PMDB e PSDB articulam votações que reduzem poder do Executivo

O Globo - 03 de junho de 2015

Aliança tácita é para aprovar pauta que beneficia estados e municípios
RIO - É paradoxal: abalado por uma crise de confiança pública, e com os presidentes da Câmara e do Senado e outros 32 parlamentares sob investigação por suspeita de corrupção na Petrobras, o Congresso Nacional faz uma demonstração de força política sem paralelo nas últimas duas décadas.
Numa aliança tácita, o PMDB e a oposição capitaneada pelo PSDB resolveram estabelecer até julho uma agenda prioritária de votações de projetos no Senado e na Câmara que, na essência, promoveriam uma redistribuição de recursos, funções e tarefas entre União, estados e municípios já a partir de 2016, ano de eleições municipais.

Cinco medidas:

Planejam aprovar no segundo semestre duas dezenas de mudanças legislativas para:

1) Atenuar a situação de insolvência de governos estaduais e prefeituras;

2) Impedir o governo federal de criar novos programas e repasses de encargos aos estados e municípios - incluídos os pisos salariais de funcionários públicos -, sem os recursos correspondentes;

3) Delegar a competência do Congresso às Assembleias para legislar sobre a condução de inquéritos policiais;

4) Obrigar o governo federal a reinvestir na área de saneamento básico toda a receita de tributos recolhidos nesse setor;

5) Punir gestores federais responsáveis pelos atrasos em transferências de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e de fundos de compensação de isenções fiscais concedidas às exportações.

A principal consequência desse pacote, se aprovado, será uma virtual redução do poder do Executivo, subtraindo-lhe fatias significativas do Orçamento a partir do ano que vem.

Esse ativismo legislativo atende a múltiplas conveniências de alguns partidos governistas e da oposição em geral, de governadores e de prefeitos que pretendem ter influência nas próximas eleições. O objetivo comum é a ampliação do isolamento político do PT e do governo Dilma Rousseff.

Pelo PMDB, a iniciativa é dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), com discreto aval do vice-presidente da República Michel Temer (SP).

Calheiros e Cunha combinaram duas formas básicas de procedimento: atuação conjunta, sem competição e com foco na agilização das decisões sobre projetos considerados prioritários, com algumas votações começando na Câmara e outras no Senado.

Pelo PSDB envolveram-se diretamente nas negociações três ex-candidatos à Presidência da República: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senadores Aécio Neves e José Serra.

Nas últimas duas semanas desenhou-se um leque de propostas de interesse comum de estados e municípios, que convergem para a redução de poderes e de receitas da União. Na quarta-feira 20 de maio, em Brasília, Calheiros e Cunha se reuniram com 23 governadores e outros quatro representantes estaduais. O encontro havia sido sugerido por Pedro Taques (PDT), governador do Mato Grosso.

Dali surgiu a primeira escolha de projetos - a maioria já está em tramitação no Congresso. Escolheu-se um governador de cada região para uma coordenação informal com os senadores José Serra (PSDB-SP) e Romero Jucá (PMDB-RR). Na semana passada foi a vez dos prefeitos, cujo lobby está organizado em torno da Confederação Nacional de Municípios. Cunha destacou os deputados Danilo Forte (PMDB-CE) e André Moura (PSC-PE) para as conversas.

Por consenso, no segundo semestre, a Câmara decidiria sobre uma emenda constitucional proibindo a criação de programas nacionais com transferência de encargos aos governos estaduais e prefeituras sem a correspondente previsão de recursos no Orçamento federal.

A opção é um projeto (PEC 172/2012) do deputado Mendonça Filho (DEM-PE) que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, encontra-se numa Comissão Especial e, eventualmente, poderá entrar na pauta de votações em plenário às vésperas do recesso de julho.

Se aprovada, na prática bloquearia iniciativas do Palácio do Planalto, como a recente definição, por lei federal, de pisos salariais para as principais categorias do funcionalismo público estadual e municipal, como é o caso dos professores, principal item na folha salarial de estados e municípios. A norma federal levou à ampliação do número de professores, sobretudo nas redes estaduais, sem contrapartida financeira proporcional da União.

A situação de insolvência de governos estaduais e municipais será tratada por tópicos. Um dos prioritários é a definição da correção de dívidas com a União. No primeiro trimestre, a Câmara aprovou uma regulamentação dando um ultimato à União para assinar em um mês os contratos de refinanciamento a estados e municípios. Prudente, o Senado mudou as condições, estabelecendo prazo até janeiro de 2016 - com efeitos financeiros retroativos a janeiro deste ano -, e abrindo a possibilidade de utilização de recursos de depósitos judiciais.

Um exemplo da disposição política para socorrer governadores e prefeitos, a partir de uma redistribuição de receitas hoje concentradas na União, foi dado pelo Senado na quarta-feira passada. O Senado resolveu atropelar o governo federal diante da constatação de atrasos constantes nos repasses de royalties de petróleo (cerca de R$ 4 bilhões), de compensações às exportações (da Lei Kandir, R$ 2 bilhões) e de recursos do SUS (R$ 7 bilhões).

Aprovou, em apenas 24 horas, autorização para que governadores e prefeitos contratem empréstimos no país ou no exterior com base na arrecadação futura de royalties. Ou seja, abriu-se a porta para as operações de antecipação de receita, que estavam vetadas pela União há quase duas décadas. Os senadores concederam R$ 3,4 bilhões em créditos a governos estaduais, como os do Rio e do Espírito Santo, na mesma semana em que aprovaram cortes de R$ 3 bilhões nas despesas federais.

Essa demonstração de força do Congresso pode até não resultar no êxito imaginado por seus protagonistas. É certo, porém, que se trata de ação inédita em um Legislativo abalado por suspeitas de corrupção. É certo, também, que iniciativas do gênero somente se tornaram possíveis por causa da debilidade política demonstrada pelo governo Dilma Rousseff