O Globo - 20 de janeiro de 2012
Palavras simples em português, "sopa" e "pipa" são acrônimos, em inglês, de duas leis em discussão no Congresso americano capazes de incendiar a internet. "Stop On-line Piracy Act" e "Protect Intellectual Property Act", algo como leis do "Pare a Pirataria On-line" e da "Proteção da Propriedade Intelectual", encontram-se, pela ordem, na Câmara dos Representantes e no Senado. Na quarta, surgiu o primeiro sinal, para o grande público, da reação de grupos conhecidos no mundo digital aos projetos de lei: o site da Wikipedia, nos Estados Unidos, entre outros, iniciou um blecaute de 24 horas contra Sopa e Pipa. O Google colocou uma tarja preta, e assim por diante.
Alegam os opositores das propostas, semelhantes nos propósitos, que se trata de uma indevida ingerência do Estado no mundo "livre" da internet, algo como uma "censura". É um exagero equiparar as leis a um ato de censura, mas o termo pegou, circula na rede de computadores e a manifestação de quarta fez parlamentares recuarem. Mas a discussão continuará. Ao "Wall Street Journal", um dos fundadores do Wikipedia, Jimmy Wales, declarou: "A política de internet não deve ser estabelecida por Hollywood." A menção à sede dos grande estúdios, hoje todos, ou quase, ligados a algum conglomerado de comunicação, ajuda a se entender quem está no centro da briga nos EUA.
As leis, voltadas ao correto combate à crescente indústria da pirataria - destruidora de empregos formais, sonegadora de recursos tributários, etc. -, permitirão que a Justiça e o Ministério Público americanos reprimam esquemas de pirataria, e o consequente desrespeito a direitos autorais e de propriedade intelectual, montados fora dos Estados Unidos. Cabe um parêntese: uma lei de 1998 (Digital Millenium Copyright Act) permite que servidores sejam legalmente derrubados, se estiveram a serviço da pirataria. Mas só se funcionarem nos Estados Unidos. Sopa e Pipa - a primeira lei é mais direta ao ponto - estendem o raio de ação da Justiça americana para fora do país. Afinal, sites têm sido criados no exterior para vender ao consumidor americano filmes, shows de TV, programas de computador, livros, músicas, muita coisa, até medicamentos, sem a devida remuneração aos proprietários. Tudo pago por cartão de crédito (barrar essas transferências não é tecnicamente difícil).
O conflito, resumido entre "Hollywood vs. Vale do Silício", vai muito além disso. Está em questão uma antiga e falsa ideia de que tudo na internet é de graça. Não pode ser, pois a rede mundial de computadores não fez desaparecer o custo - que não é baixo - de produção de conteúdos, em qualquer mídia.
Os chamados "agregadores de conteúdo", Google, o maior deles, se lançaram e construíram forte base empresarial capturando textos, fotos, vídeos sem o devido pagamento a donos e autores. Este tempo passou. Isoladamente ou por meio de representações associativas, editores da mídia impressa e TVs negociam com Google e similares a disponibilidade de seu acervo, enquanto, no caso de jornais e revistas, começa-se a cobrar pelo acesso de leitores a cardápios especiais colocados na rede. Sopa e Pipa são apenas a expressão legal, nos Estados Unidos, de um movimento maior, iniciado pela conscientização das empresas tradicionais de comunicação sobre o que de fato começava a ocorrer na sua atividade com o surgimento da internet.