Correio Braziliense - 29 de maio de 2015
Líderes dos principais partidos na Casa se mostram favoráveis em acabar com a regra que permite um segundo mandato para presidente, governadores e prefeitos. Texto já foi aprovado na Câmara
O fim da reeleição para os cargos executivos de presidente da República, governadores e prefeitos, aprovado em primeiro turno na noite de quarta-feira, na Câmara dos Deputados, não deve enfrentar resistência no Senado Federal. Os líderes dos principais partidos políticos na Casa, incluindo PT, PMDB, DEM e PSDB, já se mostraram inclinados a defender a matéria em plenário. As legendas começaram a costurar a possibilidade de um consenso relativo ao tema.
Para chegar ao Senado, o artigo que trata desta questão na reforma política (PEC 182/07) ainda precisa ser aprovado em segundo turno na Câmara dos Deputados. Na primeira etapa, a medida foi acolhida com o apoio majoritário das bancadas: 452 votos a favor, 19 contra e uma abstenção. Foi a maior diferença registrada entre os pontos votados até o momento.
Na manhã de ontem, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), defendeu a aprovação. "O fim da reeleição é uma posição amplamente majoritária no partido. Até porque é uma posição da Executiva nacional. A medida, com mandato de cinco anos, é uma das propostas formais do PSDB", afirmou. O tucano disse que liberaria a bancada para preservar o voto daqueles que tenham uma posição contrária. "A medida permite o surgimento de novas lideranças políticas e impede o uso criminoso da máquina pública."
Líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE) afirmou que o partido tem uma posição histórica contra o instituto da reeleição. "A última decisão do partido em relação ao tema foi tomada lá atrás, nos anos 1990. De lá para cá, nunca houve uma revisão formal dessa decisão. É fato que, hoje, algumas pessoas dentro do PT defendem a reeleição, a exemplo do ex-presidente Lula e do presidente do PT Rui Falcão." O petista disse ser a favor da proposta aprovada na Câmara, mas ressaltou que não é uma questão fechada no partido. "Ainda vou conversar com a bancada", disse.
O PMDB deve fechar questão para votar do mesmo jeito que o partido se posicionou na Câmara. O líder da legenda do Senado, Eunício Oliveira (CE), por meio da assessoria de imprensa, comunicou que votará favoravelmente à determinação aprovada pelos deputados na quarta-feira.
O senador Agripino Maia, líder do DEM, salientou que o partido não fecha questão em relação a temas desse tipo. No entanto, alegou acreditar que haverá consenso no Senado para votar a matéria.O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que só vai se posicionar sobre o tema quando o pacote da reforma política chegar à Casa. Nos bastidores, ele trabalha também para aprovar o financiamento empresarial para partidos. "Já votamos algumas reformas políticas que foram mandadas para a Câmara. Já votamos este ano, por exemplo, o fim das coligações proporcionais. A prudência recomenda que aguardemos a Câmara concluir a votação. O importante é construirmos um acordo de procedimentos para concluir a reforma."
O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Tofoli ressaltou que a Justiça Eleitoral terá menos demanda. "Sem fazer juízo de valor, se isso é melhor ou pior, há um dado concreto: isso diminui o número de processos na Justiça porque há muitos processos que envolvem a ideia de uso da máquina, medidas e programas que são criados para fins eleitorais no ano de eleições."
Financiamento
O texto aprovado faz parte do relatório do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). A determinação não se aplicará para governadores eleitos em 2014 e prefeitos que venceram as eleições em 2012. Em relação ao cargo de presidente da República, já não haveria possibilidade de reeleição, uma vez que Dilma Rousseff (PT) foi reeleita no ano passado.
Outro tema aprovado, o financiamento empresarial, deve sofrer maior resistência no Senado. Humberto Costa classificou como golpe a condução da matéria. PMDB, DEM e PSDB trabalham para aprovar a proposta. Na noite de ontem, o ministro do STF Gilmar Mendes disse que vai apresentar o voto sobre a ação que trata do financiamento de campanha até o final de junho. Ele afirmou também que a tramitação da matéria no Congresso não interfere no julgamento do Supremo.
O instituto da reeleição foi aprovado no Brasil em 1997, a partir de uma PEC apresentada pelo deputado Mendonça Filho (DEM-PE), que, na quarta-feira, votou contra a aprovação da proposta que acabou com a medida. Até então, nunca, no país, um presidente, governador ou prefeito poderia ser reeleito. A medida, que viabilizou a segunda gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), passou a permitir o mecanismo apenas uma vez para um mandato subsequente e sem restrição para um pleito não consecutivo. Nas eleições presidenciais do ano passado, os ex-presidentes Lula e FHC trocaram farpas relacionadas ao tema. O petista disse, em discurso, que houve compra de votos para que a emenda da reeleição fosse aprovada. O tucano reagiu dizendo que Lula tinha levado "a campanha para níveis tão baixos". Os críticos da determinação argumentam que a possibilidade de reeleição acentua a utilização da máquina pública nas campanhas eleitorais e ainda faz com que o mandatário se desvie das suas funções de gestor para focar na campanha eleitoral. Os defensores alegam que apenas quatro anos não é tempo suficiente para produzir mudanças no país, estado ou município. Defendem a continuidade da gestão como um elemento para melhorar a eficácia da aplicação de políticas públicas e programas sociais.
A passos muito lentos
Com apenas três pontos aprovados até o momento, fim da reeleicão, financiamento empresarial para partidos e cláusula de barreira, a reforma política brasileira caminha a passos lentos. Essa é a opinião de cientistas políticos ouvidos pelo Correio. Na prática, de acordo com eles, a Câmara não está votando uma profunda modificação nos mecanismos políticos do Brasil.
Sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Baía disse que os deputados estão trocando seis por meia dúzia. "Se criou uma expectativa muito grande no Brasil. O fato é que é muito pouco o que foi feito até agora. Na prática, a única coisa que mudou foi o fim da reeleição", afirmou. Ele reconheceu como ponto positivo o debate que se criou no país. "Isso é importante. Sou um otimista, e a discussão em relação a esse tema é muito boa para o Brasil. É positivo para a democracia brasileira", salientou.
O cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Denis Rosenfield avaliou que os deputados estão protagonizando uma grande encenação. "Não existe nenhuma reforma política sendo votada no Brasil. Isso é um grande teatro", ressaltou. De acordo com ele, o modelo de financiamento aprovado é praticamente o mesmo que já existe no Brasil. "As empresas vão doar para os partidos, e as legendas passam para os candidatos. Qual a mudança? Essa triangulação já é feita."