Deputadas relatam resistência de bancadas conservadoras à cota para mulheres

O Globo - 05 de junho de 2015

RIO — A proposta de cota de 30% das cadeiras do Legislativo para as mulheres está no texto da reforma política e na fila para ser votada na Câmara dos Deputados. Mas, segundo integrantes da bancada feminina da Casa, as bancadas da segurança pública, evangélica e do agronegócio, conhecidas como bancada BBB (bala, bíblia e boi), estão resistentes a votar a favor da mudança.

Segundo a deputada federal Soraya Santos (PMDB-RJ), para conseguir votos favoráveis, as deputadas gravaram vídeos com depoimentos dos parlamentares que apoiam a cota. Elas também pediram aos líderes partidários que não influenciem o voto dos deputados. Em sua página no Facebook, Soraya reuniu fotos de 80 deputados que seriam favoráveis à proposta.

— Alguns líderes conservadores querem que o deputado diga que “não, não e não”. Temos pedido para que o líder possa liberar as bancadas e que haja um voto do deputado como cidadão. As bancadas mais conservadores resistem, mas estamos fazendo uma pressão — afirmou.

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) confirma que o protagonismo da resistência parte das bancadas do agronegócio, da evangélica e da Frente Parlamentar de Segurança Pública. Alice afirma que a cota é tida por alguns deputados como uma “política de gênero”, em que as mulheres entrariam sem voto.

Ela diz, entretanto, que se o partido conquistar no mínimo três vagas e os dois candidatos mais votados forem homens, a terceira vaga será ocupada pela candidata mulher mais votada. Mas isso só ocorrerá se a mulher atingir o mínimo de 10% do quociente eleitoral. Já, se as duas candidatas mais votadas do partido forem mulheres, o homem mais votado ocupa a terceira vaga.

— O que eles estão dizendo não é verdade. Repare que não há abuso: se entre os três candidatos mais votados já haver uma mulher, a cota não é usada. O que nós realmente queremos é que possa ser pago esse déficit com a mulher, que se tornou uma cidadã tardiamente — ressalta.

Já Soraya afirma que os deputados estão dando uma ‘’desculpa’’, ao dizerem que a disputa entre homens e mulheres ficaria desigual:

— Se a gente tivesse preocupação com o deputado que entra com menos votos, nós teríamos feito uma mudança no sistema eleitoral. Eu, por exemplo, votei no distritão. Era justamente para os mais bem votados estarem lá. Mas perdeu. O nosso sistema eleitoral permite que um deputado se eleja e traga, por exemplo, mais seis com ele. Então, na verdade, essa não é uma preocupação em relação à mulher, é uma desculpa para não fazer a inclusão.

Há 51 deputadas federais na Câmara dos Deputados, cerca de 10%. Segundo dados da bancada das mulheres, se a cota tivesse sido usada nas últimas eleições, o percentual subiria para 16 %.

Sobre a hipótese de que os deputados possam buscar uma forma de vetar o ponto do texto, as duas preferem não acreditar.

— Não há nenhuma informação sobre isso. Tudo é possível, mas o roteiro com as cotas já foi proferido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Se houver, nós vamos protestar veementemente. Não terá o nosso acordo.

Para Soraya, Cunha deve cumprir com a proposta anterior à sua eleição:

— O presidente se elegeu com a promessa de colocar em pauta os assuntos relevantes para a sociedade. Eu não posso nem acreditar que isso possa acontecer.

Integrante e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, o deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS), disse, em nota, que não concorda com a retirada do dispositivo da cota mínima de 30% de mulheres e que defende a manutenção desse item.

Os deputados Éder Mauro Cardoso (PSD-PA), Laerte Bessa (PR-DF), Nilson Leitão (PSDB-MT), Washington Reis (PMDB-RJ), Irmão Lázaro (PSC-BA), e Capitão José Augusto Rosa (PR-SP) foram procurados para comentar o assunto, mas não retornaram o contato.

COTA PARA MULHERES EM OUTROS PAÍSES

De acordo com levantamento feito pela bancada feminina da Câmara e do Senado e pela Procuradoria Especial da Mulher, a reserva de cadeiras nas casas legislativas já acontece no Afeganistão, Bangladesh, China, Eritreia, Jordânia e Quênia. Para isso, os países adotam a seguinte forma de distribuição: as vagas são preenchidas por meio de uma lista eleitoral à parte, composta apenas de mulheres, e os assentos são distribuídos de acordo com a votação que cada partido obtém em relação à lista.

Outro tipo de cota para o gênero está na reserva de cotas para candidaturas nas chapas partidárias. É o caso do sistema de cotas atual do Brasil. Por lei, no mínimo 30% das vagas de cada partido ou coligação devem ser preenchidas por candidaturas de mulheres. A reserva nas candidaturas também é definida por lei na Argentina, Bolívia, Equador, França, Irlanda e México.

O estudo, no entanto, questiona a cota atual:

"A aplicação da lei não é suficiente para que haja incremento na quantidade de cadeiras ocupadas por mulheres.É preciso capacitar, criar programas de apoio, além de realizar campanhas de incentivo, a fim de despertar as condições para que elas participem dos processos decisórios do país. É necessário ainda dar acesso a recursos de financiamento de campanha, abrir espaços nos partidos políticos para a atuação das mulheres, assegurar em lei ações punitivas aos partidos que não cumprem o que determinam as ações positivas, entre outras medidas", diz o documento.