O Globo - 17 de julho de 2015
A acusação contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), feita pelo consultor Júlio Camargo à Justiça preocupou o governo Dilma Rousseff e pôs em alerta aliados do deputado. Após um semestre de derrotas na Câmara, o Palácio do Planalto prevê um cenário ainda pior a partir de agosto, com possíveis retaliações. No caso dos aliados de Cunha, a delação de Camargo e os rumores de que poderão surgir mais fatos contra Cunha os obrigam a repensar sua ação - o mesmo desafio de partidos de oposição, como PSDB e DEM, que se uniram a Cunha para derrotar o PT e Dilma na Casa.
Apesar de Cunha ser um dos principais algozes do governo, o Planalto não comemorou o revés sofrido por ele. Para um ministro do núcleo político, o impacto será "ruim" para Dilma.
- O governo precisa de paz - disse esse ministro.
O próprio Cunha, em café da manhã com jornalistas, antes da delação de Camargo se tornar pública, sinalizara que o governo viverá dias difíceis , após o fim do recesso parlamentar:
- Os deputados vão ficar duas semanas com o povo nas bases nos ouvidos deles, ouvindo reclamações sobre desemprego, então tendem a voltar ainda mais duros em relação ao governo.
Ele também admitiu analisar o pedido de impeachment de Dilma, entregue pelo Movimento Brasil Livre:
- Pedi pareceres de outros juristas fora da Casa para formar meu convencimento.
Um auxiliar de Dilma afirma que o enfraquecimento da liderança de Cunha gera um ambiente de instabilidade institucional, dificultando ainda mais a vida da presidente, que tenta implementar agenda positiva e concluir o ajuste fiscal.
- As novas acusações contra o presidente da Câmara aumentam a instabilidade institucional, o que nunca é bom para o governo. O governo precisa de céu de brigadeiro para conseguir desenvolver suas ações. A presidente não vai melhorar sua aprovação com base no quanto pior, melhor. E o governo não vai acordar amanhã, um dia depois de Cunha ser alvejado, com mais facilidade para governar - argumenta.
Aliados de Cunha afirmam que a tendência será que ele parta para cima da presidente. Em conversas reservadas, ele diz que não "cairá sozinho". Desde que foi incluído pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na lista de investigados da Lava-Jato, Cunha acusa o governo de trabalhar para enfraquecê-lo.
Beneficiários da condução de Cunha na Câmara, integrantes da oposição dizem que agirão com responsabilidade.
- Reconhecemos a delação premiada como melhor instrumento, pois, sem ela, não estaríamos no nível de apuração que estamos. Mas, assim como aconteceu com as delações que citam a presidente Dilma, a oposição não entrou com pedido de impeachment. O mesmo cuidado e responsabilidade teremos com outras autoridades - disse o vice-líder do PSDB, Nilson Leitão (MS).
Com a Câmara entrando em recesso parlamentar, sem sessões plenárias, o único a falar ontem sobre a crise, em sessão esvaziada no plenário, foi Ivan Valente (PSOL-SP). Ele pedirá, em agosto, na volta dos trabalhos, que Cunha deponha na CPI da Petrobras. O PSOL, porém, aguardará a evolução dos fatos para acionar a Corregedoria e o Conselho de Ética da Câmara.
No fim da manhã, antes de O GLOBO publicar a informação sobre a delação de Camargo, um grupo de parlamentares, exibindo cartazes no Salão Verde, atacaram a gestão de Cunha. Deputados de PSB, PSOL, PPS e PT criticaram, em sua visão, a forma autoritária na condução das votações. Cunha ironizou o protesto, dizendo se tratar de "choro de perdedor"