El Pais - internacional, 14 de dezembro de 2017
Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo. É o que indica a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. O grupo, composto por centenas de estudiosos, disponibiliza nesta quinta-feira um banco de dados que permite comparar a evolução da desigualdade de renda no mundo nos últimos anos.
Os dados sobre o Brasil se restringem ao período de 2001 a 2015, e são semelhantes em metodologia e achados aos estudos pioneiros publicados pelos pesquisadores brasileiros Marcelo Medeiros, Pedro Ferreira de Souza e Fábio Castro a partir de 2014. No caso de Souza, pesquisador do IPEA, o trabalho construiu série histórica sobre a disparidade de renda no Brasil desde 1926. A World Wealth & Income Database (base de dados mundial de riqueza e renda) aponta que o 1% mais rico do Brasil detinha 27,8% da renda do país em 2015, enquanto no estudo do brasileiro, por diferenças de metodologia, a cifra é 23%.
Segundo os dados coletados pelo grupo de Piketty, os milionários brasileiros ficaram à frente dos milionários do Oriente Médio, que aparecem com 26,3% da renda da região. Na comparação entre países, o segundo colocado em concentração de renda no 1% mais rico é a Turquia, com 21,5% em 2015 — no dado de 2016, que poucos países têm, a concentração turca subiu para 23,4%, de acordo com o levantamento.
O Brasil também se destaca no recorte dos 10% mais ricos, mas não de forma tão intensa quanto se observa na comparação do 1% mais rico. Os dados mostram o Oriente Médio com 61% da renda nas mãos de seus 10% mais ricos, seguido por Brasil e Índia, ambos com 55%, e a África Subsaariana, com 54%.
A região em que os 10% mais ricos detêm menor fatia da riqueza é a Europa, com 37%. O continente europeu é tido pelos pesquisadores como exemplo a ser seguido no combate à desigualdade, já que a evolução das disparidades na região foi a menor entre as medidas desde 1980. Eles propõem, de maneira geral, a implementação de regimes de tributação progressivos e o aumento dos impostos sobre herança, além de mais rigidez no controle de evasão fiscal
O grupo de economistas reconhece que existe "grandes limitações para nossa capacidade de medir a evolução da desigualdade". Muitos países não divulgam ou sequer produzem dados detalhados sobre renda ou desigualdade econômica. A pesquisa se baseia, portanto, em múltiplas fontes, como contas públicas, renda familiar, declaração de imposto de renda, heranças, informações de pesquisas locais, dados fiscais e rankings de patrimônio. O brasileiro Pedro Ferreira de Souza concorda: "Na minha tese, do ano passado, o Brasil também aparece em primeiro na concentração de renda no topo, mas não gosto de falar em campeão mundial porque há muito ruído e incompatibilidade nos dados. Prefiro dizer que está sem dúvida entre os piores", diz o pesquisador, cujo trabalho se tornará livro no ano que vem por ter recebido o Prêmio Anpocs de Tese em Ciências Sociais.
Investimentos
Os pesquisadores que trabalham sob a grife de Piketty, que se tornou mundialmente famoso com a publicação em inglês de O Capital no Século XXI, em 2014, destacam ainda a importância de investimento público em áreas como educação, saúde e proteção ambienta. Mas chamam atenção para a perda de poder de influência dos governos dos países mais ricos do mundo.
"Desde os anos 1980, ocorreram grandes transferências de patrimônio público para privado em quase todos os países, ricos ou emergentes. Enquanto a riqueza nacional aumentou substancialmente, o patrimônio público hoje é negativo ou próximo de zero nos países ricos", diz a pesquisa. Segundo os autores, isso obviamente limita a capacidade dos governos de combater a desigualdade.
Para os pesquisadores, o combate à desigualdade econômica pode contribuir inclusive para o combate à pobreza — que caiu no mundo nos últimos anos, inclusive no Brasil. "A pobreza é essencialmente uma forma de desigualdade. Não acho possível separar as duas", diz Marc Morgan Milá, responsável pela parte do Brasil na pesquisa. Para ele, a meta deveria ser promover um crescimento mais balanceado, em vez do cenário de livre mercado em que os mais pobres se beneficiam de forma modesta dos ganhos dos mais ricos.