Brasil paralelo movimenta
quase a metade da economia
Práticas desleais respondem por mais de R$ 4 a cada R$ 10 e afetam desempenho de toda a economia
Existe um Brasil paralelo. A economia informal se transformou em uma nação que vive nas sombras e não respeita nenhuma Lei e nem as mínimas regras de mercado. Estima-se que no Brasil essa economia informal seja responsável por mais de R$ 4 em cada R$ 10 da renda bruta nacional e por cerca de seis em cada dez empregos. Num ranking mundial, o Brasil aparece entre as nações com os maiores percentuais de informalidade. Na faixa entre 9% e 24% estão países como os EUA e a Índia, 25,4%. A vizinha Argentina acumula 30,1%, assim como o México.
Pelos dados do Banco Mundial, o único país a disputar com o Brasil o título no continente é a Colômbia. Os dois são superados pela Rússia. Contudo os números brasileiros se revelam mais devastadores, especialmente o do varejo de alimentos, onde 94% dos empregos são informais e na construção civil que registra 70% de empregos informais.
Pior ainda é porque os problemas provocados por esse mundo paralelo não ficam contido nesse universo a parte. Eles atingem em cheio a economia formal e os empregos de todos os brasileiros. Poucos são os setores que deixam de sofrer diretamente com essa nação ilegal, alimentada pela concorrência desleal. No varejo, sonegam-se impostos, fabricantes ilegais de alimentos ignoram por completo as normas e legislações de qualidade e põem em risco a segurança alimentar do País. Construtores informais não registram funcionários e horas trabalhadas. Gravadoras violam direitos autorais. O setor de cigarros é a maior vítima do contrabando com 51 bilhões de unidades comercializadas ilegalmente (um terço do mercado), o que representa mais de 20% do faturamento.
As causas para a existência desse mundo paralelo que foi tomando forma e ganhou força nos últimos anos, são muitas, afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), Emerson Kapaz. Mas uma das principais seria o grande diferencial competitivo obtido pelas empresas que sonegam impostos, justamente por conta da elevada carga tributária. Uma ironia do modelo econômico brasileiro que nos últimos anos para elevar a arrecadação promoveu constantes elevações de alíquotas.
No geral, os países que integram o bloco das nações em desenvolvimento têm carga tributária corresponde a 25% do PIB. Já as nações desenvolvidas praticam uma carga tributária na casa dos 30% do PIB. Mas, o Brasil vive uma situação a parte. Apenas na década de 90 a carga tributária passou de 14% para mais de 30% e esse ano deve fechar na casa dos 35% do PIB.
Foi nesse contexto de crescimento da informalidade que surgiu o Instituto ETCO, lembra Kapaz. Uma iniciativa que reuniu justamente as empresas que mais sofriam com o avanço da informalidade. Ele lembra que, desde a criação do ETCO, a idéia foi tomando força e passou a mobilizar setores essenciais da sociedade que antes não participavam deste que é um debate de todo o País. Hoje, a proposta do instituto é vista com bons olhos em outros países como o Argentina, Chile e México que sofrem com problemas semelhantes. Nessa entrevista a tributus ele fala sobre os avanços do instituto, da importância do trabalho dos Técnicos e principalmente da necessidade de se ampliar o combate a concorrência desleal no País.
TRIBUTU$ - Primeiro gostaria que o senhor contasse um pouco da história do instituto ETCO, como surgiu, e em que contexto econômico foi criado o instituto?
Emerson Kapaz - Quando o Instituto ETCO surgiu grassava a impunidade no País no que se relacionava às práticas ilegais de concorrência. Crescia o número de empresas que faziam da sonegação, do contrabando e da adulteração de produtos, leia pirataria, um imbatível diferencial competitivo. Foi para acabar com esse ambiente de impunidade, dos mais perversos para a economia, que empresas éticas, aquelas que recolhem seus impostos e respeitam a lei, como as áreas de cervejas e refrigerantes, fumo e combustíveis, se reuniram e criaram o Instituto. O passo seguinte foi abrir e ampliar os canais de diálogo com o governo. Criar uma nova consciência. Demolir o mito de que a informalidade era um escudo contra o desemprego.
TRIBUTU$ - Durante os anos de atuação do instituto, quais foram as principais contribuições da entidade para a melhoria das práticas concorrenciais no Brasil?
Emerson Kapaz - Os avanços são muitos. Primeiro, nos tornamos uma referência na defesa da ética da concorrência em âmbito nacional e da América Latina, em especial na Argentina, Chile e México. Isto porque conseguimos que o governo alcançasse a defesa da ética da concorrência ao patamar de prioridade, o que nunca tinha acontecido antes. Segundo, conseguimos aglutinar o empresariado em torno de teses como a desburocratização, o fim da impunidade e a reforma tributária, de modo a ampliar a base de contribuintes, reduzir impostos e inibir a informalidade. Terceiro, mostramos, por meio de estatísticas objetivas, que a informalidade prejudica o desenvolvimento brasileiro, com repercussões absolutamente negativas no emprego, na renda e na competitividade. Não fosse a informalidade, estaríamos hoje crescendo mais do que duas vezes o que temos conseguido, à duras penas. Além disso, também trouxemos à luz as conexões da informalidade com o crime organizado. Na verdade, em dois anos fizemos o que pensávamos em fazer em quatro anos ou mais. Foi um salto de qualidade muito bom. Para chegar onde estamos contamos, e muito, com o apoio da imprensa, a sensibilidade do Judiciário e o apoio dos governos, nas diferentes esferas. Em vários estados hoje existem forças tarefa combatendo práticas ilegais de concorrência. Ao mesmo tempo, a Policia Federal e a Polícia Rodoviária passaram a desenvolver um trabalho excelente. O tempo da impunidade passou a pertencer ao passado.
TRIBUTU$ - O governo tem contribuído para melhoria do ambiente empresarial, e qual deve ser o papel da Receita Federal nesse sentido?
Emerson Kapaz - A Receita Federal tem exercido seu papel, com dedicação e eficiência. Ao apertar o cerco contra as práticas ilegais de concorrência contribui, em muito, para melhorar o ambiente dos negócios. Agora, o governo precisa transformar as reformas macroeconômicas em realidade. Quando isso acontecer, o ambiente empresarial será dos mais saudáveis. O País está pronto para inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento sustentado e duradouro.
TRIBUTU$ - Como o senhor avalia o combate realizado pela RF aos crimes de contrabando e pirataria?
Emerson Kapaz - A Receita Federal tem feito um trabalho muito bom, considerando as deficiências de recursos materiais e tecnológicos existentes. As apreensões de contrabando e produtos pirateados em todo Brasil, em especial na operação Cataratas, demonstram que muita coisa mudou, que muito está sendo feito, mas que ainda pode-se fazer muito na área da Receita.
TRIBUTU$ - O senhor acredita que instituições como a RF tem dado respostas as necessidades da sociedade, caso não, o que na avaliação do senhor precisa ser feito para que as respostas sejam mais efetivas?
Emerson Kapaz - O que se espera hoje da Receita Federal, do ponto de vista da sociedade, é uma justiça tributária maior com relação às empresas que hoje pagam seus tributos, no sentido de um alargamento da base de tributação, com uma menor carga incidente nos que hoje pagam. Isso diminuiria a concorrência desleal e faria com que se arrecadasse mais, desestimulando a busca da informalidade.
TRIBUTU$ - O senhor tem acompanhado o debate sobre a possibilidade de criação de uma “Super Receita”, que unificaria as ações da Receita Federal e Previdenciária, o senhor acredita que essa unificação traria avanços no combate a sonegação fiscal, por exemplo?
Emerson Kapaz - Antes de se pensar em ampliar o trabalho hoje realizado, é necessário aparelhar melhor a Receita Federal, tanto em termos de recursos humanos como materiais.
TRIBUTU$ - Para finalizar, como o senhor avalia a operação “Cataratas”, que foi deflagrada no final do ano passado e que ainda continua em execução na região de Foz do Iguaçu? O senhor acredita que essas ações devem ser estendidas para outras localidades?
Emerson Kapaz - A prioridade deve ser Foz do Iguaçu, já que 70% do contrabando e dos produtos entram no Brasil por lá. O êxito das recentes operações mostra que o trabalho tem que continuar, mas é necessário também avaliarmos a introdução de mudanças estruturais, que permitam elevar o emprego formal na região, para contemplar os desempregados da informalidade.