Relatório da reforma é apresentado enquanto servidores protestam
O clima de tensão pré-relatório contaminou algumas lideranças do governo, na manhã desta quinta-feira (17), quando, momentos antes do deputado José Pimentel (PT-CE) apresentar as conclusões da reforma da Previdência, o sereno presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), perdeu as estribeiras e reagiu descontrolado. “Vocês poderiam ir cuidar do mérito da reforma”, bradou irritado, quando os colegas deputados Chico Alencar (PT-RJ) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ), pediram para que as galerias da Casa fossem abertas aos servidores públicos.
Os mais de duzentos lugares ficaram vazios. Não é que não houvesse servidor para protestar, mas a Presidência da Câmara determinou que apenas 63 pessoas, que portavam senhas, pudessem entrar na galeria. Os demais servidores, cerca de 500, assistiram à sessão em um dos auditórios da Câmara enquanto que outra parte protestava nas imediações do Plenário, ao som de um ensurdecedor apitaço.
“Nosso desejo é de mostrar aos deputados nossa indignação, contra essa falta de consideração com os servidores públicos”, disse Deuzimar Alcântara, da área da Saúde Pública.  Um refrão da música Vou Festejar, de Jorge Aragão, Dida e Neoci, foi improvisado. “Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão”, cantavam os servidores na entrada do Plenário.
As mais de duzentas páginas do relatório de Pimentel não foram lidas na íntegra. O relator leu trechos de um resumo, com uma dezena de páginas. “Eu desconfio que o relatório ainda está sendo escrito fora daqui” ensinuou o vice-líder do PFL, Onyx Lorenzoni (RS), dando a entender que o Palácio do Planalto é que estava decidindo pelas as última palavra no texto de Pimentel.
Medidas amargas — O vice-líder do governo, deputado Professor Luizinho (PT-SP) considerou “amargas, mas necessárias” as medidas tomadas pelo governo, expressas no relatório de José Pimentel. Já o presidente da Comissão Especial da Reforma, deputado Roberto Brant (PFL-MG), afirmou que saia “frustrado” porque “o governo teve todas as condições de fazer uma verdadeira reforma da Previdência e deixou passar sua melhor oportunidade”. Segundo o parlamentar, que foi ministro da Previdência Social entre 13 de março de 2001 a 8 de março de 2002, nesse ritmo “só daqui a 40 anos é que teremos verdadeira mudança na Previdência”.
Duelo de titãs — Durante toda a manhã, lideranças dos partidos que dão sustentação ao governo estiveram reunidas no Palácio da Alvorada, onde reside o presidente da República, tentando convencer Lula da necessidade de se incluir a integralidade para os servidores.
O presidente não se convencia da idéia, e chegou a telefonar para João Paulo Cunha pedindo que Pimentel deixasse de fora do relatório o direito de paridade. No outro lado da linha o presidente encontrou um João Paulo tenso, pela discussão com Chico Alencar e Jandira Feghali, além do aborrecimento na entrada do Plenário quando foi xingado de traidor, pelos servidores. Lula acabou sendo voto vencido.
Paridade e integralidade — O deputado José Pimentel incluiu em seu relatório, a integralidade e a paridade para os atuais servidores públicos. Nos critérios de integralidade Pimentel determinou 55 anos de idade, 30 anos de contribuição, 20 anos no serviço público e dez anos no último cargo. Para os servidores são exigidos 60 anos de idade, 35 anos de contribuição, 20 anos no serviço público e dez anos no último cargo. Quanto à paridade, o relator determinou reajuste igual para servidores da ativa e aposentados.
O parecer do relator ainda mantém a possibilidade de aposentadoria proporcional aos 70 anos de idade. Quem desejar não cumprir esses critérios de integralidade, pode se aposentar com 53 anos de idade (para os homens) e 48 anos (para as mulheres, 35 anos de contribuição (homens) e 30 anos (mulheres), dez anos de serviço público e cinco anos no último posto. O cálculo do benefício é feito pela média de salários desde julho de 1994, com redutor de 5% para cada ano de antecipação da aposentadoria.
Taxação dos inativos – Contra a vontade dos servidores, o relator da reforma da Previdência, deputado José Pimentel, manteve o limite de isenção de R$ 1.058. “Essa proposta (de taxação) é inaceitável”, bradou a deputada Alice Portugal (PC do B-BA). “Eu não fui eleita para taxar aposentadoria das velhinhas”, afirmou.
Judiciário reage — O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa, considerou “inexplicável” a decisão de José Pimentel de estabelecer o subteto para o Poder Judiciário nos estados. Segundo o relator, o salário dos desembargadores do Tribunal de Justiça estarão limitados em 75% do salário do ministro do STF que, atualmente, é de R$ 17.300.
“O que me surpreende, é a questão relativa, ao subteto do Judiciário nos Estados. Esta é de fato uma questão crucial. Colocaram um desembargador para ganhar menos do que ganha um juiz substituto da Justiça federal. Isso é inconcebível e inexplicável”, protestou Maurício Corrêa.
O presidente do STF lembrou que na semana passada, havia sido acertado que os magistrados queriam um subteto de 90,25% do salário de um ministro do Supremo. “Nós acertamos isso na casa dele”, disse Corrêa se referindo a um encontro que manteve com o presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha.
Em nota, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) consideraram que o relatório da Previdência põe em risco “a soberania nacional” e provoca um “desmonte no Estado”.