RAV: A HISTÓRIA
Muitos colegas, especialmente os mais novos, constantemente recorrem à Diretoria Executiva Nacional (DEN) perguntando a respeito das questões relativas à RAV, sem saber exatamente do que se trata. Decidimos, assim, publicar a história para conhecimento de todos.
Aqui não se procura fazer juízo de valor sobre pessoas ou entidades, mas sim relembrar o passado para que não se repitam erros. Agradecemos aos colegas de Santa Maria/RS pela sugestão do tema, e pelo material enviado, que compõe parte deste Boletim.
Essa história, ainda sem um final, marcou o profundo recrudescimento de desavenças já então existentes, em menores níveis, entre Técnicos e Auditores. Não se propõe, neste texto, discussão mais alongada sobre os motivos geradores dessas desavenças. Apenas se diga, rapidamente, que, de um modo geral, são causadas principalmente pela ocupação de um mesmo espaço funcional, sem definição clara dos respectivos limites atributivos.
Como conseqüência desse clima de acirradas disputas, aprofundadas em 1995, ano em que ocorreram os fatos mais marcantes desse episódio, houve o constante declínio do poder reivindicatório de ambas as categorias, e a inevitável defasagem remuneratória em relação a outras carreiras até então aproximadamente niveladas a de Auditoria da Receita Federal.
A categoria dos Técnicos da Receita Federal, através de trabalho sério, competente e dedicado de seus integrantes, e de sua entidade sindical, tem buscado, ao longo de sua existência, obter reconhecimento profissional, valorização funcional e financeira, além do fortalecimento da Receita Federal.
Nesse esforço evolutivo, quem teria todas as condições de fomentar ideais de crescimento conjunto com os Técnicos, propõe-se, freqüentemente, ao contrário, a agir contra o progresso dessa categoria. Isso se apresenta de modo muito claro quando a discussão paira sobre a redução da exacerbada diferença na relação remuneratória entre as categorias integrantes da Carreira de Auditoria da Receita Federal. Esse assunto tem muito a ver com este Boletim.
Jamais, após os fatos relacionados à RAV 8x (oito vezes), houve clima para a união de esforços de melhorias comuns. Principalmente, porque já se passaram quase dez anos, sem que os responsáveis, nesse caso, pela expressiva e inaceitável redução na remuneração dos TRFs tenham reconhecido o erro histórico de se lançar, através de meios insólitos, contra direitos desta categoria.
A julgar pelos posicionamentos atuais, dos herdeiros dessa forma de sindicalismo, em questões relacionadas ao futuro da Carreira ARF, não se alteraram pontos de vista em relação à integração com os Técnicos.
Ao longo desses anos, os fatos têm provado que a evolução da categoria dos Técnicos pode até ser comprometida pelas eventuais ações tendentes a aviltar as condições do cargo, mas, ao mesmo tempo, as energias direcionadas a esse intento acabam não sendo utilizadas para um fim positivo, construtivo, o que resulta em atraso no progresso, e perdas de chances de melhorias para os próprios eventuais promotores dessa pretensa depreciação. Em outras palavras: impor obstáculos ao crescimento funcional da categoria dos Técnicos significa frear o desenvolvimento de toda a Carreira ARF.
A SUCESSÃO DE FATOS
Abaixo, destacaremos alguns desses fatos, bem como jogaremos luz sobre outros aspectos. Ao final, em anexo, procuraremos oferecer uma abordagem mais aprofundada, relacionada a aspectos mais técnicos.
A Carreira Auditoria da Receita Federal (antiga Auditoria do Tesouro Nacional ? criada pelo Decreto-Lei nº. 2.225/85), era integrada originariamente pelas categorias de Auditor- Fiscal do Tesouro Nacional e Técnico do Tesouro Nacional, hoje Auditor-Fiscal da Receita Federal e Técnico da Receita Federal.
Com o advento da Lei nº. 7.711/88, de 22 de dezembro de 1988, a remuneração dos integrantes da Carreira ATN passou a ser composta de salário básico, fixo, de acordo com o padrão de cada servidor, acrescido de gratificação variável (denominada RAV ? Retribuição Adicional Variável).
Já na primeira edição do decreto que regulamentou o pagamento dessa gratificação, os Técnicos enfrentaram inexplicável discriminação. Confira-se o teor do art. 14, do Decreto nº 97.667, de 19 de abril de 1989:
"Art. 14. Para fins de apuração do valor da eficiência individual, as atividades de nível médio serão reputadas de valor equivalente a trinta por cento das atividades de nível superior."
Mais tarde, com a publicação do Decreto n.º 98.967, de 20 de fevereiro de 1990, o referido artigo 14 foi alterado para que fosse atribuído aos integrantes da categoria de Técnico do Tesouro Nacional o percentual de 30% (trinta por cento) da parcela atribuída ao Auditor- Fiscal do Tesouro Nacional:
"Art. 14 - Os integrantes da categoria TTN perceberão a RAV individual e plural com valoração equivalente a trinta por cento daquela atribuída aos integrantes da categoria AFTN."
O problema apenas diminuíra. Tal forma de gratificação, além de ineficiente sob o ponto de vista administrativo, uma vez que vinculava os esforços de uma categoria aos de outra, com todos os reflexos negativos inerentes a essa correlação, mostrava-se ainda injusta em relação aos Técnicos, uma vez que todos os integrantes da carreira ATN colaboravam substancialmente de modo igual para a formação e manutenção do fundo FUNRAV (fundo instituído pelo art. 6º do Decreto-lei nº 1.437, de 17 de fevereiro de 1975, e constituído pelo produto da arrecadação de multas e acréscimos legais recolhidos em decorrência da atividade operacional da SRF ? origem dos recursos para pagamento da gratificação) e, portanto não havia motivos para que o limite se aplicasse apenas a essa categoria. O sistema de Arrecadação, por exemplo, peça fundamental no funcionamento da Administração Tributária, sempre teve suas funções a cargo primordialmente de Técnicos.
Diga-se, além disso, que essa forma de pagamento gerava relação desproporcional entre o salário fixo e a gratificação, e criava uma absurda vinculação ? inconstitucional, a partir da Constituição Federal de 1988 ?, totalmente desprovida de razoabilidade ou conveniência aos interesses públicos.
A administração do FUNRAV era feita pelo Colégio de Representantes da Comissão de Administração da Retribuição Adicional Variável (CRAV), cuja composição majoritária era de Auditores-Fiscais (Secretário da Receita Federal, Coordenadores et alli).
RAV DEVIDA
No período compreendido entre fevereiro de 1993 até janeiro de 1995, a administração da Receita Federal, a despeito dessas restrições já impostas à categoria dos Técnicos, impôs ainda outra inexplicável limitação, determinando que, para o pagamento da RAV destes, o percentual de 30% (trinta por cento) fosse aplicado sobre a RAV efetivamente paga e não sobre aquela atribuída aos Auditores-Fiscais, conforme dispunha expressamente o Decreto nº. 98.967/90. E a RAV efetivamente paga aos AFTN estava sujeita ao que ficou conhecido como o "abate-teto", em função de limites constitucionais (art. 37, XI da CF ? regulamentado, nesse caso específico, pela Lei nº 8.477, de 29/10/1992, a qual determinou que fosse observado, para fins de pagamento da RAV, o abate-teto fixado no artigo 12 da Lei nº 8.460, de 17/9/1992).
Em números aproximados da época, temos que:
Categoria
RAV devida ou atribuída ao AFTN
Abate-teto da RAV do AFTN
RAV paga ao AFTN em função do teto
R$ 7.320,00
R$ 3.126,00
R$ 4.194,00
RAV que deveria ser paga aos TTNs:
Aplicação indevida do teto aos TTNs:
RAV efetivamente paga aos TTNs:
TTN (=30% RAV AFTN)
R$ 2.196,00
R$ 938,00
R$ 1.258,00
Ou seja: a isonomia de tratamentos que não fora dada nos aspectos positivos, foi oferecida nos negativos. Embora com remuneração bastante inferior ao limite do "teto", os Técnicos passaram a estar a ele sujeitos, em função de sua gratificação estar atrelada a dos AFTN, e em razão desse inusitado entendimento de se estender uma limitação constitucional a quem nela não enquadrável.
Esse procedimento administrativo, eivado de flagrante injustiça, obrigou a categoria a buscar a tutela jurisdicional para a garantia dos direitos previstos no Decreto citado. Esta ação é conhecida entre os Técnicos como Ação da RAV Devida (Número do processo: 97.0002762-7 / 9ª Vara Federal de Pernambuco ? situação atual: em andamento no STJ). Em anexo, o acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.RAV 8X (RAV OITO VEZES)
O Governo Federal, após algum tempo, editou a MP nº. 831/95, de 18/01/1995, que estabeleceu relação entre o vencimento básico, fixo, e a gratificação, ao estipular o limite de pagamento da RAV em até 08 (oito) vezes o maior vencimento básico da respectiva tabela de cada categoria, de forma paritária. Assim, teriam fim as absurdas discriminações e vinculações até então existentes.
A exposição de motivos nº. 17/95, que subsidiou a MP nº. 831/95, esclareceu que:
"[...] 8. Tem por objetivo esta medida permitir que a remuneração de uma carreira não fique vinculada à de uma outra, dando condições adequadas à Administração de propor e implementar políticas remuneratórias claras e transparentes."
"9. A proposta, se aceita por Vossa Excelência, contribuirá para evitar um grande reflexo na folha de pagamento dos órgãos e entidades envolvidos, permitindo que se dê tratamento igualitário aos servidores que exerçam as atividades de fiscalização e que o seu valor esteja vinculado à sua própria tabela de vencimento."
Pelo exposto, a própria Administração reconheceu a existência de tratamento discriminatório entre as categorias integrantes da Carreira de Auditoria da Receita Federal.
Finalmente, a justiça havia se estabelecido (ainda que por ínfimo período ? apenas um pagamento): Todos os Técnicos tiveram reconhecido administrativamente, em maio de 1995, o direito ao recebimento da RAV nos termos da MP 831/95, tendo a Secretaria da Receita Federal, ao acolher o Parecer PGFN/CJN nº 464/95, determinado seu pagamento com data retroativa ao mês de fevereiro daquele ano.
No entanto, a UNAFISCO SINDICAL (entidade representativa dos AFTN, hoje AFRF) iniciou forte campanha contra esse justo tratamento. Vale aqui relembrar algumas das manchetes de Boletins dessa entidade:
Boletim de 24/05/95:
"Reajuste de 97% para TTN pode congelar RAV dos AFTN"
"Podem faltar recursos ao FUNRAV"
"Os AFTN e a história da RAV"
Boletim de 31/05/95:
"Edital de Convocação - item 1:
RAV dos TTN - discutir se a categoria deve ou não concordar com a concessão de um percentual superior a 30% para a RAV dos TTN e, em caso afirmativo, se esse aumento seria concedido incondicionalmente ou mediante algumas condições como, por exemplo, a separação das carreiras AFTN/TTN, eliminação do subteto, e definição de atribuições para os TTN " [os grifos são nossos]
Boletim de 01/06/95
"Comissão de Avaliação da RAV conclui que pagamento autorizado aos TTN é ilegal"
Boletim de 13/06/95:
"CRAV respalda decisão ilegal do secretário"
Boletim de 16/06/95:
"Aumento de gratificação está sob suspeita".
"O Sr. Secretário de Recursos Humanos deste Ministério encaminhou os autos nº 006338/95-24 para esta Consultoria Jurídica. Trata-se de processo inaugurado através de correspondência do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, onde se requer pronunciamento a respeito da Retribuição Adicional Variável (RAV) devida aos Auditores Fiscais do Tesouro Nacional e aos Técnicos do Tesouro Nacional. A dúvida reside na quantificação da parcela pertinente a cada uma dessas categorias funcionais, tendo em vista a edição da Medida Provisória nº 831, de 18.1.95."
Ainda que possamos apontar nesse parecer variadas inconsistências (trataremos disso em anexo a este boletim), o fato é que a partir do mês junho do mesmo ano, em função de sua adoção pela Administração, apenas a RAV dos AFTNs continuou a ser paga nos termos da Medida Provisória 831/95. Os TTN ainda amargaram a devolução posterior das parcelas recebidas retroativamente (recebidas em maio/95, retroativas ao mês de fevereiro daquele ano).
Ressalta-se que o Parecer CONJUR/MARE nº 177/95 resultou em entendimento frontalmente oposto a dois pareceres anteriores: o Parecer CONJUR/MARE 124/95 (o qual foi "revogado" inusitadamente por aquele), e o Parecer PGFN/CJ nº 464/95.
Para a defesa do reimplemento do correto pagamento da RAV, de acordo com o disposto no artigo 8º da MP 831/95, o Sindtten (Sindicato Nacional dos Técnicos, hoje SindiReceita) impetrou Mandado de Segurança coletivo (processo nº. 95.0006444-8 - 13ª. Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal).
Em petição datada de 15 de agosto de 1995, protocolada sob o nº 156950, a UNAFISCO SINDICAL requereu o ingresso na ação judicial citada acima, como "litisconsorte passivo necessário", ao lado da Administração, contra o direito dos Técnicos.
Naquele momento histórico, a categoria de TTN, além de enfrentar todo o aparato jurídico-administrativo que a União dispõe para a defesa dos seus interesses, teria de litigar, no mesmo processo, contra a categoria de AFTN !!
Essa contenda judicial só não foi além (em relação aos AFTNs) por simples questão de extemporaneidade da entrega da referida petição. O Juiz do feito, Doutor Jamil Rosa de Jesus, em 16 de agosto de 1995, despachou:
"Tendo em vista que o feito já se encontra sentenciado, devolva-se a petição nº. 156950, por ser incabível nesta fase do processo."
A UNAFISCO SINDICAL, destituída de qualquer suporte técnico, disseminou sem fundamentos a idéia de que o aumento concedido aos TTN esgotaria os recursos do FUNRAV, trazendo, conseqüentemente, pretensos prejuízos financeiros aos AFTN. Mais tarde, restou provado que o Fundo acumulou valores crescentes de recursos. A verdade é que aquela entidade sindical, naquele momento, abdicou de lutar pelos verdadeiros interesses dos AFTN, levando seus melhores esforços para se contrapor aos interesses legítimos de outra categoria.
Na petição referida acima, por exemplo, alegou-se que a manutenção da relação entre a RAV dos TTN e a dos AFTN no patamar de 59,11% - tal como ordenava a MP 831/95, e tal como já existente entre os respectivos vencimentos básicos ? iria significar "diminuição inconstitucional na remuneração de AFTN". E, baseando-se unicamente na suposição de eventual esgotamento dos recursos do FUNRAV, efetuou-se ali um ensaio numérico (folha 5 dessa petição) para tentar demonstrar essas perdas.
No entanto, conforme se pode observar nas tabelas 1 e 2 do ensaio numérico em anexo (elaborado para este Boletim), se viesse a ocorrer a desde então improvável falta de recursos do FUNRAV, ambas as categorias sofreriam perdas (entre 16,26% a 17,33% em relação à remuneração relativa à RAV 8x integral). O que para a categoria AFTN era apenas um (infundado e distante) temor, acabou, provocado por suas ações, se tornando realidade para a categoria TTN: esta sofreu redução inconstitucional em sua remuneração (redução entre 43,78% a 46,64% em relação ao correto entendimento do art 8º da MP 831/95 ? referido direito já havia sido incorporado ao patrimônio da categoria, uma vez pago o salário de maio de 1995). Em valores absolutos, desde então, a perda mensal na RAV dos TTNs foi de R$ 1.221,12.
As atitudes da UNAFISCO SINDICAL, obviamente, não trouxeram apenas prejuízo financeiro aos TTN. O ambiente de produção na SRF nunca mais foi o mesmo, com previsível comprometimento dos seus objetivos institucionais.
Após longos anos de espera, finalmente, as decisões judiciais têm reconhecido a justeza das nossas reivindicações. Tais decisões, embora favoráveis, como sabido, são de difícil e demorada implementação prática, o que não obsta, entretanto, que o atual governo reconheça administrativamente os efeitos inquestionáveis do comando judicial. Lembra-se que a Terceira Secção do Superior Tribunal de Justiça, no dia 12/12/2001, em sessão histórica, julgou os Embargos de Divergência nº 206.604 (RESP 206604, com trânsito definitivo em julgado), pacificando definitivamente o entendimento da Corte.
COMO ESTAMOS HOJE
Ressalte-se, sobretudo, que o FUNRAV foi utilizado posteriormente pelo Governo Federal em outras finalidades. E nunca faltaram recursos para o pagamento de nossas gratificações.
Além disso, em função desses fatos, houve um claro enfraquecimento da força reivindicatória da Carreira Auditoria da Receita Federal, resultado do acirramento das naturais divergências existentes entre TRFs e AFRFs devidas à constante concorrência pela delimitação de seu espaço funcional. Seria muito melhor, para todos, se houvesse, ao contrário, conjunção de forças.
O enfraquecimento da força reivindicatória resultou na constante degradação do poder aquisitivo dos integrantes da Carreira ARF. Tudo está intimamente ligado.
Para os Técnicos, a situação é ainda mais grave: ainda hoje persiste um fosso salarial muito grande entre os TRFs e os AFRFs. A diferença do vencimento básico de um TRF na última classe/padrão para um AFRF na primeira classe/padrão é de mais de R$ 2.000,00. Isso faz com que o ambiente de trabalho dentro da SRF seja explosivo. Afinal, não há muitas chances de existência de um ambiente harmônico quando se justapõem duas categorias, com o mesmo nível de escolaridade, realizando, em muitos casos, as mesmas atividades, pertencentes à mesma Carreira, e com uma diferença brutal na remuneração.
Um pouco mais sobre a RAV encontra-se no arquivo em anexo, Mensagem nº 1 (na origem), de 6 de janeiro de 1998, pela qual o Poder Executivo submeteu à deliberação do Poder Legislativo o relatório sobre a Retribuição Adicional Variável (RAV), referente ao 1º semestre de 1997. (Diário do Senado Federal, Terça-feira, 29 de abril de 2003 págs. 08857 a 08859).
Voltamos a lembrar que o objetivo deste Boletim não é remoer velhas feridas, mas relembrar erros cometidos no passado para que os mesmos não voltem a acontecer. O primeiro passo para se resolver um problema é reconhecer sua existência. A partir daí buscar soluções de maneira equilibrada.