Para especialista, funcionalismo público precisa ter política salarial
Prof. João Paulo Peixoto
O professor de Governo e Administração Pública da Universidade de Brasília João Paulo Machado Peixoto, que leciona na UNB há mais de 20 anos, acredita que atualmente o Estado brasileiro passa por uma grave crise institucional e precisa ser reformulado.
Peixoto já foi conselheiro técnico especial do Programa de Reforço Institucional da Administração Pública de Angola, consultor do Banco Mundial e das Nações Unidas em Gestão Pública e Desenvolvimento Institucional em Países africanos de língua portuguesa e chefe da Assessoria Legislativa dos Ministérios da Fazenda, de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Educação, no período de 1987 a 1995. Além disso, foi autor de livros e artigos sobre Política e Administração Pública, publicados no Brasil e no exterior. O último livro que organizou foi “Reforma e Modernização do Estado: aspectos da experiência recente”, da editora UVA, 2000.
Em entrevista à Tributus, o professor João Peixoto faz uma análise do Estado brasileiro e do funcionalismo público.
TRIBUTU$ - Qual tipo de Estado o Brasil precisa ter hoje levando-se em consideração a atual conjuntura política, econômica e social?
João Peixoto - Nós evoluimos de um passado onde a experiência com o Estado máximo, como ocorreu, por exemplo, na ex-União Soviética com a promessa de resolver os problemas econômicos e sociais da sociedade, não funcionou. Então, evoluimos para um conceito de Estado mínimo sobre os princípios do liberalismo, que também não funcionou.
Na verdade, o que precisamos é implementar o Estado necessário e real. Não há uma fórmula de um modelo de Estado que possa ser aplicado a todos os países. Cada país tem sua realidade histórica, seu pro- cesso de desenvolvimento, suas condicionantes culturais, econômicas e sociais. É preciso, então, que o Estado seja concebido levando-se em conta estas variáveis e não a partir de um modelo pretensamente universal.
O Estado que deve servir de modelo para o Brasil é o Estado Liberal Democrático, que respeita e estimula o desenvolvimento da economia de mercado e se mantém numa obrigação permanente de garantir a cidadania, pelo oferecimento de serviços públicos de qualidade como educação, saúde e segurança. O Estado tem a seu encargo, evidentemente, aquelas atribuições monopolistas que são do Legislativo e Judiciário. Dentro de uma perspectiva liberal e moderna, estas instituições devem atuar no sentido de fortalecer o cumprimento da lei e do Estado de Direito sendo respeitadas pela sociedade. Na minha opinião, este é o modelo que poderá alavancar perfeitamente o desenvolvimento brasileiro.
O que nós temos hoje é uma crise institucional muito latente em que as instituições do Estado, via de regra, são desrespeitadas. Isto, evidentemente, enfraquece o poder do Estado e o poder público.
TRIBUTU$ - O senhor estava falando de alavancar, fortalecer o Estado. Na prática, de que forma o governo poderia fazer isto?
João Peixoto - Nós precisamos de uma reforma institucional que altere os modelos das instituições pilares do Estado. Por exemplo, uma reforma urgente no Judiciário no sentido de modernizar, acelerar o processo judiciário como um todo. Precisamos também de uma reforma política que fortaleça os partidos, dê mais transparência à atividade política e de uma reforma efetiva no sistema educacional que universalize o Ensino Médio, garantindo a todos os jovens brasileiros acesso à escola. Enfim, precisamos de reformas estruturais para modernizar as instituições do Estado.
TRIBUTU$ - O governo federal editou no mês de junho seis Medidas Provisórias que beneficiam mais de 1 milhão de servidores. Apesar do reajuste, a disparidade salarial ainda é grande entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O que o próximo governo precisa fazer para diminuir estas distorções?
João Peixoto - Precisa ter uma política salarial. Coisa que o governo federal perdeu há muitos anos. O governo precisa ter uma política salarial que possa colocar ordem nesta questão do setor público. Esta diferença não se verifica somente entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Agora, já existem dentro dos próprios poderes diferenças gritantes de salários entre as diversas categorias profissionais. A única maneira de resolver isto é a concepção de uma política salarial a partir do poder Executivo.
TRIBUTU$ - O cidadão brasileiro reclama que não tem um serviço público de qualidade. É bastante difícil o Estado oferecer um serviço qualificado à população se o próprio Estado não dá boas condições de trabalho aos servidores. O senhor não acha?
João Peixoto - Olha, eu acho que a questão salarial é só uma parte do problema. Eu diria que essa melhoria na qualidade do serviço público, de uma maneira geral, tem vários vetores. A má remuneração e o desprestígio da função pública efetivamente que contribuem para isto, mas não é só a questão salarial que vai resolver a situação dessa baixa qualidade no serviço público.
TRIBUTU$ - O servidor público acaba sendo um reflexo do Estado.
João Peixoto - Sim, mas não adianta você dar salário e não dar condição de trabalho.
TRIBUTU$ - Hoje, há oito mil Técnicos da Receita Federal trabalhando na fiscalização e arrecadação, observa-se que a quantidade de profissionais é insuficiente para realizar tais trabalhos. De que forma o governo pode resolver o problema?
João Peixoto - Eu acredito no seguinte: a decisão de contratar mais profissionais só poderia ser tomada depois de uma análise de processo. Eu não sei se o número de funcionários da Receita Federal é insuficiente, pode ser de acordo com os procedimentos e a legislação atual. Se houver uma simplificação de procedimentos, uma simplificação burocrática, então, tem que ser feito um novo estudo para constatar se realmente o número de funcionários atenderá a nova realidade da instituição.
TRIBUTU$ - No caso específico da Receita Federal, a quantidade insuficiente de profissionais no trabalho de arrecadação e fiscalização é também devido a questão da burocracia?
João Peixoto - Um ponto central para todas essas questões é a excessiva burocracia existente nos processos. Por isso, precisa haver a desburocratização, a descen- tralização no âmbito do poder Executivo e nos outros Poderes também. No poder Judiciário isto é notório devido a excessiva morosidade. Eu acredito que estes serviços que têm um impacto direto na produção e na economia mereçam uma análise rigorosa e um programa de desburocratização que, por sinal, já tivemos no passado e abandonamos.
A impressão que se tem é que quanto mais papel, burocracia e procedimentos, há uma sobrecarrega na atividade dos Técnicos. Agora, uma coisa é certa: a excessiva burocratização do serviço que ocorre em todas as áreas drena os esforços das atividades fins para as atividades meio. E isto é contra producente.
TRIBUTU$ - Como este programa de desburocratização poderia funcionar na prática?
João Peixoto - Bom, temos que analisar os processos e reformular as normas, os regulamentos, etc.