Editorial - O presumido desvio de finalidade do ato de desligamento do Programa de gestão por ausência de chefe imediato

Editorial - O presumido desvio de finalidade do ato de desligamento do Programa de gestão por ausência de chefe imediato

É certo que a admissão e permanência no Programa de gestão é ato discricionário da Administração e não constitui direito adquirido do servidor, conforme termo de ciência e responsabilidade assinado pelos próprios servidores ao aderir ao Programa de gestão. No entanto, isso não significa que o servidor que aderiu ao Programa de gestão e está trabalhando regularmente para o alcance das metas pré-estabelecidas, possa ser desligado sem motivação.

Alegar que o desligamento se deu pela ausência temporária de chefia imediata não pode servir de sustentáculo para o desligamento dos servidores que já estão trabalhando para alcançar as metas. Esse desligamento prejudica sobremaneira as atividades desenvolvidas, é contraproducente e carece de racionalidade, revestindo-se, em arbitrariedade, que merece ser revista pela Administração.

De acordo com o disposto no §1º do art. 8º da Portaria RFB nº 68/2021:

“O gestor da atividade ou do processo de trabalho em Programa de gestão será o coordenador-geral, coordenador especial, corregedor, chefe de assessoria, chefe da Ouvidoria ou chefe do Cetad responsável por propor, implementar e acompanhar as atividades em Programa de gestão na respectiva área de atuação, conforme processos de trabalho constantes do Anexo Único desta Portaria.”

A referida portaria, no seu art. 17, inclusive prevê que incumbe ao gestor da atividade ou do processo de trabalho analisar os resultados de sua área, supervisionar a aplicação e a disseminação do processo de acompanhamento de metas e resultados e controlar os resultados obtidos em face das metas fixadas para sua atividade.

Sobre o desligamento do Programa de gestão a Portaria RFB nº 68/2021, prevê que o participante será desligado a pedido (ou seja, por solicitação, por um ato volitivo de vontade) ou de ofício, mediante decisão motivada do chefe imediato ou do gestor da atividade ou do processo de trabalho.

Ademais, incumbe ao titular da unidade de exercício do participante de que tratam os itens 1 a 8 da alínea "a" e os itens 1 a 7 da alínea "b" do inciso I do §2º do art. 3º, subsidiado pela chefia imediata do participante em Programa de gestão ou pela unidade local de gestão de pessoas, além de outras competências mencionadas, acompanhar e avaliar a adaptação dos participantes ao Programa de gestão, aferir e monitorar o cumprimento das metas e dos indicadores estabelecidos, e, ainda, fornecer informações sobre a realização das atividades em Programa de gestão na respectiva unidade, quando solicitado pela RFB. Nas unidades da RFB vinculadas a delegacias ou a ALF, as competências aqui referidas são de atribuição dos titulares das respectivas unidades vinculantes.

Veja que a decisão tomada unilateralmente pela Administração (de ofício) sobre o desligamento do servidor, deve ser motivada. A motivação é que indicará as razões para o ato do desligamento. Por que se exige que o ato seja motivado? Para fins de controle, para averiguar a legalidade do ato, para assegurar que o ato não seja cometido com desvio de finalidade ou excesso de poder, para coibir o abuso de poder dos agentes públicos e, principalmente, preservar o interesse público, a transparência e a eficiência.

A Portaria RFB nº 68/2021, traz no inciso II do art. 15 um rol taxativo de motivos para que ocorra o desligamento de ofício, in verbis:

Art. 15. O participante será desligado do Programa de gestão nas seguintes hipóteses:

I - por solicitação, observada a antecedência mínima de 10 (dez) dias;

II - de ofício, mediante decisão motivada do chefe imediato ou do gestor da atividade ou do processo de trabalho:

a) pelo descumprimento de quaisquer dos deveres previstos nesta Portaria e no plano de trabalho, inclusive das atribuições e responsabilidades previstas no art. 11;

b) pelo não atingimento das metas estabelecidas, observado o disposto no § 3º;

c) pelo fim do prazo estabelecido em sistema de revezamento; ou

d) no interesse da RFB, por razão de necessidade ou redimensionamento da força de trabalho, mediante justificativa, observada a antecedência mínima de 10 (dez) dias;

III - em virtude de remoção, com alteração da unidade de exercício;

IV - em virtude de designação do participante para a execução de atividade não abrangida pelo Programa de gestão; ou

V - pela superveniência das hipóteses de vedação estabelecidas no inciso I do §1º e no §2º do art. 3º.

 

Depreende-se da leitura do dispositivo supracitado que a justificativa apresentada pela Receita Federal para o desligamento do Programa de gestão dos servidores que estavam subordinados às chefias imediatas que entregaram os cargos, não se amolda a nenhuma das razões para o desligamento de ofício previstas pela norma.

Não houve o descumprimento de quaisquer deveres previstos na norma do Programa de gestão por parte dos servidores desligados; não há que se falar em não atingimento das metas estabelecidas; não finalizou prazo de sistema de revezamento; não houve redimensionamento da força de trabalho; não houve remoção com alteração da unidade de exercício; não houve designação do participante para a execução de atividade não abrangida pelo Programa de gestão; e, por fim, não houve o surgimento de nenhuma das hipóteses de vedação estabelecidas no inciso I do §1º e no §2º do art. 3º.

Não é razoável desligar os participantes do Programa de gestão sempre que o setor estiver temporariamente sem chefe imediato, porque o controle das metas e resultados (que já foram previamente estabelecidos!) poderá ser feito pelo gestor da atividade ou do processo de trabalho e, ainda, pelo titular da unidade de exercício do participante. Veja que essa será uma situação excepcional e que o setor voltará a ter chefe imediato.

Cumpre salientar a importância do Programa de gestão para:

  • promover a produtividade e a qualidade das entregas dos participantes; 
  • promover a cultura orientada a resultados, com foco no incremento da eficiência e da efetividade na prestação de serviço. 
  • contribuir com a redução de despesas de custeio; 
  • fomentar mecanismos de avaliação e alocação de recursos, de modo a contribuir para a redução de custos da RFB;
  • promover a motivação e o comprometimento dos participantes com os objetivos da RFB; 
  • estimular o desenvolvimento do trabalho criativo, da inovação e da cultura de governo digital; 
  • melhorar a qualidade de vida dos participantes; 
  • atrair e manter novos talentos; 

Desligar o participante do Programa de gestão por motivo que não está elencado no art. 15 da Portaria RFB nº 68/2021, sacrifica o alcance das metas (repita-se, o trabalho já está sendo realizado para a consecução da meta e sua interrupção acarretará, fatalmente, uma quebra no desenvolvimento do trabalho) e compromete o próprio sucesso do Programa de gestão no âmbito da Receita Federal do Brasil.

Ademais, cumpre destacar que os desligamentos estão sendo procedidos sob a alegação de que:

“O desligamento do Programa de gestão não é uma opção da administração da RFB, mas sim uma determinação da IN SGP nº 65/2020, como decorrência direta do Decreto nֻ. 1.590/1995. A própria Lei nº 8.112/199 impõe o dever do servidor público ser assíduo e pontual ao serviço, dever esse substituído pela produtividade no âmbito dos Programas de Gestão [...] A ausência de chefe, ou substituto, inviabiliza a execução do próprio Programa de gestão.”

Na forma como alegado pela administração, tenta-se impor a narrativa de que sem a chefia imediata não seria possível efetuar a mensuração da produtividade, o que demonstramos que não procede.

A uma, porque também é da competência do gestor da atividade ou do processo de trabalho em Programa de gestão analisar os resultados de sua área e controlar os resultados obtidos em face das metas fixadas, na forma do art. 17 da Portaria RFB 68/2021. Outrossim, cabe ao titular da unidade de exercício do participante aferir e monitorar o cumprimento das metas e dos indicadores estabelecidos, na forma do art. 18 da Portaria RFB 68/2021. A duas, porque a ausência de chefe imediato é temporária, podendo ser suprida com a nomeação de outros servidores para ocupar o cargo de chefia, ou seja, o titular da unidade e o gestor da atividade ou do processo de trabalho em Programa de Gestão exerceriam suas atribuições sem o auxílio da chefia imediata do participante por um curto período.

A própria unidade local de gestão de pessoas, de acordo com o art. 20 da Portaria RFB 68/2021, também compete acompanhar os resultados, consolidados por atividade e regime, individualizados por participante, da área executora dos processos de trabalho.

No caso das atividades transversais, o plano de trabalho seguirá as métricas definidas pelo gestor da atividade ou do processo de trabalho (§3º do art. 8º da Portaria RFB nº 68/2021). Da mesma forma, no caso da ausência de chefia imediata, poderia o gestor da atividade ou do processo de trabalho avaliar o cumprimento das metas.

Ou seja, é possível, mesmo na ausência do chefe imediato (que, repita-se, será temporária, porque outra pessoa deverá ser nomeada), controlar e aferir os resultados das atividades. As metas e métricas já foram previamente definidas. O controle do trabalho dar-se-á não mais pelo controle de ponto, mas de produtividade.

Não há que se falar em qualquer violação ao Decreto nº 1.590/95 ou à Lei nº 8.112/90. Vale frisar que no Decreto nº 1.590/95, com a redação dada pelo Decreto nº 10.789/2021, prevê no §6º do art. 6º que:

em situações especiais em que os resultados possam ser efetivamente mensuráveis, o Ministro de Estado ou o Presidente do Banco Central do Brasil, no âmbito de suas competências, poderá autorizar a unidade administrativa a realizar programa de gestão, cujos teor e acompanhamento trimestral serão publicados no Diário Oficial da União, hipótese em que os servidores envolvidos ficarão dispensados do controle de assiduidade.

A substituição do controle de ponto pelo estabelecimento de métricas e metas e o controle de produtividade é medida que reflete a modernização do aparato burocrático da Administração Pública Federal, voltado para a governança democrática, focada não só na eficiência, mas também na qualidade dos serviços públicos.

O Programa de gestão reflete mais do que medida gerencial, ela foca no aprimoramento, na qualidade das entregas, como está previsto no primeiro objetivo do programa elencado na norma:

Portaria RFB nº 68/2021

[...]

Art. 2º São objetivos do programa de gestão:

I - promover a gestão da produtividade e da qualidade das entregas dos participantes;

 

Faz muito mais sentido que o titular da unidade de exercício do participante e o gestor da atividade ou do processo de trabalho em Programa de gestão exerçam suas competências de averiguação de metas, mesmo sem o chefe imediato, de forma temporária, do que acabar com o Programa de gestão, desligando ou não renovando a participação dos servidores interessados.

Esse ato de desligamento ou a não renovação motivado pela ausência temporária de chefia imediata, quando existe medida muito mais racional e eficiente para a Administração, que permite a fiscalização consecução das metas e aumento da produtividade no órgão pelo titular da unidade de exercício do participante e o gestor da atividade ou do processo de trabalho em Programa de gestão, pode refletir um desvio de finalidade no ato, uma medida tomada como uma retaliação aos servidores participantes do programa de gestão em razão da entrega das chefias.

Na opinião do Diretor de Assuntos Jurídicos, Thales Freitas, “a melhor solução para a unidade ou setor para o qual tenha ocorrido a exoneração ou dispensa do cargo de chefe ou substituto, seria a nomeação de outro servidor para exercer essa função e não o desligamento de toda a equipe do Programa de Gestão que está trabalhando na consecução das metas”, afirma Freitas.

Nesse sentido, a Diretoria de Assuntos Jurídicos (DAJ) está atenta e atuará para todos os filiados que forem desligados, sob essa alegação, do Programa de Gestão. Para tanto, basta enviar e-mail para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. relatando o caso e solicitando Assistência Jurídica Individual (AJI), para que a equipe de advogados da DAJ possa solicitar a documentação pertinente para propositura de medida judicial cabível. Veja qui o FORMULÁRIO_MODELO_DE_SOLICITAÇÃO_DE_AJI_2022_1.pdf

Editorial de autoria do Diretor de Assuntos Jurídicos (DAJ/DEN), Thales Freitas