A inviabilização da Receita Federal não é um ato contra a instituição ou seus servidores. É um ato deliberado contra o Brasil e a imensa maioria de sua população que depende das políticas públicas de assistência, previdência, atenção à saúde e educação. A população precisa compreender o que é a Receita Federal, a essencialidade de suas atividades é a razão de estarmos nesse momento mobilizados contra sua inviabilização.
A Receita Federal é uma instituição de Estado, não de governos, composta por servidores de carreira, todos concursados. Sua carreira específica, composta por Analistas-Tributários e Auditores-Fiscais, conta hoje com pouco mais de 13 mil servidores, quase em sua totalidade pós-graduados. Esse efetivo é praticamente a metade do que havia há uma década, bem como o orçamento da Receita, em valores reais, é a metade do que se tinha há dez anos. Há muito tempo precisamos fazer mais com menos. E é o que temos feito.
Em meio a tempestade perfeita – soma de crises econômica, sanitária, social e política – foram os servidores da Receita que permitiram ao país manter um mínimo de normalidade, seja por meio das políticas de assistência aos mais necessitados, seja por meio das políticas de diferimento tributário e desonerações que sustentaram milhões de negócios. As decisões políticas precisam ser amparadas pela arrecadação. E a arrecadação superou as expectativas em mais de R$ 300 bilhões em 2021. Não fosse a dedicação e capacidade do corpo funcional da Receita, teríamos um quadro muito mais grave. Saliente-se que esse resultado financeiro é produzido, cada dia mais, por práticas de conformidade, pela redução da burocracia, pela inovação e por melhores práticas de planejamento, gestão e produtividade. Um trabalho reconhecido internacionalmente, motivo de orgulho para todos nós. Além dos sucessivos recordes de arrecadação, a Receita apresenta resultados expressivos também na agilização do comércio exterior, na facilitação do cumprimento das obrigações acessórias e no trabalho de inteligência e repressão ao ilícito, atuando como força de segurança e proteção à economia nacional contra o contrabando, a pirataria e o tráfico de armas e entorpecentes.
A Receita nunca foi tão essencial para o Brasil.
A QUESTÃO DO ORÇAMENTO
Diante do desafio imposto aos servidores da Receita Federal, acordamos em 2016 com o Governo Federal a alteração do modelo remuneratório, que passou a prever uma parcela variável, denominada Bônus de Eficiência e Produtividade, atrelada ao cumprimento de metas institucionais, nenhuma delas vinculada à aplicação de multas ou qualquer outra espécie de imposição coercitiva. As metas se voltam à excelência na prestação de serviços à sociedade, aos objetivos de arrecadação e à eficiência dos processos de trabalho do órgão. Trata-se de um modelo moderno, meritocrático e adotado largamente pela iniciativa privada. Cumprimos integramente a nossa parte, mas não merecemos a mínima consideração por parte do Governo. Aguardamos desde então a regulamentação do acordo, pacientemente, sem qualquer desvio de nossas responsabilidades para com o país. Mas tudo tem um limite.
E esse limite foi atingido na aprovação da lei orçamentária de 2022. Após colhermos compromissos do Ministro da Economia, do Ministro da Casa Civil e do próprio Presidente da República para, enfim, regulamentarmos o acordo firmado há cinco anos, vimos a lei orçamentária ser aprovada sem a devida reserva para o cumprimento do acordo. Pior, aprovou-se a destinação de metade do já combalido orçamento da Receita Federal para viabilizar acordos firmados recentemente com categorias de outros órgãos. Além do descaso e da humilhação como categoria de servidores, restou a impotência e constatação do desmantelamento do órgão. Foi tal sentimento, de esgotamento e desesperança, que provocou uma espontânea e contundente reação do corpo funcional. Nesse momento, a Receita está inviabilizada, praticamente todos os cargos de chefia e assessoramento foram entregues.
Engana-se aquele que aposta que a arrecadação se manterá sem o esforço dos servidores do fisco. É verdade que a arrecadação dita espontânea corresponde a 95% do total vertido aos cofres públicos. Mas esta arrecadação espontânea só se produz pela presença fiscal, pela sistemática de cobrança e arrecadação e pela manutenção dos canais regulares de atendimento e orientação tributária. Ainda que nada disso fosse necessário à arrecadação espontânea, os 5% restantes representam R$ 95 bilhões, montante maior que todo o orçamento discricionário do Governo Federal para 2022, ou seja, tudo aquilo que o Governo dispõe para manutenção de seus ministérios, seus projetos e investimentos.
Todo montante destinado ao Auxílio-Brasil em 2022 corresponde a R$ 89 bilhões, valor só alcançado por meio do “calote” dos precatórios, manobra de caráter transitório, precário e com terríveis efeitos à segurança jurídica e ao Estado Democrático de Direito. Mais da metade nosso orçamento é destinado ao pagamento de juros e amortização da dívida pública. Do que resta, a quase totalidade é “carimbada” como despesa obrigatória – previdência, folha de pagamentos, fundos da educação e saúde, emendas parlamentares, fundo eleitoral, entre outros. Fundamentalmente, o orçamento é uma previsão baseada em premissas nem sempre verdadeiras, como no caso do orçamento de 2022, construído a partir de uma previsão de crescimento do PIB de 2,5%, quando o mercado prevê um crescimento de apenas 1,1%; com previsão de Taxa Selic de 6,6% quando temos, hoje, a Selic fixada em 9,24%; e em um câmbio médio de R$ 5,15 para 1 US$, quando temos hoje uma cotação de R$ 5,70.
A realidade é que a execução orçamentária dependerá, mais uma vez, da eficiência e produtividade da Receita Federal, para que se produza outro recorde de arrecadação e, com o excesso, se corrijam as previsões equivocadas e se proceda as dotações suplementares sempre necessárias ao enfretamento da realidade. Caso se comprometa a arrecadação não espontânea, a curto prazo, e a espontânea, a médio prazo, o país deixará os mais necessitados – a metade da população economicamente ativa que se encontra no desalento, no desemprego o na informalidade – de mãos abanando e de barriga vazia.
Não é o que desejamos. Nunca nos voltamos contra o país, contra sua população. Ocorre que chegamos ao limite dos esforços e da paciência, abatidos em nossa moral e na esperança de que esse país seja uma nação onde os acordos se cumpram, os direitos se garantam. Só exigimos respeito. Lamentamos muito, mas precisamos lutar. E lutaremos!