novo patamar de financiamento da provisão de suas políticas públicas fundamentais. Ou seja, pode vir mais dinheiro para a educação, a saúde, a segurança pública, a previdência e a assistência social.
A disputa eleitoral para as prefeituras pode premiar os partidos da base governista, mas fragmentará sua coalizão nacional.
A oposição tentará sobreviver a mais uma estação do longo inverno a que foi submetida, há uma década, desde que perdeu as eleições presidenciais de 2002.
O enfrentamento à crise e uma nova fase para o governo
O governo deve fazer as contas para viabilizar um esforço concentrado, turbinando o investimento em programas de infraestrutura e abastecendo melhor as políticas sociais.
Concretamente, no primeiro trimestre se deve ver um aprofundamento da inflexão da política macroeconômica, para livrar o país de uma recessão. Entre suas opções estão a redução dos encargos da dívida e os pacotes de estímulo à produção e ao consumo.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o “Minha Casa, Minha Vida” são apostas líquidas e certas. Significam injeção na veia da economia, com uma estrutura de implementação já organizada.
A depender do nível e da rapidez com que isso ocorra, será possível criar uma folga fiscal também para garantir recursos extra que subsidiem uma pauta ousada de compromissos com políticas fundamentais que estão em pleno processo de redefinição (no Congresso) de suas fontes de financiamento.
Como é comum aos mandatos presidenciais, enquanto o primeiro ano é dedicado a arrumar a casa, o segundo é quando precisam mostrar a que vieram.
Em 2012, ficarão claros os programas que deram certo e podem deslanchar, os que patinaram e precisarão ser ajustados e os que não se sustentam e serão abandonados em favor de outras prioridades.
O Brasil Sem Miséria, que mostrou avanços substantivos em 2011, trará dados ainda mais palpáveis e em maior volume, consolidando também quase uma década de Bolsa Família na estrutura de políticas públicas do Estado.
Eleições municipais: governo, oposição e coalizões
Muitas das ações de enfrentamento à crise têm interface com questões municipais que serão alvo prioritário das campanhas para prefeito e vereador. É o caso das obras da Copa, das políticas de mobilidade urbana, saneamento, gestão de resíduos sólidos, habitação, transporte e apoio à agricultura familiar.
Com a popularidade da presidenta em alta, a campanha de 2012 tende a ser o desfile de candidatos que se insinuam, diante dos eleitores, como as melhores opções para trazer políticas federais, seus programas e recursos para cada município.
Um cenário de crescimento com estabilidade tende a fazer com que os partidos da coalizão governista estejam melhor preparados para enfrentar as eleições, mas em um quadro de total fragmentação de sua coalizão, cada vez mais um mosaico.
A oposição continuará mergulhada em sua crise ao cubo: crise de projeto (sem discurso para as eleições), crise de sua coalizão estilhaçada e crise de lideranças nacionais. A oposição se tornou um projeto de passado, e não uma proposta de futuro. Vive da nostalgia de uma época da qual a maioria do povo brasileiro não sente nenhuma saudade.
DEM e PPS agora vivem às turras com os tucanos. Reclamam de serem tratados como primos pobres, sócios menores de uma empresa incapaz de ganhar eleições presidenciais há uma década.
Tanto a sangria que levou ao racha do DEM, com a formação do PSD, quanto os flertes entre os partidos da oposição e os da base (inclusive com o PT) nas eleições municipais de 2012 indicam que a principal disputa não será entre governo e oposição, mas dos partidos da base entre si. Cada qual quer sair maior das eleições para prefeito e se cacifar para a coalizão de 2014. Principalmente as eleições nas capitais devem retratar o fenômeno.
Para sobreviver, a oposição buscará aproveitar as rebarbas dessa fragmentação. Onde não tiver chances de liderar, fará de tudo para decidir o resultado dessas brigas. Com fôlego menor a cada pleito, deverá priorizar as cidades em que disputa a reeleição.
Mensalão versus privataria tucana
A crise de longo prazo dos partidos de oposição reforçará outro aspecto de nossa política: o que reserva à velha mídia o papel de principal partido de oposição no Brasil - função aliás já assumida publicamente por dirigentes de suas associações. Se há um lugar onde a oposição é forte, é no setor que detém concessões públicas de rádio e TV, feitas décadas atrás, quando os dinossauros dominavam a terra.
O ano de 2012, que marcará 10 anos da eleição de Lula e do fim do governo FHC, será o momento do embate de duas narrativas contrapostas: a do mensalão, de um lado, e a da “privataria tucana”, de outro.
É claro e cristalino que a velha mídia usará o calendário de julgamento do processo do Mensalão, no Supremo Tribunal Federal (STF), como bigorna para malhar o PT e também como troco às denúncias elucidadas no livro “A Privataria Tucana”.
O mais importante ainda está por vir
Todas essas questões são de grande importância. Mas o fundamental, muitas vezes, passa ao largo das questões mais palpitantes e das manchetes mais escandalosas, como a da ciranda de ministros sucessivamente alvejados e derrubados por denúncias.
Entre março e junho, Executivo e Congresso podem decidir cinco grandes batalhas decisivas para a vida de todos os brasileiros. São elas a partilha dos recursos do pré-sal, a regulamentação da Emenda 29 (que estabelece os recursos da saúde), a aprovação do Plano Nacional de Educação, o novo marco legal da política ambiental (Código Florestal) e a definição das novas regras de cálculo do Fundo de Participação dos Estados.
Todas dizem respeito a algumas perguntas essenciais: para que e para quem serve o Estado? Quão desiguais nós somos e o que fazer para deixarmos de sê-lo?
Hora de fechar pra balanço
O cenário tendencial de 2012 conspira para uma inversão de prioridades em relação a 2011.
A diminuição dos encargos com a dívida, requisito para a travessia da crise, pode levar a uma mudança de peso: a transição de uma agenda de estabilização para uma agenda de mudanças orientadas por um novo padrão de desenvolvimento. Transição que na presidência Lula demorou do primeiro para o segundo mandato para ter início, mas poderia ser abreviada na presidência Dilma entre o primeiro e o segundo ano de governo.
Basta que se perceba que as condições objetivas estão dadas e que se aguente com paciência a gritaria de setores rentistas e seus agregados, minoritários, elitistas, mas muito barulhentos. É fácil identificá-los. São os que acham que investimento em assistência social é clientelismo; que mais dinheiro para a saúde é gastança; que prioridade para a educação deve ser na base de muito discurso e pouco recurso. Esse pessoal tem ultimamente patrocinado editoriais dizendo que a desaceleração da economia é algo benéfico.
Mesmo que uns não queiram, o governo pode se ver forçado a cumprir o programa pelo qual foi eleito em 2010. Tanto por força das circunstâncias, por ter em mãos argumentos que justifiquem a transição sem que sequer pareça ousadia demais, quanto por pressão de setores sociais com ressonância política.
Que venha 2012, um ano difícil, mas que bem poderia entrar para a história como aquele que encerrou uma década de transição e virou definitivamente a página do Brasil do Real, que vivia em função de sua moeda, para o Brasil de todos, que passou a viver em função dos brasileiros.
* Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política. As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.