O déficit do número de servidores públicos lotados nas regiões de fronteira foi apontado por unanimidade pelos Analistas-Tributários e especialistas em comércio exterior, segurança e combate aos crimes transnacionais presentes no Diálogo Aduaneiro promovido pelo Sindireceita que aconteceu nesta quinta-feira (18), no Centro Cultural Brasil XXI, em Brasília, como um dos principais desafios para aumentar a segurança nas fronteiras brasileiras. A integração dos sistemas e a cooperação internacional entre os órgãos de Estado que atuam nas fronteiras também são medidas apontadas pelos especialistas para fortalecer e modernizar o controle aduaneiro nos portos, aeroportos e postos de fronteiras em todo o país.
O Diálogo Aduaneiro promovido pelo Sindireceita iniciou durante a manhã de ontem, com o primeiro painel que debateu a importância do controle de fronteira para a economia brasileira e foi retomado à tarde, com o Painel II, intitulado “O que precisamos para uma fiscalização mais efetiva nas fronteiras”. A moderação foi feita pelo presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), Luciano Barros, que é mestre em Economia e Gestão Empresarial e especialista em gestão de fronteiras, Estudos fronteiriços.
O Painel II contou com palestras ministradas pelo Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil e representante do Sindireceita, Paulo Kawashita; a diretora-geral da Associação dos Servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (UNIVISA), Yandra Ribeiro Torres; o Instrutor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na área de Enfrentamento ao Tráfico de Drogas e Munições desde 2011 e Presidente do Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais, Wanderley Alves dos Santos, da Delegacia de Corumbá; a secretária-executiva do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP) do Ministério da Justiça, Silvana Maria Silveira; o jornalista que cobre há mais de 9 anos as regiões de fronteira do Brasil, Martim Francisco Lemos de Andrada e Silva Neto, e pelo diretor financeiro da Federação Nacional dos Policiais Federais (FENAPEF), Júlio César Nunes.
O presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), Luciano Barros que fez a abertura do Painel II destacou que a cooperação e integração entre os órgãos de segurança e os que atuam no controle aduaneiro deve ser o principal objetivo para melhorar a segurança nas fronteiras. “Esse é um desafio gigantesco, considerando que o Brasil tem mais de 16,8 mil quilômetros de fronteira seca, diversas culturas, 11 estados, 10 países que fazem fronteira com o Brasil, milhares de quilômetros de rodovias, além das fronteiras marítimas”, analisou o presidente do IDESF, Luciano Barros. Ele destacou ainda a importância de investimento em tecnologia, e o aumento no número de servidores públicos, “falta pessoal em todas as instituições que combatem o crime ilegal, para fazer a vigilância e diminuir a fragilidade nas fronteiras”, criticou.
A secretária-executiva do CNCP do Ministério da Justiça, Silvana Maria Silveira esclareceu que o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP), por intermédio da Secretaria do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Púbica, é uma instituição responsável pela aplicação de abordagens e metodologias inéditas para o tratamento da questão. O CNCP, órgão colegiado consultivo, integrante da estrutura básica do Ministério, tem por finalidade elaborar as diretrizes para a formulação e proposição de plano nacional para o combate à pirataria, à sonegação fiscal e aos delitos contra a propriedade intelectual. Silvana Maria Silveira destacou que não se pode falar em combate a crimes sem integração do poder público e privado, e que em relação ao combate à pirataria, há um terceiro agente, que é o consumidor. Para destacar a importância da cooperação entre os órgãos, ela citou um caso de sucesso que integrou forças das polícias, a Operação 404 que busca impedir sites de distribuição de conteúdos piratas. “A terceira fase da Operação 404 elevou o Brasil à posição de liderança no combate à pirataria na América Latina, por isso a importância do CNCP para o desenvolvimento de políticas públicas no combate à pirataria no país, ” afirmou Silvana Silveira.
Para uma fiscalização mais efetiva nas fronteiras, Júlio César Nunes, diretor financeiro da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), sugeriu que deve haver uma definição clara do papel de cada órgão de segurança pública envolvido na fiscalização. Ele também concorda com os demais que a integração dos sistemas e a cooperação internacional entre as polícias de países fronteiriços deve ser um dos principais focos para melhorar a segurança nas faixas de fronteira. “Quando falamos em fronteira, não podemos pensar apenas na entrada e saída de pessoas, de armas, de contrabando, mas também precisamos refletir sobre as questões sociais que estão envolvidas, ” afirmou Júlio César Nunes. O diretor financeiro da Fenapef destacou ainda que a mudança no sistema de persecução penal do Brasil é um ponto importante para qualificar a fiscalização. “É preciso dar mais autonomia a cada órgão de polícia, para que o mesmo órgão policial possa atender a uma ocorrência de crime e ter a possibilidade legal de investigá-lo até o fim, sem ter, necessariamente, de passar por outros órgãos de segurança. O agente deve ser capaz de unir sua expertise operacional à sua capacidade investigativa,” apontou. Júlio César Nunes indicou ainda a necessidade de uma estrutura de carreira que valorize a meritocracia de cada servidor e sua experiência, para que os servidores possam se estabelecer e permanecer nos postos de fronteira, entre os pontos que considera fundamental para melhorar o controle aduaneiro.
O Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil e representante do Sindireceita, Paulo Kawashita, que integra a equipe de vigilância e repressão da Delegacia da Receita Federal do Foz do Iguaçu/PR, concorda com o Júlio César Nunes sobre a falta integração dos sistemas de polícia. Ele criticou o sucateamento da estrutura dos órgãos de segurança pública e a falta de uma política de gestão efetiva desses órgãos para coibir os crimes tranfronteiriços. Entre as limitações, Paulo Henrique Kawashita chamou a atenção para o número reduzido de postos alfandegados na faixa de fronteira. “São apenas 27 postos alfandegados, um número pequeno de pontos autorizados para passagem de pessoas, veículos e cargas em nossa fronteira terrestre que tem uma extensão de mais de 16 mil quilômetros”, esclareceu. Kawashita disse que é preciso definir a competência, ações e contribuição que cada órgão deve ter. Faltam recursos, falta estrutura – prédios, imobiliários, viaturas - faltam recursos tecnológicos, apesar de todo avanço que nós temos hoje em tecnologia, como inteligência artificial, utilização de drones, entre outros, para fazermos nosso trabalho, e nós temos pessoal capacitado para esse trabalho, mas faltam servidores para atuar nas fronteiras,” afirmou o Analista-Tributário Paulo Kawashita. Ele esclareceu ainda que é preciso diminuir a burocracia de alguns processos para agilizar sua implementação; treinamento de pessoal especializado nesses crimes; e, por fim, apontou a importância de uma estrutura jurídica para dar apoio e segurança operacional ao servidor que está atuando nas linhas de frente.
Todas essas fragilidades nas fronteiras refletem em ciclos intermináveis de violência, concluiu o jornalista que cobre há mais de 9 anos as regiões de fronteira do Brasil, Martim Francisco Lemos de Andrada e Silva Neto. Segundo ele, moradores das cidades fronteiriças como Ponta Porã, Sete Quedas, e Paranhos, no Mato Grosso do Sul, que fazem divisa com o Paraguai, vivem com medo. “Eu gostaria de ser mais otimista, mas não existe hoje no Brasil uma política de estado para diminuir a violência nas regiões de fronteira. A população é quem fica à mercê dessa insegurança,” afirmou Martim Francisco Lemos de Andrada e Silva Neto.
O presidente do Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais, Wanderley Alves dos Santos, da Delegacia de Corumbá, criticou o sucateamento das estruturas utilizadas pelas polícias para fazer seu trabalho, e o modelo de trabalho que ele considera bastante arcaico: “são modelos similares há 30 anos, não evoluímos”, observou. Wanderley Alves dos Santos, apontou a necessidade de uma mudança na forma de trabalho, com ciclos de regimes alternados, para que as regiões não fiquem desassistidas, e estrutura mais eficiente e moderna para sanar essa insegurança.
A precarização dessas instituições, e a falta de servidores públicos também foram apontados pela diretora-geral da Associação dos Servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (UNIVISA), Yandra Ribeiro Torres como os principais desafios a serem pensados. Ela lembrou que o número de servidores que hoje atuam na ANVISA é o menor desde a sua criação, em 2009. Yandra Ribeiro Torres esclareceu que 94 servidores públicos que trabalham somente na área responsável pelas fronteiras (áreas, terrestres e marítimas), se aposentaram nos últimos dois anos, e muitos faleceram durante a pandemia. E ainda dentro do contexto da pandemia, cerca de uma dezena de postos de fronteira foram fechados. “Hoje, a Anvisa mantém somente três postos de fronteira, em Uruguaiana/RS, Foz do Iguaçu/PR e Guarulhos/SP, e nesses três postos, nós não atingimos o efetivo de 25 servidores, e isso é muito sério. A pandemia nos mostrou o quanto é importante fazer um controle sanitários nas fronteiras,” analisou Yandra Ribeiro Torres. Ela observou ainda que todos os palestrantes falaram da importância da integração entre esses órgãos de segurança pública e o déficit de servidores. Precisamos melhorar toda essa política de estado, precisamos de orçamento e políticas voltadas à proteção dos brasileiros nas fronteiras, pensando na segurança e na saúde pública de todos nós,” esclareceu.
A diretora-geral da UNIVISA, Yandra Ribeiro Torres destacou ainda que não falta intenção dos servidores públicos de melhorar e otimizar seu trabalho, para dar celeridade aos processos, “mas que condições de trabalho o Estado tem dado aos seus servidores públicos?” Questionou. E quando o servidor desiste, disse ela, “não é por que ele não tem vontade, como escutamos atualmente de muitas autoridades que deveriam zelar pelo nosso trabalho, eles desistem por que estão cansados de propor projetos que muitas vezes são jogados fora por chefias de cargos comissionados, ou pela falta de investismentos e de respeito ao serviço público. O servidor público está cansado,” apontou Yandra Ribeiro Torres.
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