Governo vai priorizar
recomposição da força de trabalho
Luiz Alberto defende avanços na relação com servidores públicos e a negociação permanente
O subchefe de Ação Governamental da Casa Civil da Presidência da República, Luiz Alberto dos Santos, é um dos nomes mais fortes da administração pública do governo Lula. Com histórico ligado a administração pública federal, Luiz Alberto é formado em comunicação social, direito e especialista em políticas públicas.
Luiz Alberto participou dos dois principais eventos realizados pelo SINDIRECEITA esse ano. Ocupando uma posição estratégica no Executivo, ele defendeu a postura do governo e destacou as conquistas obtidas nas últimas negociações com os servidores. Luiz Alberto acredita que o país vive um novo momento, marcado pela reconstrução do Estado, mas admite que é preciso avançar na reestruturação de várias carreiras e melhorar a remuneração dos servidores. Ele foi enfático ao dizer que o maior entrave para os avanços, inclusive os sociais, tem sido o enorme endividamento deixado pelos governo anteriores. Em entrevista a revista Tributus ele falou também sobre a possibilidade de unificação das carreiras da Auditoria da Receita Federal. A entrevista foi concedida por Luiz Alberto a equipe da Tributus e contém também as principais perguntas feitas por Técnicos de todo o País, que participaram dos dois seminários.
TRIBUTU$ - Existe alguma proposta para a unificação das carreiras de Auditoria Fiscal em discussão no Governo, e qual a viabilidade de implantação dessa proposta?
Luiz Alberto - No âmbito da Receita Federal existe uma carreira composta por dois cargos distintos que não se comunicam. Na verdade são duas carreiras distintas, Técnicos e Auditores, que legalmente é uma carreira só.
Na Previdência temos uma carreira de Auditor Fiscal, enquanto no Ministério do Trabalho há uma carreira de Auditor constituída por cargos que originalmente eram distintos: fiscal do trabalho, médico do trabalho, engenheiro e assistente social. Esses cargos foram fundidos no cargo de auditor fiscal, portanto, uma carreira única com várias áreas.
Essa situação diferenciada da carreira de auditoria do trabalho nos remete ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que em junho de 2003, por maioria de votos, julgou favorável a unificação de quatro cargos diferentes na Administração Tributária de Santa Catarina, que havia sido proposta em Lei Complementar estadual.
O STF compreendeu que isso era possível porque havia similitude das atribuições desempenhadas pelos ocupantes dos cargos. Portanto, a medida de racionalização da estrutura permitia que isso acontecesse. A Lei enquadrou os servidores na nova carreira com base nas atribuições, divididos em níveis de complexidade, onde a última classe pode exercer todas as funções da carreira. O nível 3 pode fazer tudo, menos o que é privativo do nível 4. E assim sucessivamente até o nível inicial. Teremos que ter uma carreira, na qual os atuais Técnicos, por hipótese, seriam enquadrados na classe inicial da nova carreira, ou na segunda classe, de acordo com sua posição. Os atuais Auditores ficariam nas classes superiores. Daí por diante todos os aprovados em concurso ingressariam no início dessa carreira. Mas, o que precisaria ficar absolutamente demonstrado é que existe similitude de atribuições, que há identidade atributiva.
O que se discute então é se os cargos são ou não semelhantes. Nos casos julgados pelo STF, até agora, haviam atribuições semelhantes. É nesse ponto que está o nó, caso o governo venha fazer essa unificação, mas é preciso vencer algumas etapas.
TRIBUTU$ - Em um possível reposicionamento das carreiras como ficariam os aposentados?
Luiz Alberto - O princípio da paridade tem uma aplicação nesse particular limitado. Ou seja, o que se assegura ao aposentado é aquilo que o ativo teve. Por estar em atividade, o servidor pode atingir situações que aposentado não alcançará. Se a semelhança do que aconteceu em Santa Catarina viesse acontecer e os atuais Técnicos fossem enquadrados em uma classe inicial de uma nova carreira, os aposentados seriam enquadrados nessa classe inicial. Os ativos que continuassem em atividade, tivessem tempo suficiente e cumprissem os requisitos para promoção das classes seguintes, poderiam eventualmente chegar ao fim da tabela.
Então o ativo tem a possibilidade de seguir em frente, mas o inativo só tem o direito de ter o mesmo tratamento que o ativo tem na situação em que se encontra. Quem se aposentou no fim de carreira tem o mesmo direito que tem um ativo no fim de carreira, mas o aposentado não tem direito de continuar avançando na tabela.
TRIBUTU$ - Existe a possibilidade de se criar o Ministério da Administração? O governo tem discutido esse projeto?
Luiz Alberto - Eu participei da equipe de transição do Governo Lula, e já naquela época se discutia sobre isso. Havia por parte dos coordenadores do processo de transição uma grande simpatia por essa idéia, mas o presidente acabou decidindo não fazer nenhuma mudança, e preservou o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Esse assunto já foi objeto de consideração em mais de uma oportunidade. Há no governo quem defenda a idéia, mas também há aqueles que não acreditam que essa seja a solução para eventuais problemas da administração pública. Eu me incluo no grupo que acha que essa não é a solução. Eu entendo que a criação de um Ministério ou Secretaria da Administração não solucionaria as dificuldades relativas ao serviço público. Eu entendo que o que torna os temas de administração pública urgentes e relevantes é a visão que se tem desses temas.
Hoje, em função dos passíveis acumulados, esses temas são mais problemas do que solução. Eu trabalho para que se mude esse enfoque, para que se tenha política de administração de pessoal e para que se tenha política de organização de pessoal, de administração pública, e de gestão. Estamos conseguindo chegar a esse ponto. E nesse sentido ter uma Secretaria ou Ministério é secundário. Hoje temos 35 ministérios, e em alguns casos, a criação desses ministérios foi um fator importante para dar visibilidade, estabelecer interlocução com a sociedade, com agentes econômicos importantes. Na transição, por exemplo, falava-se em criar uma Secretaria Nacional de Segurança Pública. O presidente chegou a afirmar que faria isso, na hora de discutir os detalhes chegou-se a conclusão que seria redundante, isso porque o Ministério da Justiça poderia desempenhar essa função.
Ter um Ministério ou Secretaria de Administração, o que já houve no passado, não torna o tema mais importante, mesmo com um ministro forte e ator central no governo. O que define a importância do ministério é a relevância dos problemas que enfrenta e as soluções que apresenta e, principalmente, a prioridade dada ao tema. Esse esforço vem sendo feito pelo governo, em especial pelos Ministros Guido Mantega e José Dirceu, que são os interlocutores do governo nesses temas.
TRIBUTU$ - Qual o projeto de reestruturação da Receita Federal do governo Lula?
Luiz Alberto - O governo já vem adotando medidas no sentido de promover o fortalecimento e o reaparelhamento da Administração Tributária, não apenas no âmbito da SRF, mas também no da Previdência Social e da Procuradoria da Fazenda Nacional. Estão sendo destinados, no orçamento de 2005, recursos para modernização tecnológica para aparelhamento, assim como se discute no Ministério da Fazenda um projeto mais amplo de reestruturação da Receita Federal, especialmente o fortalecimento de suas unidades regionais.
O governo já vem adotando medidas com o propósito de tornar a Administração Tributária melhor aparelhada para o atendimento de suas funções.
TRIBUTU$ - A reforma da Previdência e a contribuição dos inativos não desestimularam o serviço público?
Luiz Alberto - Não vejo dessa forma, até porque o serviço público continua tendo atrativos bastante interessantes em comparação com o mercado privado. Basta ver que o servidor público ainda tem a garantia da estabilidade. Ele só perderá o cargo se cometer ato de improbidade contra administração pública, ou caso passe por um processo de avaliação e que fique comprovado desempenho insuficiente.
Em segundo lugar, não acredito que a questão do regime previdenciário seja um desestímulo porque o servidor com remuneração até o limite do Regime Geral de Previdência Social tem garantido o direito a aposentadoria integral, e para os que recebem acima desse limite a parcela que superar o regime geral poderá ser integralizada mediante a complementação de fundo de pensão. As pessoas que tem compromisso com a missão de que servir a sociedade não deixarão o serviço público em decorrência dessas mudanças no sistema de previdência social.
TRIBUTU$ - Como o senhor avalia que foram os primeiros meses do governo Lula?
Luiz Alberto - O governo Lula enfrentou, desde o primeiro dia, uma tensão muito forte tendo em vista o elevado grau de desorganização da Administração Pública Federal. Percebeu-se, não apenas como já sabíamos, que há enormes distorções remuneratórias, como também déficits de quantitativos de servidores públicos nas mais diversas situações. Não há praticamente nenhum órgão da administração pública hoje, que possa dizer que tem um quadro de pessoal adequado às suas necessidades, quantitativa e qualitativamente falando.
TRIBUTU$ - No cenário atual qual o maior desafio do governo?
Luiz Alberto - O primeiro desafio é recomposição da força de trabalho. Os ministérios, as autarquias e as fundações não têm gente suficiente para trabalhar. Apesar de alguns ex-dirigentes, ex-secretários de ministérios, ex-ministros e até ex-presidentes publicarem artigos e darem declarações dizendo que o serviço público "está inchado" e que para resolver isso basta remanejar, isso é uma falácia grave. Revela desconhecimento e irresponsabilidade porque se houvesse excesso de servidores não teríamos decisões reiteradas do Tribunal de Contas da União e ações do Ministério Público diagnosticando, denunciando e condenando terceirizações irregulares, contratos de consultorias e prestação de serviços irregulares feitos para substituir servidores de carreira.
Essa é a gravidade da situação. Além de haver pouca gente trabalhando, muitas das que trabalham estão irregularmente prestando serviço à sociedade, porque sequer são servidores de carreira. Jamais se imaginou chegar a um estado de gravidade como este.
TRIBUTU$ - Além da perspectiva de novos concursos e da ampliação do número de servidores, que outras ações o governo tem promovido para valorizar o serviço público e, principalmente, os próprios servidores?
Luiz Alberto - O segundo elemento da política do governo Lula para estruturação e reestruturação das carreiras é o princípio da negociação permanente. Embora saibamos que não se trata de uma questão puramente coorporativa, a discussão sobre organização e reestruturação de carreira envolve um processo de negociação que inclui as diretrizes de todo o sistema de carreiras.
No ano passado, foi constituída a Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP), que mantém uma comissão temática com o propósito de discutir a reorganização das carreiras.
TRIBUTU$ - O governo pretende acelerar o processo de reestruturação de carreiras?
Luiz Alberto - O governo, ao mesmo tempo, também tem uma preocupação com a valorização do sistema e com a preservação dos princípios republicanos de gestão da coisa pública, especialmente da valorização do servidor público e da força de trabalho. Nós não podemos sucumbir a tentação estando no poder, de usar a máquina pública e os poderes do Estado para satisfazer o interesse de facções, sejam elas partidárias ou não.
Nesse sentido, é absolutamente descabida a acusação, que muitas vezes vem sendo feita por parlamentares e partidos de oposição, de que o governo estaria aparelhando a máquina, e inchando-a com cargos de confiança, quando na verdade o que se precisa fazer, além da natural renovação dos postos de comando que decorre da mudança de governo, é substituir e suprir necessidades por organismos institucionais, dentre eles a reestruturação da máquina, inclusive com a criação de novos órgãos e ministérios.
O combate à corrupção é outra bandeira do governo, e que vem tendo o apoio do ministro Waldir Pires, que comanda a Controladoria Geral da União (CGU). Por ser um órgão extremamente deficiente de quadros e recursos humanos, esse é o órgão que vem sendo fortalecido e valorizado.
TRIBUTU$ - O Senhor acredita que a política de gratificações será mantida ?
Luiz Alberto - O governo inicia uma fase de revisão das avaliações de desempenho e aperfeiçoameto daquelas que vinham funcionando razoavelmente bem de modo que, todas se tornem paradigmas para uma reestruturação do sistema do mérito, especialmente, naqueles casos em que há efeitos pecuniários.
TRIBUTU$ - Existe um debate específico de como pode ser efetuada a recuperação das perdas salariais acumuladas nos últimos governos?
Luiz Alberto - Essa discussão é da maior importância porque envolve a recuperação das perdas acumuladas e a correção de distorções no âmbito das carreiras no serviço público. Isso envolve um debate muito complicado sobre a solução a ser adotada; a solução setorial ou geral.
A solução geral seria adotar pura e simplesmente o princípio da reposição inflacionária anualizada. A cada ano, se recomporia a perda do ano anterior, e dos períodos anteriores, mediante um índice adicional para suprir as defasagens provocadas pela inflação não reposta ao longo do período, particularmente entre 1995 até 2001. A solução para esse impasse virá de um debate mais profundo sobre o modelo de carreiras, a partir da negociação com servidores e da elaboração de diretrizes, que vão ter como um dos elementos a recomposição remuneratória.
Mas, no entanto, não podemos deixar de ter em mente que há um compromisso com o equilíbrio fiscal. Por maior vontade que tenhamos, não podemos ignorar que existe um limite de gasto com pessoal que deve ser observado, além do que, a folha de pagamento da União, ativos, inativos, civis e militares tem que ser colocada no contexto geral dos gastos públicos e das necessidades de investimentos e demais compromissos.
TRIBUTU$ - Qual a sua avaliação da negociação encerrada em julho?
Luiz Alberto - As leis enviadas ao congresso implicam que para o próximo ano teremos um aumento na folha de pagamento dos servidores públicos federais de quase R$ 6 bilhões, apenas em decorrência das reestruturações. Em 2003 as despesas com a folha de pagamento total chegou a R$ 78,9 bilhões, Chegaremos ao ano de 2005 com R$ 94 bilhões em despesas com pessoal. Isso em função dos reajustes feito no ano passado e neste ano.
Ao mesmo tempo houve um crescimento significativo dos compromissos financeiros do governo federal, o que mostra a dificuldade que temos. Isso nos coloca diariamente diante de opções que atendam ao interesse do conjunto da sociedade.
No ano de 2003, os investimentos em relação a receita tributária e mais contribuições sofreu uma redução brusca em virtude de outros compromissos que o governo precisa honrar, entre eles o gasto com pessoal e previdenciário, que tiveram crescimento elevado em percentual do PIB.
Se em 2002 tivemos 24% da receita tributária e das contribuições comprometidas com o pagamento dos benefícios previdenciários, esse percentual subiu para 32% em 2003, enquanto percentual de juros ficou em 19%. No mesmo período tivemos uma redução significativa do percentual de investimentos que o governo pôde fazer, que foi reduziu de 3,5% para 2%. Isso coloca o governo a cada momento diante da "Escolha de Sofia", que é a de recuperar as defasagens históricas salariais ou de atuar no sentido de assegurar investimentos públicos e atendimento das necessidades asistenciais e previdenciárias.
TRIBUTU$ - O que os servidores da Receita Federal, especialmente os Técnicos podem esperar com a efetivação da EC 42, que garantiu ao órgão status privilegiado?
Luiz Alberto - A Emenda 42 trouxe um fator novo e muito importante para as administrações tributárias da União, Estados e Municípios ao garantir a status de atividade essencial ao funcionamento do estado e exercida apenas por servidores de carreiras específicas. A EC 42 também garante recursos prioritários para realização de suas atividades e permitirá a atuação integrada com o compartilhamento de cadastros.
TRIBUTU$ - Ao considerar a Administração Tributária como atividade essencial quais devem ser a mudanças percebidas pela sociedade?
Luiz Alberto - O Brasil arrecada 22,5% do PIB, apenas no governo federal. De toda a produção, de todas as riquezas arrecadas pelo governo federal para honrar seus compromissos, 0,43% do PIB são investimentos, 5,21% são destinados para o pagamento pessoal, 7,16% aplicados no pagamento dos benefícios previdenciários, 4,34% são para o pagamento de juros e encargos da dívida. Mas a carga tributária é comparável aos países do primeiro mundo.
Isso torna a Administração Tributária e o próprio estado alvo de críticas. Se a máquina arrecadadora funcionasse melhor e todos que devem passassem a pagar seus impostos, talvez cada um de nós, pudesse pagar menos impostos. Isso é justiça fiscal.