Reforma tributária, para quê? O mito

Correio Braziliense 
Autor - Mary Elbe Queiroz ****
06/11/2012

É recorrente o clamor por reforma tributária como uma salvação para o Brasil. Isso é um mito. Sai governo entra governo e ninguém sabe precisar o que é reforma tributária. Para o contribuinte, é simplificação e desoneração; para o Estado, aumento de arrecadação. Com esse conflito não se avança.

Quem reclama da carga tributária esquece-se de que ela é a medida para cobrir o custo do Estado. Ninguém quer reduzir despesas, mas todos querem reduzir tributos. Daí se falar em reforma e ela nunca acontecer. Não existe mágica: não se pode aumentar a arrecadação e os gastos e querer reduzir tributo — a conta não fecha.

A carga tributária é alta para quem paga, mas é insuficiente para o Estado prestar serviços de qualidade. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2010, comparando-se a carga tributária de 29,77% dos países do G7 e um PIB/habitante de US$ 39.675, com a brasileira, de 33,56%, e um PIB/habitante de US$ 11.314, constata-se que o Brasil precisaria arrecadar três vezes mais ou ser três vezes mais eficiente para dar o retorno social que a população necessita. A carga tributária precisaria era aumentar.

A qualidade da tributação é ruim, pois o peso dos tributos é sobre a produção. Os que ganham menos têm ônus maior. Quem ganha até dois salários mínimos (SM) paga da mais que o dobro de tributos do que aqueles que ganham acima de 30 salários mínimos. Até 2 SM paga-se 3,1% de tributos diretos e 45,8% de tributos indiretos, total de 48,8%. Já acima de 30 SM, paga-se 9,9% de tributos diretos e 16,4% de tributos indiretos, num total de 26,3%.

Acrescente-se a babel legislativa e judicial que contribui para a insegurança dos investimentos; a guerra fiscal para atrair investimentos e a ilusão da não cumulatividade do PIS/Cofins, que não desonerou a cadeia produtiva e criou um emaranhado de leis que ninguém entende.
Some o custo adicional da burocracia decorrente da complexidade e do excesso de normas, exigências de várias inscrições, papéis e procedimentos repetidos em vários órgãos federais, estaduais e municipais. Perda de tempo e de dinheiro para todos, inclusive para o Estado, criando o “tributo da insatisfação” dos que têm que cumprir esse cipoal de exigências.

Para abrir uma empresa no Brasil, gastam-se 120 dias e são mais de 18 procedimentos em 12 órgãos. Na Nova Zelândia são apenas 15 minutos. Se abrir é difícil, fechar é pior, levam-se anos. Em média, gastam-se 2.600 horas para cumprir a burocracia. Segundo o Banco Mundial (Doing Business – 2012), entre 183 países pesquisados, o Brasil, 6ª economia do mundo, está classificado entre os menos desenvolvidos com relação à facilidade de fazer negócios (126ª), abrir empresas (120ª) e fechamento de empresas (136ª).

É preciso combater a sonegação, fraudes e desvios, mas esse controle não pode alimentar a burocracia e estimular tais desvios e aumentar o gasto da sociedade.
Embora haja luz no horizonte com as desonerações tributárias, como não se pode diminuir a arrecadação, a alternativa é tornar eficiente e reduzir o gasto público, as demandas judiciais, simplificar e desburocratizar o cumprimento de obrigações.
Deve-se reduzir a quantidade de tributos. A destinação, partilha dos recursos e disputas federativas não podem gerar complexidade e ônus para quem paga. A solução é tecnológica, tome-se a ideia do Simples Nacional.

Tem-se que unificar os tributos com bases idênticas: o IRPJ e a CSLL; o PIS, a Cofins e a Cide; o IPI, o ICMS e o ISS. Dos oito, restariam três! O imposto único, ótimo para combater a sonegação, gera injustiça e distorção. É necessário transparência para saber a real alíquota dos tributos que incidem sobre eles mesmos, como o ICMS em que uma alíquota de 18% representa 21,95%.
Para simplificar, precisa-se reduzir o excesso de certidões, licenças, alvarás e declarações; e criar um só cadastro e inscrição para fins fiscais e societários. Os tributos devem ser recolhidos em um só documento e a repartição dos recursos caberia ao Estado.
Do lado dos gastos, precisa-se de racionalidade. Veja-se a saúde e a educação com obrigações e despesas repartidas e triplicadas pelas três esferas de governo sem que a população seja atendida nas suas necessidades.

Conclusão: sem saber o que é, e para que é a reforma tributária, ela não acontecerá, pois a carga tributária é baixa para o Estado e alta e injusta para quem paga, além de os serviços serem de pouca qualidade. Enfim, governo e sociedade precisam se unir em torno de proposta que consiga pelo menos simplificar o sistema e trazer bons ventos sobre custos, arrecadação, desenvolvimento, competitividade e governabilidade do país.

*** Pós-doutora e doutora em direito tributário, mestre em direito público, titular da Academia Brasileira de Ciências Econômicas e Políticas Sociais, presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários e do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil