Valor Econômico
Por Sergio Leo
15/09/14
Longe dos holofotes da campanha eleitoral, um vivo debate sobre o futuro da política externa e da política comercial brasileira anima especialistas, empresários e diplomatas no país. Como mostrou, na semana passada, um seminário sobre o tema organizado pela professora Vera Thorstensen, da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, o debate ultrapassa a discussão sobre a conveniência ou não de acordos bilaterais. E cobra respostas de atores muito presentes e pouco mencionados, como a Receita Federal.
“O Brasil precisaria ter estrutura de aduana (alfândega) separada da Receita Federal”, defendeu, no seminário, o coordenador do programa de governo da presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, Alessandro Teixeira, com a ressalva de estar falando em nome pessoal, sem compromisso com a política do futuro governo. A separação é necessária para agilizar o trânsito de mercadorias, argumentou.
Todos os grandes concorrentes do Brasil tem estruturas separadas para arrecadação de impostos e para controle de taxas sobre comércio externo, lembrou Teixeira, quadro histórico do PT e ex-secretário-executivo do ministério do Desenvolvimento. “Fiquei até surpreso ao ouvir [que há discussão sobre] isso, não acreditava que fosse acontecer; mas seria bom que fizéssemos pressões em cima dos candidatos para essa reformulação”, concordou o presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, Rubens Barbosa, engajado na campanha de Aécio Neves (PSDB) à Presidência.
Proposta de separar aduana da Receita Federal gera debate
Rubens Barbosa elogiou os “passos importantes” do governo para um “portal único”, que concentrará em um guichê a burocracia envolvida no comércio exterior. “Só que a proposta é entrar em vigor em 2017; tem de entrar no ano que vem”, cobrou.
Os dilemas do comércio exterior que envolvem a Receita não se limitam às alfândegas, porém. Barbosa lembrou a demanda por acordos que eliminem a bitributação de investimentos de empresas brasileiras com operações no exterior. Muitos dos participantes do seminário da FGV (que teve apoio do Valor) defenderam mudanças na estrutura das tarifas de importação, que aumentam custos de produtos intermediários. E criticaram a falta de um programa consistente e permanente para impedir impostos indiretos indevidos sobre exportações.
“O sistema tributário brasileiro é claramente antiexportador e gerador de assimetrias na competição doméstica”, resume o presidente da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior, José Augusto Coelho Fernandes, na nova edição da Revista Brasileira de Comércio Exterior, que começa a circular nesta semana. Enquanto no exterior os impostos indevidos são restituídos em até 30 dias após a declaração, no Brasil a “via crucis” tributária faz as empresas manter baixa a relação exportações/vendas internas para evitar acumulação de créditos contra o fisco, diz ele.
O reconhecimento dos avanços – insuficientes – do governo no tema e possíveis soluções para os efeitos negativos do custo e da burocracia tributários no comércio exterior são assunto de vários dos artigos da revista. Há medidas simples que já poderiam ter sido adotadas, como a troca de documentos em papel por controles informatizados, proposta lembrada pela ex-secretária de Comércio Exterior Lytha Espíndola, que sugere também mudança na norma “anacrônica e desatualizada” de despacho de importações, hoje só iniciado quando a mercadoria chega ao porto.
Em outro artigo, o pesquisador da Escola de Direito de São Paulo Isaías Coelho lembra a reforma tributária enviada pelo Executivo ao Congresso em 2008 para detalhar a mudança necessária nos impostos sobre a produção de forma a retirar o peso indevido dos tributos indiretos sobre as exportações.
No mundo, cerca de um terço dos impostos arrecadados sobre valor agregado é devolvido aos contribuintes, por cobrança indevida, lembra Coelho, que compara também o prazo médio de devolução no Reino Unidos – cerca de 10 dias – com o lento processo de devolução no Brasil.
A discussão sobre o efeito dos impostos no comércio exterior é particularmente importante às vésperas de um ano em que, preveem os especialistas, quem quer que ganhe as eleições deverá comandar um duro ajuste fiscal, para dar credibilidade à gestão da economia. Considerando que, especialmente nas candidaturas oposicionistas, as propostas econômicas preveem o fim de desonerações de tributo concedidas às empresas, é grande o risco de que sejam tomadas medidas de olho na situação interna sem atenção às consequências para a inserção externa do país. Uma tradição no país, aliás, como se discutiu no seminário da FGV em São Paulo.
“Não temos uma convergência clara na política macroeconômica com a política industrial e a política de comércio exterior; elas não se falam”, acusou, no seminário da FGV, o presidente da consultoria Goingglobalconsulting, Gilberto Lima Júnior, ex-executivo da Apex e da ABDI envolvido nas discussões do programa de governo da candidata à presidência Marina Silva (PSB). Repetindo um alerta levantado por outros participantes, Lima Júnior advertiu que a política para o comércio exterior tem de estar ligada a medidas para facilitar investimentos de empresas brasileiras no exterior, ainda prejudicados por custos financeiros, tributários e da burocracia.
Como lembrou Alessandro Teixeira, houve forte avanço da infraestrutura física de exportação nos últimos anos, com o Programa de Aceleração do Crescimento do governo. Um programa acelerado de remoção dos gargalos tributários também seria bem-vindo no próximo governo, quem quer que seja a eleita. Ou eleito.
Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. É autor do livro “Ascensão e Queda do Império X”, lançado em 2014. Escreve às segundas-feiras