Há pouco mais de dez dias, o tema dominante em Brasília era o de que a presidente Dilma Rousseff sofria um cerco de sua própria base aliada no Congresso. Alguns, como o senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), chegaram a falar em crise institucional. Bem ao seu estilo e sempre se apoiando no tema predileto - a economia -, a presidente reagiu recorrendo ao que assessores chamam de "Brasil real".
O clima político azedou quando o Senado rejeitou a indicação de Bernardo Figueiredo, uma escolha da presidente, para mais um mandato à frente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Piorou um pouco mais quando, convencida de que seus líderes no Congresso não estavam mais dando conta do recado, Dilma os substituiu sem consultar os aliados.
A reação da presidente, na avaliação de assessores, foi fulminante. No dia 19 de março, reuniu-se com 30 dos maiores empresários do país. Já planejava fazer isso desde o início do ano, preocupada que está com os fracos investimentos das empresas. Convidou pesos pesados, escolhidos a dedo e de forma a representar os vários segmentos da economia - do setor produtivo, como Jorge Gerdau (grupo Gerdau), Marcelo Odebrecht (grupo Odebrecht) e Octávio Azevedo (Andrade Gutierrez), ao financeiro, como Roberto Setúbal (Banco Itaú) e André Esteves (BTG Pactual), passando pelo capital de risco, caso de Eike Batista.
Na reunião, ouviu mais do que falou, e era essa a ideia. Dilma queria saber dos empresários por que eles não estão investindo, já que a demanda continua aquecida. A presidente saiu do encontro falando de crescimento econômico, redução de impostos e melhoria do ambiente de negócios no país. "Uma agenda do Brasil real", sintetizou um interlocutor. Nesta terça-feira, ela dá sequência à iniciativa ao anunciar um pacote de medidas de estímulo à indústria a uma plateia esperada, em Brasília, de 400 pessoas.
No mesmo dia do encontro com os empresários, Dilma concedeu longa entrevista à revista "Veja". Relatou sua experiência na arena internacional por meio de contatos com líderes como Ângela Merkel, chanceler da Alemanha; ressaltou os esforços do governo para diminuir os efeitos no Brasil da crise econômica internacional; defendeu novamente a redução de impostos. Mais uma vez, falou sobre o "Brasil real" e, pela primeira vez, abordou, embora de relance, a crise com o Congresso. "Não há crise nenhuma", declarou Dilma.
O objetivo da presidente, sustenta um assessor, não foi caçoar dos próprios aliados ou da imprensa. Ela apenas quis dar o que considera a verdadeira dimensão do problema. Atribuiu a reação ruim de aliados à troca dos líderes ao momento "tenso, natural em ano de eleições municipais", vivido pelos parlamentares.
A um assessor, Dilma admitiu, com calma desconcertante, o desconforto da relação com a base aliada, mas, numa referência às derrotas sofridas pelo governo no parlamento, fez o seguinte diagnóstico: "Não há nada que o Congresso tenha decidido que não seja reversível".
Na semana seguinte à do convescote com os empresários, a presidente fez dois movimentos simultâneos. Para o público, mostrou-se na Índia entre os líderes das potências emergentes reunidos no âmbito dos Brics. No encontro, foi a única dos cinco presidentes a falar sobre os efeitos da crise econômica nos salários dos trabalhadores e nos investimentos das empresas.
Ao falar do Irã, não repetiu o discurso marcadamente ideológico dos colegas, mas ressaltou como o ambiente político em torno daquele país está afetando artificialmente os preços do petróleo no mercado internacional. Uma ameaça à recuperação das economias, principalmente, do mundo desenvolvido. Novamente, Dilma optou, segundo um colaborador, por falar de coisas "tangíveis".
O segundo movimento, discreto e pragmático, foi a autorização para que a ministra responsável pela articulação política, Ideli Salvatti, se comprometa com a liberação dos recursos referentes às emendas feitas por parlamentares ao Orçamento de 2012. A ideia é liberar de R$ 2,5 a R$ 3 milhões por parlamentar até junho, quando legalmente se encerra o prazo para o fechamento de convênios com os municípios. Uma conta que pode chegar, no limite, a R$ 1,8 bilhão.
Foi esse compromisso que fez com que a Câmara dos Deputados votasse a Lei Geral da Copa e o Senado aprovasse o Funpresp (o fundo de pensão dos funcionalismo público federal), dois temas que afetam, observa um assessor, o "Brasil real". Bem-sucedidas, as votações ocorreram na ausência da presidente do país, uma situação de aparente risco.
Combinadas, essas ações viraram o jogo da crise. O tom da insatisfação da base aliada com o governo diminuiu. Mais do que isso, as iniciativas tiveram o objetivo de mostrar uma Dilma dedicada a questões que dizem respeito diretamente à vida da população. Ela não está revolucionando a forma de se relacionar com o Congresso, mas, do alto de sua popularidade, impõe distância ao rame-rame do jogo parlamentar.
A elevada popularidade explica bastante a postura e a força de Dilma. Ainda esta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgará a pesquisa Ibope com a avaliação da presidente e do governo. A pesquisa está pronta desde a semana passada, mas a CNI preferiu esperar o retorno de Dilma do exterior antes de divulgá-la. Os números mostram que a popularidade da presidente, que na pesquisa anterior, de dezembro, estava em 72%, aumentou.