A frustração dos ambientalistas
Gustavo Souto Maior
Frustração, decepção e revolta. Essas são palavras que podem resumir o sentimento da maior parte do setor ambientalista brasileiro em relação à política ambiental do governo Lula. Às vésperas do último ano desse governo, o que se verifica é uma inversão das metas referentes à área esboçadas pelo PT na campanha à Presidência.
No início do governo, os trabalhadores e militantes na área ambiental empolgaram-se com inúmeros fatores. Primeiro, o conceito da transversalidade, que perpassava o programa da área: meio ambiente não mais tratado como um setor estanque, dissociado dos demais setores governamentais. Política econômica e política ambiental iriam andar de braços dados. A idéia era a de que, em todas as políticas públicas, o componente ambiental seria, de fato, considerado. Segundo, a escolha de Marina Silva para ministra de Meio Ambiente, reconhecida internacionalmente pelas lutas em defesa da Amazônia. Um casamento a princípio perfeito: um belo programa, e uma ministra com um passado de lutas ambientais aplaudido em todo o mundo. Excelente começo.
Contudo, os primeiros meses de governo praticamente acabaram com as ilusões daqueles que acreditaram em Lula e em seu programa ambiental. A primeira medida frustrante foi a autorização de importação de pneus usados, vindos do Paraguai e Uruguai. Do ponto de vista ambiental, um desastre.
Em seguida, em viagem ao Pantanal, um santuário ecológico admirado internacionalmente, Lula fez um discurso apoiando a industrialização daquela região. A sua proposta na campanha era implantar, em acordo com Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, um programa de proteção do Pantanal. Na ótica do presidente Lula, proteger o Pantanal talvez signifique instalar indústrias poluentes em um ecossistema frágil e já bastante ameaçado. Visão essa que foi encampada pelo atual governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, quando encaminhou à Assembléia Legislativa o Projeto de Lei 170/05 permitindo a instalação de destilarias na Bacia do Alto Paraguai, região pantaneira. Postura que produziu recentemente um mártir da luta ecológica no nosso país.
Entretanto, o pior ainda estava por vir. Ainda no primeiro ano de governo, surgiu a prova de que a prometida política ambiental do governo Lula era de fachada: quando se decidiu legalizar as plantações clandestinas de soja geneticamente modificada. Algo inacreditável, pois o programa de governo previa uma moratória na plantação de transgênicos até que se concluíssem os estudos sobre sua repercussão no meio ambiente e na saúde humana. Além disso, propunha estabelecer ações integradas de controle, fiscalização e repressão a plantios clandestinos e ilegais no país. Exatamente o oposto do que o Presidente Lula decidiu. Vitória para a multinacional Monsanto, que comercializa não só sementes transgênicas, mas também defensivos agrícolas. Derrota fragorosa para o meio ambiente e para a sociedade, que até hoje desconhece os alimentos transgênicos consumidos, pois eles sequer são rotulados e identificados.
Em 2005, mais um triste resultado: o desmatamento de 26.130 km2 na Amazônia, medido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2003 e agosto de 2004, o segundo maior da história. Um duro golpe naqueles que acreditaram nas promessas de campanha relativas ao desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Finalmente, para só mencionar os grandes temas, chegamos à transposição do rio São Francisco, obra que é praticamente uma unanimidade em termos de oposição do movimento ecológico, dividindo as opiniões inclusive de técnicos do próprio governo. Considerada sua maior obra e já iniciada, a transposição do rio São Francisco ironicamente surge de forma exatamente oposta ao que constava do programa de governo do PT. Imposta de cima para baixo, desrespeitando inclusive o Comitê de Gestão da Bacia Hidrográfica do São Francisco.
As informações orçamentárias confirmam toda essa situação. Segundo o deputado Augusto Carvalho (PPS/DF), a soma dos investimentos realizados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) nos três primeiros anos do governo Lula é inferior, por incrível que pareça, aos investimentos do último ano do governo FHC. E da dotação autorizada para o MMA em 2005, os R$ 2.188.628.650,00, uma boa parte – R$ 697.639.659,00 (31,9%) – é destinada à reserva de contingência. Em outras palavras, um terço do orçamento do MMA é destinado ao famigerado superávit primário.
Enfim, a política ambiental do governo Lula tem significado, na prática, o fortalecimento do agronegócio exportador, o enfraquecimento da ministra do Meio Ambiente e do Ibama, que se esperava fossem ter mais apoio político e financeiro para encaminhar soluções de problemas antigos, e cumprir o prometido no programa ambiental do governo Lula. Em relação ao meio ambiente, o medo está vencendo, por larga margem, a esperança. Fica uma conclusão: meio ambiente nunca foi prioridade nesse governo, apesar das promessas e ações incluídas no programa ambiental do PT.
Gustavo Souto Maior é coordenador do Núcleo de Estudos Ambientais (NEA) da Universidade de Brasília (UnB). Engenheiro e mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente pela UnB, participa do Conselho de Gestão da Reserva da Biosfera do Cerrado e do Conselho Consultivo do Parque Nacional de Brasília. Atualmente, preside a Associação Amigos do Parque Nacional de Brasília e entre os trabalhos publicados, destacam-se os que tratam das relações entre a economia e a conservação da natureza.