Correio do Povo - 30 de março de 2015
Investigadores da Operação Zelotes, que desarticulou esquema de corrupção para apagar ou reduzir multas de grandes empresas em discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), defendem a extinção ou uma ampla reformulação do órgão, uma espécie de "tribunal" da Receita Federal. As investigações demonstraram que o atual modelo do Carf, sujeito à influência do setor privado e sem controle de atividades, favorece as fraudes.
O esquema pode ter desviado R$ 19 bilhões dos cofres públicos entre 2005 e 2015, segundo a Polícia Federal e a Procuradoria da República no Distrito Federal. O Ministério da Fazenda anunciou que vai instaurar processos administrativos de responsabilização contra empresas envolvidas. O Banco Central informou que acompanha a situação das instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional (SFN).
O jornal "O Estado de S. Paulo" revelou no sábado que entre as empresas investigadas por negociar ou pagar suborno a conselheiros para reverter multas da Receita estão gigantes de vários setores, entre eles os bancos Bradesco, Santander, Safra e Bank Boston; as montadoras Ford e Mitsubishi; a BRF, do setor alimentício; além dos grupos gaúchos RBS, Gerdau e Marcopolo. As empresas negam envolvimento.
Em nota, a Fazenda informou que estão sendo instaurados "processos administrativos de responsabilização contra as empresas envolvidas". A pasta não se pronunciou sobre a lista divulgada pelo jornal, justificando que o caso está sob sigilo.
Extinção do Carf
Na Polícia Federal, delegados que atuam nas investigações defendem a extinção do Carf por se tratar de um modelo suscetível à corrupção, uma vez que não há controle de suas atividades. Na avaliação dos investigadores, o ideal seria que as empresas recorressem à Justiça, que tem várias instâncias. No Carf, as decisões são tomadas em última instância por conselheiros indicados pelos próprios contribuintes, por meio das confederações empresariais, além de nomes indicados pelo Ministério da Fazenda.
O jornal apurou que os conselheiros indicados pelos contribuintes eram pressionados pelas confederações a votar sempre a favor dos recursos; caso contrário, poderiam ser substituídos ou seus mandatos não eram renovados. Numa sessão em que participam seis conselheiros, os três votos dos indicados pelos contribuintes já eram computados como contrário às multas da Receita. Bastava o esquema criminoso corromper um conselheiro dos três indicados pela Fazenda, por exemplo, para ter quatro votos pela anulação ou redução das multas. Com isso, os processos eram "julgados", com a presença de advogados das partes, o que garantia ares de legalidade ao trâmite.
O presidente do Movimento de Defesa da Advocacia, Marcelo Knopfelmacher, afirma que "tribunais" como o Carf têm de ser aperfeiçoados, mas não extintos. Em nota ao jornal, ele sustenta que, apesar dos "defeitos", esses órgãos colaboram para conter a "voracidade fiscal" no Brasil. Ele argumenta que, não raramente, o Fisco abusa nas acusações fiscais, o que justifica a avaliação dos casos por colegiados "técnicos e paritários", compostos por representantes do poder público e dos contribuintes, como ocorre no Carf.
Em nota divulgada na semana passada, o Ministério da Fazenda informou ter iniciado uma reforma para garantir "maior transparência, previsibilidade, celeridade e segurança" nas ações do Carf. Entre as medidas estão: uso de sistema eletrônico para distribuir processos aos colegiados e para os conselheiros, mediante sorteio; conversão do pedido de vista individual, para exame do processo em uma única concessão de vista coletiva; revisão dos critérios para a qualificação e seleção de conselheiros e a criação do Comitê de Ética do Carf.