Legislativo analisa Judiciário
Proposta de reforma ganha força com escândalos
Depois de quase 12 anos em discussão no Congresso Nacional, a reforma do Poder Judiciário finalmente deve sair do papel. A proposta teve o aval da Câmara, mas, ainda tem que passar pelo Senado, isso significa que o assunto permanecerá em discussão no Legislativo. As partes modificadas terão que ser analisadas mais uma vez pelos deputados.
O motivo da reforma é tentar dar mais transparência e agilidade ao Judiciário, simplificar os processos e permitir que todos tenham acesso à Justiça. O principal argumento é a necessidade de mudar o rumo da história de um Poder desacreditado pela população. As montanhas de processos parados nos tribunais afastaram o povo da Justiça. Dos tribunais de primeira instancia ao Supremo Tribunal Federal (STF), muitos casos se arrastam há décadas. A pior situação é a das pessoas que não têm dinheiro para custear as despesas de uma ação, não têm ajuda do poder público e, portanto, são obrigadas a contar com a justiça divina.
A credibilidade do Judiciário que não andava boa despencou ainda mais nos últimos anos com os escândalos envolvendo juízes e procuradores. O mais conhecido é do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, acusado de desviar R$ 200 milhões da obra de construção da sede do TRT de São Paulo. Outro caso mais recente foi a prisão do juiz do Trabalho, Rocha Mattos, envolvido com a máfia dos fiscais e que formou uma verdadeira rede de cobrança de propina na capital paulista.
Controle Externo
Os escândalos reforçaram a idéia de criação de um sistema de controle externo do judiciário. Com a reforma, este controle deve ser feito por dois conselhos: o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. Estes Conselhos poderão solicitar processos e acompanhar a atuação dos juízes. Mas o governo quer mais mudanças. Os líderes da base aliada ao Presidente Lula no Congresso chegaram a apresentar uma emenda à reforma, ampliando os poderes do Conselho de Justiça e dando a ele poder de expulsar juiz corrupto do serviço público. No entanto, a proposta foi rejeitada. O argumento dos juízes, que pressionaram os parlamentares, é que um órgão de fora do Judiciário estaria exercendo funções da Justiça e isso não seria admissível. Para o governo, o Conselho não chega a ser um órgão estranho ao Judiciário, já que é composto em sua maioria por representantes da própria Justiça. São 15 componentes, sendo 9 juízes de diversos níveis, 2 representantes da OAB, 2 do Ministério Público e 2 representantes da sociedade civil indicados pelo Congresso Nacional - 1 pela Câmara e 1 pelo Senado.
Súmula Vinculante
A reforma do Judiciário também trouxe um novo instrumento para impedir que questões idênticas sejam julgadas várias vezes. A idéia é dar mais agilidade à Justiça. A proposta original da reforma previa a chamada súmula vinculante em todas as instâncias. Isso significa que uma questão julgada em uma instância superior teria que ser cumprida por todas as instâncias inferiores. A proposta, no entanto, sofreu resistências, inclusive dentro do próprio governo. O ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos, por exemplo, foi contrário. Resultado: o texto original sofreu mudanças e a súmula vinculante só valerá para as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal - STF. Para os demais tribunais, deve valer um outro instrumento que ainda será analisado pelos deputados. É a súmula impeditiva de recurso. Ela impede recurso, por exemplo, contra decisões tomadas por tribunais de primeira instância e que contrariem um julgamento feito anteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ. Um levantamento feito pela Associação Nacional dos Magistrados - ANAMATRA, revela que 80% dos casos que chegam ao Supremo Tribunal Federal - STF são repetitivos. Com os instrumentos da súmula vinculante e da súmula impeditiva de recursos, espera-se reduzir o número de julgamentos, dando o mesmo tratamento para casos idênticos.
Quarentena
A reforma do Judiciário também estabelece mecanismos para impedir que juízes e procuradores possam se aposentar e iniciar de imediato outra atividade na iniciativa privada. É a chamada "quarentena". Com a reforma, essa transição só poderá ser feita após um intervalo de três meses.
Defensorias públicas
As defensorias públicas, caminho mais fácil para as populações pobres terem acesso à Justiça, serão fortalecidas.
Para a líder do governo no Senado, Ideli Salvatti (PT/SC), a reforma do Judiciário que está sendo feita ainda não é a ideal, mas sim a reforma possível e necessária. "Este assunto já está em discussão há mais de uma década e não podemos mais esperar. A Justiça brasileira precisa ser democratizada", disse Ideli. De acordo com a líder do PT, não basta que o direito à Justiça esteja apenas escrito na Constituição, é preciso que ele seja efetivamente garantido às pessoas de baixa renda. A senadora também faz críticas à lentidão do Judiciário. "Se a Justiça demora ela deixa de ser justa", acrescentou. Ela também criticou a rejeição da emenda que daria ao Conselho de Justiça poderes para derrubar juízes corruptos.
O relator da reforma do Judiciário, senador José Jorge (PFL/PE), considera as mudanças constitucionais o primeiro passo para a rapidez e transparência ideal da Justiça. Apesar das dificuldades, o relator considera que fez um bom trabalho, principalmente pela rapidez com que o relatório foi analisado no Senado Federal. José Jorge não admite que tenha recebido pressão por parte dos juízes e procuradores. "Eu não sofri nada que não seja natural. Pressão eu sofro em casa, por parte da minha mulher e dos meus filhos", desconversa o senador.
A visão do STF
Para o Judiciário, a reforma é vista com ressalvas. Os ministros do STF não gostaram da forma com que o Executivo tratou o tema. O presidente Lula chamou o Judiciário de "caixa preta". Para o ex-Ministro Maurício Corrêa, presidente aposentado do Supremo Tribunal Federal e que acompanhou a reta final das discussões da reforma, o governo passou para a opinião pública a idéia de que a reforma do Judiciário seria a salvação de um "mecanismo ultrapassado e obsoleto" e que tornaria a Justiça mais rápida. "Ledo engano", disse o ex-ministro do STF, que defende a reforma processual como saída para a crise da lentidão da Justiça. Para ele, a possibilidade exagerada de recursos e a divisão do processo em fase de conhecimento e em fase de execução contribuem para o atraso da solução de processos e para o descrédito da Justiça perante a população. Formalmente, o STF também é contrário à proposta de controle externo expressa no texto da reforma. Já o Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Grijaldo Coutinho, "é evidente que esta não é a reforma almejada pela sociedade Brasileira". Ele acha que são necessárias medidas que visem a democracia e a aproximação do Judiciário com a sociedade.