Consultor Jurídico
13/01
Um relatório do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) revela que 3.426 magistrados e servidores do Judiciário fizeram movimentações consideradas "atípicas" no valor de R$ 855 milhões entre 2000 e 2010. Cerca de R$ 400 milhões desse total envolvem apenas quatro pessoas no Rio, São Paulo e Bahia. As informações estão em um documento de 13 páginas que foi encaminhado nesta quinta-feira (12/1) ao Supremo Tribunal Federal pela corregedora do Conselho Nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon. A reportagem é da Folha Online.
No documento, são citadas algumas situações consideradas suspeitas, como o fato de três pessoas, duas delas vinculadas ao Tribunal da Justiça Militar de São Paulo e uma do Tribunal de Justiça da Bahia, terem movimentado R$ 116,5 milhões em um único ano, 2008. Segundo o relatório, em 2002, quando "uma pessoa relacionada ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região", no Rio de Janeiro, movimentou R$ 282,9 milhões.
Ainda segundo o relatório, 81,7% das comunicações consideradas atípicas estão concentradas no TRT do Rio, Tribunal de Justiça da Bahia e o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo. O relatório não aponta nomes nem faz distinção entre servidores e juízes.
Movimentações atípicas não significam que houve crime ou irregularidade, mas apenas que aquela operação financeira fugiu aos padrões da norma bancária e do sistema nacional de prevenção à lavagem de dinheiro. O Coaf apurou uma relação de 216 mil servidores do Poder Judiciário. Deste universo, 5.160 pessoas figuraram em 18.437 comunicações de operações financeiras encaminhadas ao Coaf por diversos setores econômicos, como bancos e cartórios de registro de imóveis.
As comunicações representaram R$ 9,48 bilhões, entre 2000 e novembro de 2010. O Coaf considerou que a maioria deste valor tem explicação plausível, como empréstimos efetuados ou pagos. Em 2010, R$ 34,2 milhões integraram operações consideradas suspeitas.
Em entrevista à Agência Brasil, a ministra Eliana Calmon afirmou que as investigações sobre movimentações financeiras atípicas no Tribunal de Justiça de São Paulo, estopim do imbróglio envolvendo associação de juízes e o Conselho Nacional de Justiça, não foram direcionadas por relatório do Coaf.
Desde o início da disputa entre o Conselho Nacional de Justiça e os magistrados paulistas, a corregedora vem sendo acusada de usar dados sigilosos do órgão financeiro para fazer uma devassa no estado.
“O relatório do Coaf apontava apenas gráficos com informações gerais de cada estado, mostrando onde havia maior concentração de movimentações fora do normal, sem dar nomes nem números de CPF”, explicou a ministra. De acordo com ela, o Coaf só fornece relatórios detalhados ao CNJ quando há processo instalado contra um magistrado específico.
Disputa interna
O relatório do Coaf fez com que o órgão entrasse na linha de frente no conflito entre juízes e a corregedoria do CNJ. Em julho de 2010, ainda na gestão do ministro Gilson Dipp, a corregedoria pediu ao Coaf um levantamento sobre as movimentações financeiras atípicas do Judiciário. Foi delimitado um período de busca entre 2006 e 2010 para evitar possíveis prescrições. Também foram excluídos os tribunais superiores. O relatório chegou em fevereiro de 2011, quando Eliana Calmon já havia assumido o posto.
Em entrevista à revista Consultor Jurídico, o presidente do Conselho, Antônio Gustavo Rodrigues, afirmou que o envio de movimentações financeiras (com nomes e valores) à Polícia Federal ou ao Ministério Público não é quebra de sigilo. “Não temos acesso às contas bancárias ou aos extratos, só aos comunicados que nos são enviados [pelas instituições financeiras]”, diz Rodrigues.
A defesa vem após declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de que o Coaf “tem um encontro jurisdicional marcado” com o tribunal este ano. O presidente do órgão disse à revista Consultor Jurídico que “se for provado que o que fazemos [no Conselho] é inconstitucional, simplesmente fecharemos o Coaf e vamos fazer outra coisa”. O ministro havia dito, ainda que é inconcebível que dados bancários de um cidadão sejam acessados por um órgão do Ministério da Fazenda que os repassa a outros órgãos administrativos. "Como fica a reserva do Judiciário e a garantia de que a suspensão do sigilo só se implementa com ordem judicial?", perguntou o ministro, em entrevista para o Roda Viva, da TV Cultura. Para ele, "a atuação do Coaf não se coaduna com a ordem constitucional".