Ação no STF pode obrigar Dilma a prever reajuste do Judiciário

Valor Econômico – 7 de maio de 2012


O procedimento adotado no ano passado pela presidente Dilma Rousseff de não incorporar as propostas do Poder Judiciário no projeto de lei de Orçamento para 2012, enviado pelo governo ao Congresso, foi considerado inconstitucional pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), no mês passado, Gurgel "exorta" a presidente Dilma a incorporar as propostas do Judiciário e do Ministério Público no projeto de Orçamento para 2013, que incluirão aquelas que dizem respeito ao aumento dos servidores e ao reajuste do subsídio de ministro do STF, que é o piso salarial do funcionalismo.


O parecer de Gurgel foi pedido pelo ministro Joaquim Barbosa, que é relator de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão da presidente da República, movida pela Associação Nacional dos Agentes de Segurança do Poder Judiciário da União (Agepoljus). A ação pede que a presidente Dilma apresente emenda modificativa ao Anexo V da proposta de lei orçamentária para 2012 e determine que o Congresso Nacional considere o orçamento do Poder Judiciário na sua formatação original, como foi encaminhado à Presidência da República.


Depois de afirmar que "parece fora de dúvida que o procedimento adotado [por Dilma] está em desconformidade com o tratamento que a Constituição confere ao tema", Gurgel observa que o Judiciário tem autonomia administrativa e financeira, existindo apenas duas restrições a essa prerrogativa: se ele não encaminhar suas propostas no prazo estipulado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o Executivo poderá considerar os valores aprovados na lei orçamentária vigente; ou se as propostas estiverem em desacordo com os limites estipulados pela LDO.


Depois de apresentar esses argumentos, o procurador-geral da República dá razão ao pedido apresentado pela Agepoljus, mas observa que o projeto orçamentário para 2012 já foi aprovado pelo Congresso e a decretação de sua nulidade "imobilizaria completamente o Estado brasileiro, já que toda e qualquer atividade está, direta ou indiretamente, sujeita à alocação de recursos previamente autorizados na lei orçamentária".


Como solução, Gurgel propõe que a presidente da República seja conclamada a cumprir a determinação legal, passando a incorporar, já no projeto orçamentário de 2013, as propostas do Judiciário e do Ministério Público da União. "A solução é a que melhor se amolda ao princípio da legalidade do orçamento, além de sinalizar uma perspectiva que põe ênfase na tarefa coletiva de zelar pela Constituição", diz o parecer.


Se a decisão do Supremo for favorável à Agepoljus, o governo terá que prever recursos no Orçamento da União do próximo ano para pagar o reajuste dos servidores do Judiciário e do Ministério Público da União, incluindo o aumento do subsídio dos ministros do Supremo, que é o teto salarial do funcionalismo público, o que representa uma despesa adicional estimada em R$ 7,7 bilhões.


Atualmente existem cinco projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados tratando dos servidores do Judiciário e do Ministério Público da União e do reajuste do subsídio dos ministros do Supremo. Quase todos com parecer favorável, mas não são votados porque o governo é contra.


A negativa da presidente Dilma de incorporar as propostas do Judiciário no projeto de Orçamento de 2012 provocou uma crise com o STF, no ano passado. Na avaliação do ministro Cezar Peluso, o episódio foi o mais difícil de sua presidência na Corte, entre 2010 e abril deste ano. "O tribunal teve que tomar uma atitude em defesa de suas prerrogativas constitucionais", afirmou Peluso, em conversa com o Valor, há duas semanas.


No STF, há pelo menos quatro precedentes dizendo que compete ao Congresso deliberar sobre a proposta de orçamento do Judiciário. "O Executivo pode dizer se é contrário ou não, mas ele tem que encaminhar (a proposta do Judiciário)", disse Peluso.


Um deles ocorreu no governo de José Sarney (1985-1989). O então presidente da República recebeu a proposta do Judiciário e não concordou com uma rubrica. Alertado por assessores jurídicos, ele encaminhou a proposta que recebeu do STF na sua integralidade. Sarney apenas ressaltou ao Congresso que não concordava com toda a proposta, mas não fez qualquer alteração. Ele deixou para o Congresso resolver e, com isso, evitou uma crise com o STF.


O outro precedente envolveu a gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). FHC se opôs a uma parte do orçamento do Judiciário, durante um AJUSTE FISCAL do governo. Antes de enviá-lo ao Congresso, o presidente fez um ofício ao STF pedindo alterações. Na ocasião, o Tribunal, sob a presidência do ministro Celso de Mello, se reuniu e resolveu colaborar com o governo. Por maioria de votos, o STF mudou a sua proposta de Orçamento. Após essas tratativas, o texto foi encaminhado ao Congresso. Nesse episódio, não houve uma crise entre os Poderes, pois FHC pediu ao Judiciário que ele fizesse a revisão de seu orçamento e o Supremo concordou.


Já o episódio envolvendo a presidente Dilma deixou Peluso e outros ministros do STF estarrecidos. Eles avaliaram que houve um descumprimento claro da Constituição pela presidente da República, em setembro, quando ela alterou a proposta de orçamento do Judiciário. "O que está em jogo não é pecúnia, não é dinheiro, não é gasto. O que está em jogo é o princípio que implica equilíbrio, que se faz ao mundo jurídico para que não haja supremacia de Poderes que estão no mesmo patamar", afirmou, na ocasião, o ministro Marco Aurélio Mello. Segundo ele, na elaboração do Orçamento o Poder Judiciário e o Executivo estão no mesmo patamar. Logo, o segundo não pode modificar a proposta do primeiro.


Após reclamação formal do STF, Dilma enviou os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, do Planejamento, Miriam Belchior, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, para o STF na tentativa de contornar o problema. Para Peluso, as relações pessoais com a presidente não foram abaladas, mas o episódio "criou uma preocupação institucional na relação entre os Poderes".