Correio Braziliense - 18/06
Planalto refaz cálculos e empurra demandas para 2014. Distorções entre as carreiras impedem concessão de aumento linear a servidores, que prometem greve geral a partir de hoje.
O baixo crescimento da economia em 2011 e neste ano e o agravamento da crise internacional, que compromete o desempenho de 2013, derrubaram as previsões do governo petista e colocaram a presidente Dilma Rousseff numa sinuca de bico para enfrentar as pressões dos servidores públicos federais, que reclamam da falta de reajuste há dois anos. Eles prometem greve geral a partir de hoje.
Depois de conceder aumentos salariais altos em curto período de tempo, que chegaram a mais de 100% para algumas carreiras, entre 2008 e 2010, fiando-se nos bons resultados do Produto Interno Bruto (PIB) — e na sua continuidade —, o governo já concluiu que não haverá recursos no Orçamento de 2013 para bancar aumentos generalizados, como o esperado. Por isso, pretende empurrar as demandas para 2014. Uma das prioridades da proposta orçamentária em elaboração é aumentar os investimentos públicos para fazer rodar a economia mais rapidamente, até para dar musculatura para Dilma se reeleger em 2014.
A revisão para baixo da expectativa de crescimento do PIB para 2012, que influi também no resultado de 2013, ameaça, inclusive, o reajuste do pessoal do Judiciário no ano que vem. Com a elevação de 20,3% dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), reatroativa a janeiro deste ano, em curso no Congresso, o governo espera segurar as pressões vindas dos demais servidores do Judiciário. Por enquanto, somente os professores e os militares deverão estar na proposta do Orçamento de 2013 que o Palácio do Planalto enviará ao Congresso até 31 de agosto.
O governo enfrenta um outro problema. Os aumentos diferenciados concedidos entre 2008 e 2010, que privilegiaram principalmente as chamadas carreiras de elite do Executivo, elevando significativamente os salários iniciais, agravaram ainda mais as distorções que já havia entre as categorias. Por isso, reajuste em 2013 para esses servidores, como da área jurídica, auditoria, ciclo de gestão e agências reguladoras, está descartado.
Qualquer ganho — mesmo o equivalente à inflação de um ano — para esses cargos eleva ainda mais a remuneração inicial e final e acirra o abismo remuneratório em relação aos demais servidores, mantendo a insatisfação do funcionalismo. "O Brasil está perdido. É uma armadilha em que nós entramos e praticamente sem saída. A única coisa que o governo pode fazer é travar o processo de reajuste, mas isso significa aumentar as pressões", afirma o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.
Abismo salarial
Um professor-cirurgião de universidade federal, com doutorado e que desenvolve pesquisas e cirurgias para a cura de doenças, como do coração e o câncer, ganha, no fim de carreira, R$ 11,4 mil, salário bem menor que o inicial de um advogado da União ou de um procurador federal, que precisa comprovar apenas dois anos de experiência na advocacia para começar recebendo R$ 15 mil, ou de um gestor, que não requer experiência e tem remuneração inicial de R$ 13,6 mil.
A comparação com o Legislativo é ainda mais gritante. Os recém-aprovados no concurso do Senado para o cargo de técnico legislativo, que exigiu apenas o nível médio, vão começar embolsando R$ 13,8 mil, mais que um cientista com doutorado em fim de carreira. Em relação ao analista legislativo, que ganha inicialmente R$ 18,5 mil, a diferença é ainda maior. Sem contar o auxílio-alimentação, que é o dobro do pago pelo Executivo, e outros benefícios.
Esses salários não incluem as gratificações por retribuição no exercício de algum cargo de chefia que, no serviço público, não obedecem necessariamente à data de ingresso. Mesmo quem tem um ou dois anos de casa apenas já recebe uma dessas funções, aumentando ainda mais o salário. Os técnicos-administrativos nas agências reguladoras, de nível médio, têm salário inicial de R$ 4,76 mil, o dobro de um analista da Previdência Social, cargo que exige curso superior e com atribuição de analisar o processo de concessão de aposentadorias e de outros benefícios aos trabalhadores brasileiros.
Paliativo
Com a Medida Provisória 568, que beneficia no total 937 mil servidores ativos e inativos, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, espera acalmar os 420 mil servidores ativos e inativos das carreiras do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE), Previdência, Saúde, Trabalho e correlatas. Os analistas, de nível superior, terão reajuste entre 21,4% e 31%, elevando o salário final de R$ 5,7 mil para R$ 7 mil — total de 84 mil. Entre eles, estão os de infraestrutura.
O problema é que esse valor — obtido só no fim da carreira — está muito abaixo do pago aos demais de carreiras similares do Executivo e também do Judiciário e do Legislativo. Até mesmo dentro do Executivo, os analistas que têm cargos de engenheiro, arquiteto, economista e geólogo estão com salário final maior, de R$ 10.209.
"Essas disparidades ocorrem porque o Executivo pulverizou muito as carreiras e ganham mais as que têm mais força de barganha", afirma Marcelo Caldas, membro da executiva da Associação Brasileira dos Servidores Públicos Federais Técnicos de Nível Superior (Abratec). "O governo deveria nivelar o vencimento das carreiras de nível superior para que possamos trabalhar nos próximos anos com aumento linear para todos", afirma Caldas.
Escolas técnicas também param
Os servidores técnicos administrativos e os professores dos institutos federais de educação tecnológica oficializam hoje um comando nacional de greve. Formado por representantes estaduais, o órgão será responsável pelas negociações com o governo, em conjunto com o movimento dos professores das universidades federais, que completaram ontem um mês parados, em 55 instituições.
A categoria reivindica, entre outros pontos, carga horária de 30 horas para os técnicos administrativos. Outras 31 entidades representativas do conjunto dos servidores federais elaboraram uma pauta unificada que serviu de referência para a negociação com o governo.