Carta aberta ao Deputado Federal Paulo Rocha/PT-Pará
Belém, 16 de junho de 2003
Deputado Paulo Rocha,
Meu nome não é Regina Duarte mas estou com medo, muito medo. Medo de não superar o trauma de ter ajudado a eleger um governo mais neoliberal que o de FHC, mais preocupado com o marketing pessoal  que o de Fernando Collor e mais adepto do “é dando que se recebe” que o de José Sarney. Minha esperança? Acabou junto com a novela homônima da Rede Globo. Não estou entendendo mais nada e Freud nem está aqui para explicar! 
Decidi escrever-lhe porque hoje li duas coisas muito interessantes: uma matéria assinada pelo Sr. Jarbas Passarinho, ex-senador e ex-governador do Pará e ex-ministro, publicada no jornal O Liberal de ontem, intitulada “A Intriga e o Efeito” e uma edição especial do Dito& Feito, boletim elaborado pelo seu gabinete, em 1995. Ambos falam sobre reforma da Previdência.
Na matéria de O Liberal, JP diz que: “A pretendida reforma da Previdência Social traz no seu bojo duas conseqüências imediatas: a cizânia, ao intrigar trabalhadores com servidores públicos, e a insegurança destes, que se apressam a aposentar-se.” E é justamente nisso que o governo aposta: que ganhará a simpatia de toda a sociedade denegrindo a imagem do servidor público. Esse filme eu já vi, deputado. E, sinceramente, não esperava revê-lo no governo Lula. O pior de tudo é saber que EU também estou pagando essa campanha milionária. Pagando para que atores famosos, muito seguros dos seus textos digam um monte de bobagem no horário nobre da televisão. De volta à matéria de JP... Ele envereda pela questão do tão propalado déficit da previdência faz um breve histórico dos períodos em que geriu a pasta e diz que o servidor público “paga 11% sobre o salário integral, enquanto o trabalhador o faz sobre o teto de cerca de 1.800,00”. Diga-me, deputado, por que isso NUNCA é dito nas propagandas do governo?
Mais adiante, ao relatar um encontro do presidente com intelectuais de esquerda, JP cita uma frase da professora da USP, Olgária Matos, que, se oportunidade eu tivesse, a repetiria não só para ele (presidente), mas também para o ministro da Previdência Ricardo Berzoini: “Você não pode sair atacando o funcionalismo sem a sociedade saber o que significa a função pública. No Brasil, confunde-se direito com privilégio, porque a gente nunca teve direito”. (grifo meu)
Bem dizia minha falecida avó: o mundo dá muitas voltas... 
Logo mais, à tarde, chegou-me às mãos uma cópia do retrocitado boletim. A manchete: Reforma da Previdência é golpe. Abra o olho! Não sei se o sr. guardou na memória o que escreveu. Pelo sim, pelo não, vou lembrar-lhe alguns trechos:
“Essa proposta, conhecida como a Proposta de Emenda Constitucional nº 33/95, não avança no combate às causas das deficiências da previdência pública, nem se sustenta num diagnóstico sério sobre suas mazelas, transferindo para o trabalhador o ônus da má gestão estatal e das distorções provocadas pelos privilégios e fraudes que sangram os cofres da Previdência. A única utilidade da reforma é “asfaltar” o caminho por onde os grandes grupos econômicos seguirão para explorar comercialmente esse inesgotável filão que é a aposentadoria privada. Com a fixação do teto máximo para aposentadoria (R$ 1.200,00), quem não irá querer contribuir paralelamente num plano de previdência privada? Mas é aí que mora o perigo, pois está bem vivo em nossas memórias os casos Capemi, GBOEx, etc, que lesaram milhões de trabalhadores brasileiros que ali contribuíram durante toda uma vida e jamais conseguiram receber um centavo sequer”. (grifo meu)
E o Sr. continua... “Somente uma rápida e eficaz mobilização dos funcionários públicos, em conjunto com os demais trabalhadores brasileiros, poderá impedir a aprovação dessa aberração”. (grifo meu)
Daí em diante o Sr. destaca os principais pontos do projeto em tramitação e coloca seu gabinete a disposição para tirar dúvidas e encaminhar propostas de mobilização pela rejeição da emenda.
Inacreditável é que oito anos depois, o mesmo parlamentar que escrevia no seu boletim informativo palavras de ordem do tipo: “É preciso mobilizar” e “Alerta! A reforma prejudica você, seu pai, seu irmão, seus parentes, colegas, amigos e vizinhos”, fuja dos servidores públicos como o diabo foge da cruz. Refiro-me a um episódio ocorrido no dia 19 de maio p.p.. 
Naquela tarde de segunda-feira, vários servidores públicos foram até o Aeroporto Internacional de Belém com o intuito de conversar, mesmo que rapidamente, com os parlamentares da bancada paraense que estavam voltando para Brasília. Concentraram-se no segundo piso, ao lado da única escada rolante, a poucos metros da entrada para o embarque doméstico e afixaram uma faixa enorme com palavras de protesto contra a reforma da previdência. Por ali passaram os deputados federais Anivaldo Vale (PSDB), Vic Pires Franco (PFL), dentre outros. O Sr. também teria passado se não preferisse subir por uma escada fixa, localizada no final do saguão, numa tentativa de fugir da iminente abordagem. Como vários colegas circulavam pelo ambiente quando da sua chegada, um deles avisou aos demais  sobre a sua rota. Eles caminharam ao seu encontro e foram MUITO mal recebidos. Ali, deputado, estavam várias pessoas que votaram no Sr. não só nessa, mas noutras eleições passadas. Trabalhadores, chefes de família e não privilegiados como agora até o Partido dos Trabalhadores passou a nos chamar.
Sem perceber, estavam seguindo os conselhos que o Sr. mesmo lhes deu no seu informativo de 1995, transcritos abaixo:
1) Esclarecer todos os servidores públicos das perdas que terão com a aprovação dessas reformas. Todos perderão.
2) Fazer mobilizações internas nos órgãos, nos Sindicatos, Associações, etc.
3) Denunciar os deputados que votam contra os direitos dos trabalhadores.
4) Pressionar os deputados federais e senadores. É preciso que eles saibam que o povo está atento e lhes dará o troco nas urnas. Reúnam-se com os deputados em sua base, visitem suas casas, escritórios políticos, etc”. (grifo meu)
Por isso, deputado Paulo Rocha, mais dia, menos dia, o Sr. vai me encontrar ou no saguão do aeroporto, ou no seu gabinete em Brasília, ou no seu escritório em Belém ou mesmo na sua casa, quando aproveitarei para dar um abraço na minha colega Regina, sua companheira, servidora pública aposentada do Ministério da Fazenda. E nem pense em fugir de mim!     
Como já disse, não me chamo Regina Duarte. Meu nome é Dayse do Socorro de Almeida e Cunha (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.). Sou técnica da Receita Federal, lotada e em exercício na Alfândega do Aeroporto Internacional de Belém-PA. Fiz concurso público e trabalho há quase 20 anos na Secretaria da Receita Federal, órgão do Ministério da Fazenda. Cumpro religiosamente meu horário, que é de segunda a sexta-feira, das 08:00h às 12:00h e das 14:00h às 18:00h e sei que isso não é favor nenhum, mas dever de ofício, afinal, os contribuintes pagam – e caro – por isso. Mas não cumpro só horário. Cumpro, também, com meus deveres de servidora pública e isso inclui atendimento ao contribuinte, preparo e controle de processos afetos à área aduaneira, muitos deles envolvendo créditos tributários, elaboração de pareceres, etc. Meu salário bruto atual é de R$ 4.512,41, dos quais R$ 481,81 vão para os cofres da Previdência. Um trabalhador do Regime Geral da Previdência Social, com um salário igual ao meu, contribui com R$ 171,77. Não tenho FGTS, remuneração de horas extras, seguro desemprego, participação nos lucros da empresa, digo, na arrecadação de receitas federais – que, aliás, têm batido sucessivos recordes – nem acordos coletivos. Sem contar que nosso direito de fazer greve ainda não foi regulamentado. Será, deputado, que sou tãããão privilegiada assim?