Valor Econômico - 17 de janeiro de 2012
Fabricantes brasileiros de calçados e especialistas começam a suspeitar de um novo tipo de triangulação para importar calçados chineses. O novo esquema consiste em trazer as peças de borracha e de plástico separadamente, em lotes diferentes. As importações estariam entrando no Paraguai, onde seriam reembaladas e enviadas, separadamente, para o Brasil. O produto então seria montado como produto brasileiro.
Desde março do ano retrasado uma sobretaxa por dumping de US$ 13,35 por par encareceu a importação do produto chinês. Maior parceiro comercial do Brasil na região, a Argentina adotou uma medida defensiva semelhante. A partir de então aumentaram as importações brasileiras e argentinas de calçados do Vietnã, Malásia e Indonésia. Uma investigação sobre a origem foi aberta no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) em outubro, para checar a real procedência desses calçados. Suspeita-se de triangulação por parte dos exportadores chineses.
Desta vez, a triangulação sob suspeita envolve componentes do calçado, como cabedal, tiras e solas, e não o produto acabado. A pedido da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), foi implantado no dia 16 de dezembro um "canal vermelho" na aduana brasileira. "Todas remessas passarão por um exame físico para identificação do produto. Esse novo canal poderá deixar claro se estão trazendo produtos acabados como insumos para a indústria", disse o diretor-executivo da Abicalçados, Heitor Klein.
Mas há setores na indústria que acreditam na existência de uma fraude ainda maior: as peças estariam entrando no Brasil fora da classificação de componentes de calçados. Por essa hipótese, seriam registradas como "plásticos e suas obras", ou "borracha e suas obras".
"Assim, não apenas se dribla a sobretaxa ao produto, mas também o pagamento de imposto de importação", comentou o advogado Jorge Zaninetti, do escritório de advocacia Siqueira Castro, de São Paulo, especialista em defesa comercial.
A variação da exportação paraguaia de partes de calçados para o Brasil no ano passado não impressiona. Entre janeiro e novembro, o Paraguai vendeu US$ 15 milhões em componentes de calçados, US$ 1 milhão a menos do que no mesmo período do ano passado. Mas a evolução das vendas paraguaias de insumos foi considerável. As remessas de "plásticos e suas obras" ao Brasil passaram de US$ 47 milhões para US$ 66 milhões no período e as de "borracha e suas obras" passaram de US$ 800 mil para US$ 6 milhões. Em outro sentido, as importações paraguaias dessas matérias-primas da China se aceleram, sobretudo em derivados de borracha. As compras do Paraguai passaram de US$ 10,3 milhões em 2008 para US$ 37,5 milhões no ano passado.
De acordo com a assessoria de imprensa do MDIC, só há duas investigações formais de triangulação abertas: além da iniciada em outubro, para verificar a procedência dos calçados asiáticos, há uma outra apurando a fabricação de cobertores no Uruguai e no Paraguai.
Uma investigação sobre resina PET foi encerrada em 2011, sem constatar desvios de origem. A assessoria frisou que o ministério nunca atua por iniciativa própria, mas só quando provocado por importadores ou por fabricantes no Brasil.