Divulgação de CPF viola a Constituição
01/05/2011
A restauração da democracia no Brasil, nos termos da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, acolheu como fundamento do regime a obediência do Estado às amplas franquias e garantias deferidas ao povo. Extinguiu a ordem arbitrária, castradora das liberdades individuais e coletivas, construída pelo consulado militar que governou o país entre 1964 e 1985. Mas, de vez em quando, o Estado, devolvido à luz do legalismo constitucional, ousa recorrer a medidas de feitio autoritário, contrárias a direitos assegurados na Carta Magna.
Entre algumas iniciativas repelidas pela consciência civilizada da sociedade civil, figurou, em passado recente, proposta de restrições à liberdade de imprensa. Aliás, ainda ecoa em vozes sectárias de índole cesarista o interesse de recolocá-la na agenda política. O encabrestamento dos órgãos de comunicação social dar-se-ia pelo controle social da mídia, metáfora de censura, violência reprimida pela Constituição (art. 5º, IV, IX e § 1º do art. 220).
Enquadra-se no painel de intenções desbordantes de cláusulas constitucionais o anúncio de que o governo pretende tornar público o CPF (Cadastro de Pessoas Físicas) de funcionários dos Três Poderes, nos âmbitos municipal, estadual e federal. Os dados seriam estampados nos diários oficiais do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, nas publicações relativas a eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer anotação pessoal referente a servidores.
Para que serviria pretensão tão radical? A Controladoria-Geral da União (CGU) enxerga-a como necessária ao combate à corrupção. Aí a constatação de que órgãos munidos de poderes para fiscalizar a administração, como, entre muitos, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), são inúteis. Mais espantoso é que uma das principais justificativas para a medida seriam as dificuldades criadas a investigações pela existência de homônimos. Ora, o estado civil, a profissão e a filiação são suficientes para distinguir uma pessoa da outra.
A divulgação de CPFs de servidores constitui explícita ofensa à Constituição. Trata-se de invasão a dados pessoais protegidos pelo direito à privacidade, portanto indisponíveis para veiculação em textos públicos. Menos, ainda, para atender a interesses da autoridade governamental. A Carta Política assegura a todos os brasileiros que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X).
Mais grave é que o acesso ao CPF já é suficiente para criminosos cibernéticos dele se valerem para extorquir vantagens ou causar danos financeiros às vítimas. É o que, na linguagem virtual, se denomima de phishing. Segundo pesquisa do Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil, as fraudes praticadas via internet aumentaram 6.513%, entre 2004 e 2009. Seria lastimável que as autoridades públicas, além de afrontarem a Constituição, expusessem os servidores à sanha delituosa de rackers.