Ajuste fiscal cria ruído entre ministros da Fazenda e do Planejamento

Correio Braziliense - 14 de julho de 2015

As duas principais pastas da Economia já não falam a mesma língua em vários assuntos. Proposta de criar bandas para superavit primário deixou Joaquim Levy bastante irritado, a ponto de pedir que Dilma negasse mudança na meta fiscal deste ano
 
Já foram melhores - e muito - as relações entre os ministérios da Fazenda e do Planejamento. Quem acompanha de perto o dia a dia de Joaquim Levy garante que ele não anda nada satisfeito com auxiliares de Nelson Barbosa, que vêm estimulando a adoção, pelo governo, de medidas que vão contra o ajuste fiscal de que o país tanto precisa para resgatar a confiança dos agentes econômicos. "A dissonância é clara. E o descontentamento de Levy, também", disse um técnico do governo.

O ápice do descontentamento de Levy se deu no fim de semana, com a proposta do Planejamento de criar uma banda de variação do superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida). A medida, no entender do ministro da Fazenda, é mais uma tentativa de estimular a desconfiança de investidores de que o governo está recorrendo a manobras para não cumprir a meta de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.

Para o ministro da Fazenda, cada proposta que levante dúvidas sobre o compromisso do governo com o ajuste fiscal abre brechas para que aqueles que defendem gastos maiores ganhem espaço no debate. Há focos contra um ajuste mais duro no Planejamento, na Casa Civil e, sobretudo, no Congresso, onde a bancada petista não economiza nas críticas ao ministro. Levy fez chegar seu descontentamento com as bandas de superavit à presidente Dilma Rousseff, que estava na Itália. Não por acaso, ela frisou que a meta fiscal, de 1,1% do PIB, não mudará.

Na semana passada, Levy ressaltou a Dilma a contrariedade com outro projeto encampado pelo Planejamento, o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), com o intuito de evitar uma onda de demissões. Pelas regras, os salários e as jornadas serão reduzidas em até 30%, com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), apoiado pelo Tesouro Nacional, bancando parcela do contracheque. No entender de ministro, o PPE tem vícios, pois estimula privilégios - poucos setores devem ser beneficiados - e atrapalham o ajuste fiscal.

Apesar do descontentamento, Levy vem mantendo uma relação bastante cordial com o ministro da Planejamento, Nelson Barbosa. "O problema está abaixo de Barbosa", afirmou um técnico do governo. Ele lembrou que, para o chefe da Fazenda, o momento é de reconstruir a credibilidade da administração petista e não de transformar a gestão em uma disputa de egos, para se demonstrar poder. "O maior perdedor é o país, que pode caminhar mais rapidamente para o rebaixamento pelas agências de classificação de risco", emendou

O ministro da Fazenda sabe que paga o preço de não dourar a pílula do ajuste fiscal. Entende perfeitamente que se está adotando medidas duras para arrumar a casa destruída nos últimos anos por manobras nas contas públicas que acabaram no Tribunal de Contas da União (TCU). Por isso, não conta com o apoio do PT, o maior partido da base da presidente da República. Barbosa, por sua vez, é bem-visto entre os petistas, o que faz com que seus auxiliares acabem criando ruídos que só atrapalham os planos do governo de resgatar a confiança.

A ideia de Dilma quando nomeou Levy para a Fazenda e Barbosa para o Planejamento era justamente evitar o pensamento único na equipe econômica. "O debate é fundamental", destacou um integrante do Palácio do Planalto. "Mas, num momento tão difícil, de graves crises política e econômica, o melhor seria não provocar rusgas justamente em uma área crucial para o governo", acrescentou.