El País
Brasil
Críticas públicas do presidente colocam na parede seu último superministro enquanto Governo discute futuro dos programas sociais. Defesa deve capturar recursos que eram do MEC
Se não bastasse a dificuldade em se elaborar uma peça orçamentária que atenda aos interesses de grupos quase antagônicos, como os técnicos liberais do Governo e os políticos do Centrão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, passou a ser alvo de uma escalada de críticas vindas de seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A razão da fritura pública foram suas propostas para atender a uma ordem suprema, a de extinguir o programa Bolsa Família, uma marca dos anos do PT, criando o Renda Brasil com um valor de 300 reais mensais para até 20 milhões de famílias. Um aumento de quase 58% no valor destinado para os beneficiários. Tudo isso enquanto o Governo tem que decidir, de maneira intrinsecamente relacionada, que futuro dará ao auxílio emergencial da pandemia, cuja última parcela de 600 reais a 67 milhões de brasileiros começou a ser paga nesta sexta-feira.
O presidente deu três dias para Guedes levar uma nova proposta. O prazo encerra-se neste fim de semana. Na segunda-feira, acaba o período para a apresentação da peça orçamentária de 2021 no Congresso Nacional. Se seguir a tradição, Guedes deverá entregar a proposta em mãos para o presidente do Legislativo, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ocorre que os senadores estão descontentes com o ministro, desde que ele disse que o senado tinha cometido um “crime contra o país” ao tentarem derrubar um veto presidencial que impedia reajuste salarial ao funcionalismo público no próximo ano.
O que se espera é um documento que contemple muito a Defesa e pouco outras áreas. Entre parlamentares há a expectativa de que os recursos da Defesa saltem de 73 bilhões de reais para 108 bilhões de reais. Enquanto que da Educação sofra uma redução de 103,1 bilhões de reais para 102,9 bilhões de reais.
“Há um déficit muito grande na área militar. Mas estamos em um momento de pós-pandemia, de pós-guerra. É uma discussão que temos de fazer com eles. Mas não é o momento de agradar os militares. É hora de todo mundo dar a sua contribuição”, ponderou o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). Líder do DEM, esse parlamentar será o presidente da Comissão Mista de Orçamento que ainda será instalada para se debater as finanças de 2021.
Pelo que chegou aos parlamentares, parte dos recursos que engrossaria os cofres das Forças Armadas seria transferida da Educação para a criação de escolas cívico-militares. Algo que não é bem avaliado por especialistas do setor. “É trocar o certo pelo duvidoso. Do ponto de vista educacional, não se tem evidência da efetividade deste gasto. Não está provado que é melhor investir em escolas cívico-militar do que em escola de tempo integral ou qualquer outra iniciativa que conhecemos”, diz Felipe Poyares, assessor de relações governamentais da
De superministro a enfraquecido
A fritura de Guedes segue um roteiro já visto anteriormente. É parecido com o que ocorreu com seu outro “superministro”, o ex-juiz Sergio Moro, que se demitiu da Justiça por uma suposta tentativa de interferência do presidente na Polícia Federal, ou com Luiz Henrique Mandetta, que foi demitido da Saúde por discordar da postura negacionista do mandatário no enfrentamento da pandemia. A sequência é mais ou menos essa. Bolsonaro primeiro dá demonstrações de apoio quase inconteste ao seu assessor. Depois passa a fazer pequenas críticas. Em dado momento, intensifica esses ataques ―Guedes está neste estágio. A próxima etapa afirma que não lhe deixam governar ou que os resultados não foram o esperado. Por fim, demite ou vê seu ministro pedir demissão.
A gestão financeira de Guedes também esteve no centro de uma disputa política que ganhou os holofotes nesta sexta-feira, quando o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Ricardo Salles, comunicou que suspenderia todas as operações de combate às chamas nas florestas brasileiras por falta de dinheiro. A pasta alegou que o Ministério da Economia de Guedes bloqueara a verba para o enfrentamento dos incêndios. Mas o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, acusou Salles de ter se “precipitado” e negou que faltassem verbas. Horas depois, a Ministério do meio Ambiente recuou do anúncio e disse que manteria as operações.
Apesar de não haver a segurança de que Paulo Guedes deixará o Governo, Bolsonaro já começou a receber sugestões de nomes para assumir o caixa da União. Os mais cotados, em caso de queda, são o ministro do Desenvolvimento Social, Rogério Marinho, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Marinho é um ex-deputado federal pelo PSDB do Rio Grande do Norte. Ele relatou a reforma trabalhista durante o Governo Michel Temer. Sem conseguir se reeleger nas eleições de 2018, tornou-se secretário especial da Previdência e Trabalho no Governo Bolsonaro, um dos braços do Ministério da Economia. Foi o responsável por articular a aprovação da reforma da Previdência no ano passado. Era um dos principais aliados de Guedes até o início deste ano, quando passou a defender mais investimentos públicos para incentivar a economia. Acabou sendo promovido para o Desenvolvimento Regional, que tem como principal função definir onde serão construídas novas obras de infraestrutura de saneamento básico, moradias populares e de logística.
A favor de Marinho pesa o apoio da classe política, que o enxerga como um representante do Parlamento no Governo. Contra uma eventual nomeação de Marinho estão os técnicos que entendem que ele deveria se focar mais na economia do que na política. Ele pretende concorrer ao Governo do Rio Grande do Norte em 2022.
Já Campos Neto seria o substituto ideal para acalmar o mercado financeiro. Apesar de enfraquecido por Bolsonaro, Guedes ainda tem apoio dos investidores, por entenderem que o ministro tem a intenção de incentivar as privatizações de parte das estatais e aprovar as reformas administrativa e tributária. Campos Neto é economista e trabalhou por 18 anos no banco Santander. É defensor da autonomia do Banco Central.