CPI da Biopirataria pede investigação de 80 pessoas e empresas
CPI termina sem provocar reações fora do Congresso
Mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi encerrada em março de 2006 na Câmara dos Deputados. A diferença é que, nesse caso, a divulgação do relatório final gerou pouca polêmica e, apesar da relevância do tema, a repercussão foi mínima fora do Congresso Nacional e dos meios acadêmicos.
Ao contrário da CPI da Pirataria,,a Comissão Parlamentar que investigou a Biopirataria termina sem provocar reações na sociedade, apesar de encerrar as investigações com a recomendação para que o Ministério Público investigue mais de 80 pessoas e empresas suspeitas de envolvimento em crimes ambientais. O relatório também sugere políticas públicas e mudanças nas leis para coibir a biopirataria no Brasil que é, de acordo com o relator da comissão, deputado federal Sarney Filho (PV-MA), "seguramente a atividade ilícita mais rentável do Brasil".
O relatório final do deputado aponta para a necessidade de se realizar no País um amplo trabalho de investigação e penalidades nas três áreas investigadas: comércio ilegal de madeira, tráfico de animais e biopirataria. Para o relator não foi a crise política que acabou o fuscando o trabalho da Comissão. O deputado diz que no caso da CPI da Pirataria havia o interesse das grandes empresas e dos grandes grupos multinacionais em preservar a propriedade intelectual, enquanto que no caso da CPI da Biopirataria existia um interesse contrário. O deputado diz que a disposição dos laboratórios é que nada mude no Brasil. Nesse caso, ressalta Sarney Filho, a defesa da propriedade intelectual e dos bens genéticos pirateados é apenas do Brasil, enquanto que as empresas que se utilizam dessa prática querem manter o modelo atual de exploração do saber das populações tradicionais e dos recursos naturais sem a necessidade de negociar contrapartidas. "Aqui o Brasil é vítima e não o vilão da história. São duas coisas completamente diferentes", diz o deputado, que falou nessa entrevista sobre o fim da CPI da Biopirataria e da necessidade de se ampliar o conhecimento no Brasil sobre seu patrimônio genético e sobre o conhecimento tradicional.
TRIBUTU$ - O que se espera após a conclusão do relatório da CPI da Biopirataria?
Sarney Filho - O relatório se debruça sobre a biopirataria em três aspectos: extração ilegal de madeira, tráfico de animais silvestres e a biopirataria como sendo a apropriação de conhecimento ou de material genético de forma irregular. O relatório final traz uma série de recomendações específicas e genéricas, sobre a legislação, orientação de instrumentos de crédito, além de uma série de orientações.
TRIBUTU$ - A CPI conseguiu dimensionar o prejuízo que a biopirataria gera?
Sarney Filho - Em termos de valores não foi possível, mas conseguimos revelar que o tráfico de animais silvestres envolve valores superiores a US$ 1 bilhão no Brasil. Esse tráfico de animais é a segunda maior ilegalidade cometida no País e só perde para o tráfico de armas e drogas.
Na extração ilegal de madeiras é difícil estimar, mas sabe-se que somente na Amazônia quase 80% da madeira é extraída de forma ilegal. Não é possível valorar, mas sabemos que a quantidade é enorme.
Acreditamos que a biopirataria é seguramente a atividade ilícita mais rentável do Brasil, que deve envolver valores astronômicos.
TRIBUTU$ - Hoje no Brasil existe um debate institucional sobre a pirataria, que resultou na criação de um conselho específico no Ministério da Justiça. O senhor acredita que falta espaço no Governo e na sociedade para discutir a biopirataria? Como o senhor avalia essa ausência de debate no Brasil, que é justamente o país com a maior biodiversidade do mundo?
Sarney Filho - Falta espaço no Governo com certeza para esse debate. Tenho absoluta certeza que esse tema não recebe a atenção que precisa e merece. O acesso irregular ao patrimônio genético e o não reconhecimento do saber das populações tradicionais não são levados em conta. Isso não é uma prioridade do Governo. Até hoje a Lei de Acesso aos Recursos é uma Medida Provisória, da época que eu ainda era ministro. Isso já tem mais de cinco anos e o texto não foi atualizado. Eu não vejo o Governo tratar como prioridade essa questão.
TRIBUTU$ - Essa falta de ação está relacionada a quais fatores em sua avaliação? Falta vontade política apenas?
Sarney Filho - O conhecimento da nossa biodiversidade é fundamental para que se tenha a soberania sobre ele. Hoje, não conhecemos cerca de 70% da nossa biodiversidade. Alguns falam em 80%. Há programas que foram começados, mas não tiveram seqüência. Então é preciso uma posição política para que se possa primeiro, estender as redes de conhecimento.
Na parte legislativa é preciso atualizar a MP de Acesso ao Patrimônio Genético. É preciso fazer uma lei. Também é preciso estabelecer penalidades. Não existe enquadramento penal para esse tipo de crime, isso precisa ser visto. A coisa é muito frouxa e esse enquadramento tem que ser sobre a integridade de nossa biodiversidade. Esse é um interesse estratégico, já que se trata do uso e da conservação do nosso patrimônio genético.
A fiscalização e controle são muito difíceis sobre a biopirataria. Agora, o que nos daria essa certeza é justamente o conhecimento. O Governo deveria fazer uma reavaliação das patentes existentes. A fiscalização seria sobre as patentes internacionais. Isso não é difícil, temos que avaliar quais patentes estariam relacionadas a princípios ativos ligados a nossa fauna e flora. Isso é fundamental. Também é preciso garantir a implementação do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável (Probem) e implementar o Centro de Biotecnologia da Amazônia, para difundir o conhecimento sobre a nossa biodiversidade.
Existem outras ações mais pontuais como a celebração de convênios com centros de ensino e pesquisa, que precisam ser auditados com regularidade. O Governo também precisa investir em programas de capacitação para fiscais. No campo das mudanças na legislação é preciso garantir na Lei de Acesso aos Recursos Genéticos a participação de indígenas e de populações tradicionais no conselho de representantes. Sabemos que também é preciso aumentar os recursos destinados às pesquisas
TRIBUTU$ - A CPI da Pirataria conseguiu criar uma mobilização nacional sobre o tema. O Governo percebeu a necessidade de que era preciso tratar esse problema de forma mais enérgica, até porque existia uma pressão internacional sobre a necessidade de se respeitar a propriedade intelectual. O senhor acredita que a CPI da Biopirataria conseguirá resultados semelhantes?
Sarney Filho - Naquela CPI existiram dois fatores que não existiram nessa. Primeiro, a pressão internacional era a favor da CPI, agora é contra. Segundo, as próprias empresas prejudicadas tiveram interesse. Elas faziam e davam dimensão àquela CPI. Elas tinham interesses econômicos. No nosso caso não. Aqui o Brasil é vítima e não o vilão da história. São duas coisas completamente diferentes.
TRIBUTU$ - Diante dessas circunstâncias esse relatório não terá o impacto da CPI da Pirataria.
Sarney Filho - Está longe de ter. Naquela, nós éramos os vilões, aqui o Brasil é a principal vítima da biopirataria. Na CPI da Pirataria havia o interesse das grandes empresas e dos grandes grupos multinacionais em preservar a propriedade intelectual, enquanto que no caso da CPI da Biopirataria é o contrário. Os grandes laboratórios têm interesse que nada seja feito. Para eles, assim é melhor.
TRIBUTU$ - Essa situação exige do Governo uma posição mais firma?
Sarney Filho - Essa tem que ser uma política de Governo. Fica muito difícil ampliar essa discussão no imaginário popular.
É muito difícil mostrar para a população os prejuízos gerados pelo tráfico de material genético. É justamente nesses casos que o Brasil perde, e muito, em recursos e tecnologia. Com relação ao tráfico de animais já há uma certa mobilização no País, as pessoas se sensibilizam mais.
Mas o mesmo não ocorre com a biopirataria. Ela movimenta a maior parte dos recursos e retira do Brasil o conhecimento tradicional, que pode ser a saída para a produção de inúmeros remédios e produtos industrializados.
O conhecimento tradicional tem um valor agregado enorme na pesquisa. Os índios tem conhecimentos milenares sobre venenos de animais e outras substâncias. Sem esses conhecimento, são necessários anos e anos de pesquisa para se chegar a essa informação. A indústria de cosmético se utiliza disso.
A nossa idéia é que o Brasil faça uma pesquisa internacional, uma fiscalização sobre quais produtos da nossa fauna e flora já estão sendo usados ilegalmente. Temos que entrar nos fóruns internacionais e pedir que o Brasil, como detentor dessa matéria prima e do conhecimento tradicional, seja ressarcido. Isso já está sendo discutido. Esse é um assunto de Governo, que precisa ser tratado como prioridade.
No plano internacional é preciso conhecer e avaliar as patentes. Nacionalmente é preciso melhorar a legislação de acesso ao patrimônio genético e também promover e fomentar as instituições nacionais para o conhecimento da nossa biodiversidade. Só o conhecimento é que vai nos trazer a soberania sobre esses recursos.
TRIBUTU$ - O senhor acredita que a crise política e outras duas CPIs podem ter ofuscado os resultados da CPI da Biopirataria?
Sarney Filho - O problema maior está no interesse. Na verdade foi até bom esse clima todo, porque a CPI pode trabalhar bastante e de forma mais tranqüila.
TRIBUTU$ - O Sindireceita acaba de lançar uma campanha nacional de combate à pirataria. A idéia é justamente esclarecer o consumidor sobre o problema e destacar a importância de valorizar a propriedade intelectual. O Senhor acredita que esse tipo de ação pode trazer novos elementos para esse debate?
Sarney Filho - Esse trabalho ajuda e muito. A conscientização é o caminho, na medida em que você esclarece que a destruição de um determinado ecossistema é extremamente nociva, porque impossibilita a bioprospecção, desmata, retira a madeira, e nisso morrem inúmeros organismos vivos e a vegetação associada. Nesse sentido, ao impedir o desmatamento ilegal estará ajudando a preservar a biodiversidade e a riqueza biogenética. Uma campanha de esclarecimento tem essa dupla função.